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Cérebro tem "sexto sentido" para calorias (1 notícias)

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O paladar desempenha um papel importante na busca dos animais por nutrientes, estimulando-os a procurar os alimentos mais calóricos. Mas, mesmo na ausência de qualquer estímulo gustativo, o cérebro é capaz de escolher o alimento com mais calorias, de acordo com um estudo feito por pesquisadores da Universidade Duke, nos Estados Unidos.

Utilizando camundongos geneticamente modificados para perder a capacidade de sentir sabores doces, os cientistas demonstraram que os animais dão preferência ao alimento mais calórico, contrariando uma das explicações mais recorrentes para o consumo exagerado de calorias.

Segundo os autores, o trabalho pode ter importantes implicações para a compreensão de causas da obesidade. Os resultados foram publicados na edição desta quinta-feira (27/3) da revista Neuron, com Ivan de Araújo como primeiro autor. O trabalho contou com a participação de outros brasileiros, entre os quais Miguel Nicolelis, professor titular do Departamento de Neurobiologia da Universidade Duke.

"O estudo sugere que pode ser ineficaz tentar diminuir o consumo de calorias por meio da substituição do alimento por uma versão menos calórica, mas com gosto parecido. Graças aos mecanismos cerebrais que regulam o comportamento ingestivo, a pessoa pode acabar, a longo prazo, preferindo a versão mais calórica", disse Araújo à Agência FAPESP.

De acordo com o cientista, que desde junho de 2007 está no Instituto John B. Pierce, ligado à Universidade Yale, o sistema gustativo provavelmente não existe para dar prazer, mas para ajudar o animal a detectar rapidamente a presença de alimentos calóricos na natureza. Por isso a versão "light" dos alimentos acaba não sendo capaz de ludibriar o cérebro por muito tempo.

"A recompensa não é o sabor, e sim a caloria. Não surpreende que esses mecanismos cerebrais, de alguma forma, priorizem o aspecto nutritivo e, desse modo, não sustentem o consumo de compostos menos calóricos a longo prazo", destacou.

Segundo ele, alguns trabalhos comportamentais já sugeriam que os animais mostravam atração por certos sabores, mas essa atração se potencializava quando os sabores eram combinados com altos teores de calorias.

"Uma das perguntas era se esse mecanismo, independentemente da palatabilidade, influenciaria o animal a consumir o alimento mais calórico. A outra era se os estímulos de recompensa, que respondem fortemente a tudo o que é palatável, responderiam também ao valor nutritivo mesmo na ausência da gustação. Ambas tiveram respostas positivas", disse Araújo.

Preferência pelo açúcar

Para responder como o cérebro e o comportamento respondem à situação de insumo de calorias sem estímulo gustativo, os cientistas recorreram a camundongos transgênicos incapacitados de detectar sabores doces.

"Esses camundongos eram desprovidos do gene que expressa a proteína codificante de um canal iônico presente nas células gustativas da língua. A presença desses canais iônicos é fundamental para a capacidade de os receptores gustativos transmitirem informação sobre os sabores doces para o cérebro", explicou Ivan de Araújo.

Os camundongos puderam escolher entre beber água ou uma solução de água com sacarose. Enquanto os animais normais apresentavam preferência pela água com sacarose, os geneticamente modificados se mostraram indiferentes.

Em seguida, os pesquisadores associaram um dos lados de uma caixa comportamental à presença ou ausência da solução de sacarose. Em um dia a solução era colocada no lado direito e o esquerdo permanecia vazio. No outro dia, água pura era colocada no lado esquerdo e o direito permanecia vazio. E assim por diante.

"Ao longo do tempo, os animais desenvolveram forte preferência pelo lado da caixa que fora associado à sacarose. Apesar de não detectarem o doce, eles lentamente começaram a mudar seu padrão de preferência em favor do lado que tinha a solução doce", disse.

Segundo o cientista, que graduou-se pela Universidade de Brasília e completou os estudos nas universidades de Edimburgo e Oxford, isso mostra, em nível comportamental, que o animal desenvolve preferência clara pela caloria mesmo na ausência de qualquer prazer específico ligado ao paladar.

"Depois fizemos o mesmo experimento substituindo a água com sacarose por uma solução de água com sucarose — um adoçante artificial utilizado no mercado. O animal normal gostava muito desse adoçante, mas os animais mutantes não mostravam preferência nenhuma quando não havia conteúdo calórico", disse.

Alterações hormonais

Após os experimentos comportamentais, os cientistas analisaram os padrões cerebrais dos camundongos, começando por uma microdiálise: obtendo pequenas amostras de fluido cerebral dos animais, mediram o conteúdo do neurotransmissor conhecido como dopamina.

"A dopamina é liberada por algumas áreas específicas do cérebro quando os animais e pessoas têm contato com estímulos sensoriais altamente atrativos — que vão desde alimentos palatáveis até imagens sexuais ou drogas. Queríamos saber se o sistema de recompensa permanecia ativo quando havia calorias, mesmo sem o componente sensorial", explicou Araújo.

Os animais geneticamente modificados, segundo ele, mostraram alto nível de emissão dopaminérgica quando consumiam a água com sacarose. Quando se tratava da água com adoçante, no entanto, os níveis de emissão não eram detectáveis. Nos animais normais, os níveis de dopamina aumentavam em ambos os casos.

"Depois disso fizemos ainda um experimento eletrofisiológico, mostrando que nas áreas em que existia liberação de dopamina os neurônios ficavam mais ativos durante o consumo calórico", contou.

Segundo o cientista, o "sexto sentido" dos animais para alimentos calóricos ainda não pode ser explicado, mas há algumas possibilidades plausíveis. Uma delas é que os hormônios dopaminérgicos presentes no cérebro seriam capazes de detectar receptores para insulina.

"O consumo de alimentos calóricos provoca mudanças hormonais no nível de glicose sangüínea, aumentando a insulina e alterando uma série de outros hormônios. As células cerebrais expressam receptores para muitos desses hormônios, em particular para os dopaminérgicos", apontou.

Outra possibilidade é que o cérebro detecte mudanças nos níveis sangüíneos de glicose por meio de determinados hormônios glucossensores. "Fisiologicamente e neuroanatomicamente existem caminhos para que isso ocorra. Ninguém demonstrou ainda que esses receptores nas áreas dopaminérgicas têm uma função, mas a maquinaria necessária para que isso aconteça existe de fato", afirmou Araújo.