Atualmente, todos os estados brasileiros registram transmissão da chikungunya uma arbovirose, ou seja, uma doença causada por vírus transmitidos por inseto, que causa principalmente dores intensas nas articulações, febre, erupção avermelhada da pele, entre outros sintomas.
Não há vacinas ou medicamentos para prevenir ou tratar uma infecção, apenas remédios para alívio dos sintomas, que podem durar de cinco a 14 dias na fase aguda e até três meses na fase crônica. Em alguns casos, pode levar à morte. O Ceará, no Nordeste do Brasil, é a unidade federativa com o maior número de casos de chikungunya (77.418) registrados no país.
No estado, o número de mortes pela doença nos últimos dez anos foi superior ao da dengue que é transmitido pelos mesmos mosquitos das espécies Aedes aegypti e Aedes albopictus. Foi registrado 1,3 óbito por mil casos de óbito, enquanto a taxa de mortalidade da dengue é de 1,1 por mil.
A conclusão é do maior e mais abrangente estudo epidemiológico sobre o tema, publicado na revista The Lancet Microbe no último dia 6. A partir das análises, o pesquisador foi capaz de determinar ainda o padrão de disseminação da doença e os fatores de risco que podem servir de base para a elaboração de estratégias efetivas de controle, prevenção e tratamento.
Entre 3 de março de 2013 e 4 de junho de 2022, foram notificados 253.545 casos de chikungunya confirmados em laboratório em 3.316 (59,5%) dos 5.570 municípios, distribuídos principalmente em sete ondas epidêmicas de 2016 a 2022 afetando todos os estados do Brasil . Cada região funcionou como um “pequeno bolsão” da doença e foi aguardado de forma diferente em cada momento. O Ceará foi o estado mais afetado, com 77.418 casos durante as três maiores epidemias de ondas em 2016, 2017 e 2022.
O virologista brasileiro William Marciel de Souza, um dos autores do trabalho e pesquisador do Centro Mundial de Referência de Vírus Emergentes e Arbovírus da University of Texas Medical Branch, nos Estados Unidos, explicou, em entrevista à Agência Brasil, por que o estado foi o mais atingido.
“Com base na análise epidemiológica, identificamos que as recorrências de chikungunya no Ceará, e ainda no Tocantins e Pernambuco, foram limitadas a municípios com poucos ou nenhum caso relatado nas ondas epidêmicas anteriores, sugerindo que a heterogeneidade espacial da disseminação do vírus chikungunya e a imunidade da população explicam o padrão de ocorrência no país. Portanto, acreditamos que os municípios mais afetados pelas ondas epidêmicas de chikungunya apresentaram algum nível de proteção imunológica contra a doença e/ou transmissão que impediu temporariamente a recorrência de surtos explosivos de chikungunya.”
Em contraste, ele completa, as potências de municípios menos expostas a ondas superiores de chikungunya permaneceram mais ansiosas. “Desta forma, isso resulta na heterogeneidade geográfica da dinâmica de chikungunya no Brasil. Curiosamente, as métricas de densidade populacional do principal mosquito vetor do vírus chikungunya no Brasil, Aedes aegypti, não foram correlacionadas espacialmente com locais de recorrência de chikungunya no Ceará e Tocantins. Ou seja, para ter uma transmissão precisa do mosquito, mas um maior número de mosquitos não significa um maior número de casos”, destacou Souza.
Os pesquisadores sequenciaram os genomas do vírus chikungunya que causaram a epidemia em 2022 no Ceará. Eles identificaram que a recorrência de chikungunya em 2022 no estado, após um intervalo de quatro anos, foi associada a uma nova introdução de uma linhagem leste-centro-sul-africana, “provavelmente originária de outros estados brasileiros após introdução em 2014”, de acordo com o virologista.
O estudo também estima que nova linhagem de chikungunya foi orientada no Ceará entre miados de 2021 e o final daquele ano. “Acreditamos que esse padrão de recorrência continue ocorrendo caso não tenha nenhuma intervenção”, alertou Souza.
Prevenção
O estudo mostra que as epidemias de chikungunya provavelmente continuarão a ocorrer se nenhuma intervenção for iniciada, causando grandes ondas epidêmicas com milhares de casos e mortes devido à heterogeneidade geográfica associada à disseminação ou recorrência de chikungunya. “Esses resultados serão úteis para informar o setor de saúde pública para antecipar e prevenir futuras ondas epidêmicas de chikungunya no país”, frisou o virologista.
O mapeamento também indicou fatores de risco envolvidos nas visitas sintomáticas, mais prevalentes em mulheres, e nas mortes, mais frequentes em crianças e idosos, que possuem sistemas imunes menos fortalecidos. “Estimamos a taxa de mortalidade por chikungunya de 1,3 morte por mil casos confirmados, o que é maior do que outros arbovírus endêmicos em países tropicais, como dengue e complicações pelo vírus Zika. Essas informações podem fornecer informações para saúde pública no Brasil”, observou Souza.
“A chikungunya afeta desproporcionalmente as mulheres, pois, provavelmente as pessoas se infectam mais em casas. Considerando que uma parte substancial das mulheres fica mais tempo em casa, pode aumentar o risco de exposição. Outro estudo anterior em Bangladesh no sudeste asiático mostra padrão similar e os autores levantam hipóteses semelhantes. Sobre maior morte em crianças e idosos, provavelmente está associada à imunidade nesta população que geralmente pode ser menos efetiva que a população adulta jovem”, considera o virologista.
chikungunya x dengue
Quando o vírus causador da febre chikungunya foi introduzido no Brasil, há quase uma década, especialistas em arboviroses acreditavam que ele repetiria a dinâmica que já havia apresentado em outros países como a Índia, por exemplo: uma ou, no máximo, duas ondas curtas e explosivas, com exposição de grande parte da população, seguidas de um intervalo de anos. Porém, o que se observa são epidemias contínuas e registro de casos nas Américas: segundo o estudo, são mais de 1,2 milhão registrados.
Diferentemente da dengue, cujo vírus causador pode apresentar quatro genótipos distintos e, portanto, provocar quatro eventos de contaminação, o vírus CHIKV não deveria causar reinfecções. Para entender as causas do diferencial padrão americano de disseminação, os pesquisadores estudaram dados de sequenciamento genômico, de distribuição de vetores e informações epidemiológicas de casos confirmados.
O estudo, que contornou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por meio de três projetos, foi acompanhado por 26 investigadores da University of Texas Medical Branch (EUA), do Laboratório de Saúde Pública do Ceará, do Ministério da Saúde, da Universidade de Campinas, da Universidade de São Paulo, da Universidade Federal de Rondônia e do Imperial College London (Reino Unido).