Unidade, que completou 35 anos, tem em andamento 36 pesquisas agrupadas em duas grandes linhas
O Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel Porto” (Cepre), da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, está completando 35 anos. Fundado em 1973 pelo médico otorrinolaringologista Gabriel Porto, o Cepre se estruturou a partir dos atendimentos nas áreas da deficiência visual e da surdez. Os atendimentos, originalmente, eram realizados no centro de Campinas, no prédio das Cruzadas das Senhoras Católicas, um orfanato de meninas cegas. Até 1985, o Cepre funcionava como centro de reabilitação e ensino e era conhecido como Centro de Reabilitação Gabriel Porto ou, simplesmente, Gabriel Porto.
As crianças com necessidades especiais atendidas nos ambulatórios de oftalmologia e otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp eram encaminhadas para o Cepre. “Elas passavam 10, 12 anos no Gabriel Porto. Era uma escola, mesmo, com boletim e notas. A criança entrava, aprendia a falar, a ler e a escrever. Tanto os surdos como os cegos saiam de lá alfabetizados”, conta o médico otorrinolaringologista Ariovaldo Armando da Silva, coordenador do Cepre no período de 1985 a 2001.
O Cepre sempre foi uma unidade ligada à diretoria da FCM. Ariovaldo diz que, por um determinado período, o Cepre ficou temporariamente sob a administração da Reitoria. Foi quando o oftalmologista Newton Kara-José idealizou um projeto por meio do qual o Centro tinha que fazer pesquisa, docência e assistência. “Mudamos o perfil do Cepre. Criamos uma área de ensino, uma de pós-graduação e uma de assistência. Investimos na graduação universitária e na pós-graduação dos professores que já tinham experiência e atuavam há anos na assistência. Demos um salto muito grande. Depois disso, o Cepre caminhou com as próprias pernas”, explica Ariovaldo.
De acordo com a assistente social Maria de Fátima de Campos Françozo, a pesquisa nasceu no Cepre ainda nessa época, a partir do movimento dos docentes na busca pela qualificação e das indagações sobre a prática do ensino e reabilitação desenvolvidos na instituição.
“Isso é um pouco peculiar em termos da realidade acadêmica, porque a pesquisa não veio de fora; ela nasceu dos questionamentos dos próprios profissionais que atuavam no Cepre”, relembra a primeira responsável da Área de Ensino e Pesquisa da unidade.
Até meados de 1990, havia apenas duas linhas de atuação no Cepre: surdez e deficiência visual. Foi somente em 1993 que essa tradição foi quebrada com o trabalho “Neurodesenvolvimento de lactentes nascidos a termo pequenos para a idade gestacional no primeiro semestre de vida”, realizado pelo Grupo Interdisciplinar de Avaliação doDesenvolvimento Infantil (Giadi), coordenado pela neurologista Vanda Maria Gimenes Gonçalves, do Departamento de Neurologia da FCM. A pesquisa consistia em avaliar o desenvolvimento de bebês que nasciam no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism). Os bebês eram divididos em dois grupos: bebês com peso adequado para idade gestacional e bebês de baixo peso. “Esse projeto durou cinco anos e foi a primeira pesquisa interdisciplinar a integrar profissionais do Cepre, da Neurologia e profissionais do Caism”, explica a arte educadora Lúcia Helena Reily, atual responsável pela Área de Ensino e Pesquisa do Cepre.
Em 1997, com a mudança para o campus, o trabalho do Cepre teve maior visibilidade na opinião da lingüista e atual coordenadora do Centro, Zilda Maria G. Oliveira da Paz. “Quando viemos para a Unicamp, todos ficaram num único espaço. Acho que isso facilitou ainda mais a junção das áreas e das atividades. Começou com essa interdisciplinaridade no projeto do Giadi e foi-se ampliando para outras áreas de pesquisa”, relembra Zilda.
Pesquisas
De acordo com Lúcia Reily, hoje existem 36 pesquisas em andamento nas modalidades iniciação científica, projetos com financiamento e pós-graduação. Essas pesquisas estão agrupadas em duas grandes linhas: “Promoção da saúde e prevenção” e “Cultura, deficiência e modelos de intervenção”.
Um dos projetos de pesquisa multidisciplinar em andamento no Cepre é “Detecção de alterações auditivas em neonatos e lactentes”. A pesquisa é conduzida pela fonoaudióloga Maria Cecília Pinheiro Lima. O projeto conta com a participação de vários alunos da Graduação e Aprimoramento. A detecção precoce da surdez cumpre a Lei Municipal 235/2000 que obriga todas as maternidades de Campinas a realizar o teste da orelhinha. Por meio das Emissões Otoacústicas (EOAs), pesquisa do reflexo cócleo-palpebral e do Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico automático (Peate), os pesquisadores do Cepre procuram conhecer a prevalência da surdez nos recém-nascidos atendidos no Caism. Se o diagnóstico indicar risco para a surdez, os pais são orientados sobre os cuidados.
“Um fator interessante é que aproximadamente metade dos alunos a partir do segundo ano do curso de graduação em Fonoaudiologia busca a iniciação científica”, comenta Lúcia. Na opinião da pesquisadora, a presença dos alunos nas pesquisas é um diferencial do curso de Fonoaudiologia da Unicamp. Desde o primeiro ano os alunos são estimulados a fazer pesquisa. Muitos têm bolsa Fapesp, Pibic ou SAE. “Os alunos se envolvem na pesquisa, que funciona como complementação do ensino”, conclui Lúcia.
Com a criação, em 2007, do mestrado profissional “Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação”, o Cepre ampliou o enfoque multidisciplinar dos trabalhos nas áreas de ensino, pesquisa e extensão. O curso obteve nota 4 na avaliação da Capes. Para Lúcia, o mestrado profissional traz uma contribuição para a FCM, que até então só tinha mestrados acadêmicos. “Por enquanto, são 14 docentes do Cepre credenciados na pós-graduação. O mestrado amplia as perspectivas de pesquisa à medida que promove uma inserção maior na comunidade por intermédio dos projetos dos mestrandos”, comenta a arte educadora.
Fonoaudiologia
O Cepre foi o berço para a capacitação, estágio e especialização de muitas alunas de cursos de Fonoaudiologia, principalmente da PUC-Campinas, na época em que os atendimentos eram na rua Dr. Quirino, no centro de Campinas. Muitas estagiárias aprendiam na prática como era o trabalho do fonoaudiólogo com crianças surdas. Esse trabalho, aliado ao desejo dos docentes em buscar uma inserção formal em atividades de ensino e com o início das pesquisas, possibilitou a criação do curso de Fonoaudiologia, na opinião de Zilda.
Em 1998, uma comissão foi montada para estudar a viabilidade da implantação de um curso de Fonoaudiologia na Unicamp, cuja aprovação deu-se em 2001 pelo Conselho Universitário da Unicamp (Consu). “Foi uma batalha. Foi necessário muito convencimento”, relembrou Maria Cecília Marconi Pinheiro Lima, coordenadora do curso de Fonoaudiologia no período de 2002 a 2006.
A Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp dividem a coordenação do curso. Essa característica foi definida após a comissão verificar que a soma das unidades poderia trazer grandes benefícios para os alunos.
A formação em linguagem, fonética, lingüística e oralidade são dadas no IEL. Já a parte de física acústica, importante para a audiologia, é ministrada no Instituto de Física. A anatomia, fisiologia, citologia, neurociências e formação orgânica do ser humano são ministradas pelo Instituto de Biologia. As aulas de audiometria e as disciplinas que contemplam a formação humanística do curso são ministradas por professores formados em serviço social, psicologia, terapia ocupacional e pedagogia. A parte profissional fica a cargo dos docentes fonoaudiólogos do Cepre.
“Procuramos preservar a particularidade de cada disciplina. Cada um tem um olhar diferente. O aluno sai daqui sabendo trabalhar com equipe interdisciplinar” disse Cecília.
Além das aulas, os alunos fazem estágio já a partir do quarto semestre do curso. Os estágios são realizados na Clínica de Fonoaudiologia do Cepre, no Caism, no HC e extramuros, nas unidades básicas de saúde, centros de saúde e escolas municipais.
A partir de 2009, a Fonoaudiologia da Unicamp inseriu-se no programa Pró-Saúde do Ministério da Saúde. O objetivo principal do Pró-Saúde é uma maior participação dos alunos da graduação na rede municipal de Saúde. A duração do Pró-Saúde é de três anos.
Os alunos do curso de Fonoaudiologia da Unicamp realizam estágio supervisionado no distrito Leste de Campinas, que compreende a região do bairro Vila Costa e Silva. De acordo com a atual coordenadora do curso, Maria Francisca Colella dos Santos, estão ocorrendo reuniões com profissionais da rede municipal de saúde para planejar uma maior inserção do curso na rede. “Nós não conseguimos abraçar todos os distritos. Pretendemos ampliar nossas ações. Estamos planejando quais disciplinas irão se deslocar para lá”, comentou Colella, reforçando que todos os estágios são supervisionados pelos professores do Cepre.