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Gazeta Mercantil

China: superpotência sem multinacionais? (1 notícias)

Publicado em 01 de outubro de 1996

Por Chu Wan Tai*
Há quase unanimidade mundial de que a China do século 21 será uma superpotência. As divergências ocorrem apenas quanto ao momento: no início, no meio ou no final do século? Entretanto, para isso acontecer, a China terá de mudar, se continuar válida a assertiva de que sediar multinacionais atuantes em vários pontos do mundo é condição para ser superpotência. É que para a China, por suas características, será difícil formar multinacionais nos moldes atuais. Embora a força das superpotências não dependa inteiramente do sucesso dessas empresas, é indubitável haver uma correlação. Em outras palavras, as grandes multinacionais (ou transacionais) costumam ter sua sede nos países economicamente fortes. As multinacionais caracterizam-se por serem gigantescas em receitas, ativos e lucros (a maior empresa dos EUA - a GM - faturou em 1994 US$ 155 bilhões, cerca de um terço do PNB da China). Além disso, nelas propriedade e controle são separados, com papel destacado para a administração profissional. Outra característica é operarem em muitos países e se adaptarem a condições diversas. É comum contratados locais ocuparem posições de destaque e algumas empresas até permitem a estrangeiros o acesso aos escalões superiores de suas matrizes. Subir às posições-chave é difícil, mas as oportunidades para progresso baseiam-se mais no desempenho do que no relacionamento pessoal. O nepotismo pode ocorrer, mas é pouco importante. Finalmente, as decisões são baseadas mais na eficácia econômica do que na conveniência política. Essas características chocam-se com o modelo chinês de comportamento na área dos negócios. Os chineses são orientados para a família, aprendendo desde a infância que devem depender só de si mesmos ou de sua família devido à transitoriedade do sistema político. A fronteira entre membros e não-membros da família é clara na cultura chinesa. Um exemplo disso é o ditado "Dinheiro não tem passado, futuro ou obrigações. Parentes, sim". Essas ligações familiares são um impedimento para a formação de grandes empresas com regras e procedimentos impessoais, pois pessoas que não pertencem ao círculo familiar têm pouco a dizer nas decisões importantes. Para os chineses o nepotismo faz parte da vida. "Quem" você conhece é mais importante do que "o que" você conhece. Se algo precisa ser feito, são indispensáveis contatos para superar a burocracia inerte e pesada do país. Disputas e conflitos são resolvidos por meio de grupos de discussão informais e não por meio de leis e regras impessoais. Há toda uma cultura de poder embutida na mente chinesa, com o desejo de ser o patrão e mestre de seu universo, em vez de ficar na dependência alheia. Por menor que seja o empreendimento, há mais poder e autonomia sendo dono. Para funcionar eficazmente numa equipe maior, a autoridade e as responsabilidades de cada um devem ser claras e previamente delineadas. Há até um ditado chinês que diz não haver futuro como empregado. O empregado, independentemente de seu desempenho, estará sempre sujeito aos caprichos e desejos de seu chefe. E é crença arraigada de que a ascensão profissional é baseada na escolha pessoal de alguém do topo que o considere de confiança, e não nas habilidades ou contribuições. O confucionismo, que definiu as relações sociais chinesas nos últimos dois milênios e meio, ainda exerce influência marcante e dois de seus quatro principais ensinamentos são lealdade aos superiores e fidelidade aos amigos. São essas regras não escritas que contam. Criatividade e iniciativa não são necessariamente consideradas como qualidades, mas submissão, obediência e busca da harmonia são virtudes elogiadas. A personalidade do fundador, patrão ou chefe influencia a organização. Regras impessoais e estabelecidas a distância perdem a vez para o julgamento pessoal. O chinês não segue a lógica cartesiana e dá predominância dos benefícios econômicos nas suas decisões. Para ele não há regras definidas sobre como as coisas devem ser feitas. Isso explica parcialmente a ojeriza dos chineses pelo excesso de leis e regulamentos. Hoje, devido ao sistema político adotado pela China desde 1949, a maioria das empresas de porte é estatal, acostumadas com planejamento central, ausência de concorrência, privilégios mono ou oligo-polísticos. Assim, a sua eficiência econômica é limitada no cenário internacional, onde as regras são mais liberais e o mercado altamente competitivo. Esses fatores culturais, sociais e psicológicos são barreiras para a institucionalização das empresas e para que sua permanência ultrapasse a existência efêmera do fundador/líder/patrão. Será que os empresários locais, depositários dessas heranças, conseguirão compatibilizá-las com o desejo de crescer no mercado internacional, oferecendo produtos/serviços para pessoas diversas, empregando pessoas de nacionalidades diferentes e operando no ambiente econômico e liberal? É a dúvida a que o futuro se encarregará de responder. Formado pela FEA/USP, onde lecionou; foi professor na Universidade de Finanças e Economia de Xangai, China. Autor do estudo "China Oportunidades de Negócios", da Editora CL-A Cultural, e consultor especial associado à CL-A Comunicações.