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China chega como maior produtora de artigos científicos (1 notícias)

Publicado em 31 de janeiro de 2022

Por Carmino de Souza

Este texto demonstrará um dos maiores e inesperados fenômenos dos últimos anos: o crescimento meteórico da China, não na economia ou na produção de bens e serviços, mas na ciência. Não temos ainda os dados de 2021 pois o ano acaba de se encerrar, mas em 2020 a China ultrapassou os Estados Unidos da América (EUA) na publicação de artigos arbitrados (reconhecidos e aprovados pelos pares). Não são artigos apenas em ciências da vida onde está a área da saúde e onde os EUA continuam a liderar, mas a somatória de todas as áreas do conhecimento: ciências da vida, exatas/tecnológicas/inovação e humanas.

Os dados são oriundos Scimago Journal & Country Ranks e obtidos no site www.scimagojr.com. Os números são impressionantes. Em um ano China publicou 788287 documentos, 744042 (95%, citáveis) e os EUA, 766789 documentos, 624554 (81%, citáveis). Este foi o primeiro ano da história da ciência onde isto ocorreu. Se voltarmos um pouco no tempo, isto seria impensável. Há 25 anos, este fato seria absolutamente imprevisível, quase delirante. No intervalo de 1996 e 2020 (25 anos), dados acumulados mostram que os EUA publicaram, praticamente, 12 milhões de artigos contra 7.45 milhões da China, isto é, quase o dobro.

Devemos lembrar ainda que a língua de comunicação na ciência é a língua inglesa o que traz uma dificuldade adicional a todos os países que não são nativos nesta língua. Podemos imaginar o tamanho e a qualificação do projeto de um país para alcançar estes objetivos neste curto espaço de tempo. Certamente, milhares de jovens pesquisadores chineses tiveram que sair de seu país (e voltar) para adquirir conhecimentos, habilidades técnicas e científicas e fluência na língua e na escrita, para se tornarem protagonistas neste mundo altamente competitivo da ciência.

Outro fato impressionante é que tanto os chineses como os americanos publicaram três vezes mais artigos científicos sobre o terceiro colocado que é o Reino Unido (249408 artigos sendo 198500, citáveis), grande protagonista em tempos de pandemia do SarsCov2. E nós como estamos? Em minha opinião a posição do Brasil, apesar da política equivocada e reducionista do atual governo federal no campo da ciência e da tecnologia, ocupa uma posição bastante honrosa de 13º lugar com mais de 100 mil artigos publicados em 2020 sendo que 90% dos mesmos, citáveis. Estamos a frente de países muito relevantes na ciência como a Coréia do Sul, Holanda, Iran, Suíça, Turquia, dentre outros e muito próximos a Espanha, Austrália, Rússia e Canadá.

Na medicina, incluindo todas as áreas do conhecimento e especialidades, ocupamos a 12º posição com 30269 artigos publicados e 90%, citáveis, novamente à frente da Holanda, Coréia do Sul, Turquia, Suíça, Iran e Rússia e próximos à Espanha e à França. Precisamos fazer um destaque, no campo da medicina, a algumas especialidades que estão entre as top10 da ciência. São elas: Saúde Pública/Meio ambiente/Saúde ocupacional, Otorrinolaringologia e Moléstias infecciosas.

Na grande maioria das especialidades, estamos entre o 10º e 15º colocados. É o caso da minha especialidade, a Hematologia. Nas ciências da vida, chama muito a atenção a posição de nossa Odontologia, sempre destacada. Neste cenário apresentado pela Scimago a odontologia, incluindo todas as suas especialidades, ocupa o sexto lugar com 3262 artigos publicados em 2020 e com mais de 95% citáveis, a frente de países tradicionais na pesquisa como Espanha, Índia, Alemanha, Itália, Coréia do Sul etc. e próximo ao Canadá e à Austrália.

Os dados acima apresentados mostram que o Brasil pode e deve ter uma política de estado mais ambiciosa no campo da ciência.

Nossos números não são completamente ruins, mas também não são bons. Temos uma enorme preocupação com a preservação e desenvolvimento da ciência em nosso país. Os sinais atuais são preocupantes tendo em vista a redução de recursos federais para as Universidades, para a Capes e para o CNPq. As reduções de bolsas de estudos para os vários níveis de formação (mestrado, doutorado, pós-doutorado, etc.) podem causar um prejuízo irrecuperável no futuro próximo.

No Estado de São Paulo, temos a Fapesp, grande patrimônio do povo paulista e brasileiro e que tem tido um papel fundamental no fomento à pesquisa e à inovação e tem sido a instituição que oferece a maior resistência ao movimento de enfraquecimento da ciência que ocorre em nível nacional. A Fapesp apoia, incondicionalmente, as Universidades e os pesquisadores, principalmente, mas não exclusivamente, de São Paulo. Outra enorme preocupação é com a evasão de “cérebros” para países do hemisfério norte em busca de ocupação e condições de trabalho.

Em minha opinião, é dramático investir tantos recursos e expectativas na formação profissional e acadêmica para, posteriormente, perder os jovens talentos para outros países. Mas, atualmente e cada vez mais, é isto que estamos vendo, sem meios ou instrumentos de reversão. Um país que não gera oportunidade a seus jovens está fadado a um futuro sombrio.

No campo das ciências, isto é muito pior pois aumentamos nossas dependências. Vimos na pandemia a tragédia de não sermos detentores de conhecimento e de produção de insumos e produtos para o seu enfrentamento. O exemplo da China deve ser admirado, analisado, adaptado e, quem sabe, seguido por nós. Já demonstramos capacidade e criatividade no campo das ciências para sermos competitivos e produtivos. O país deve entender isto e ter políticas públicas de longo prazo para inverter a tendência atual.

Devemos, enfaticamente, defender a educação de qualidade em todos os níveis, as Universidades e a geração de conhecimentos como base de um futuro mais promissor e equânime.

Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020