Estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indica que em dez anos a região central de Campinas ficou 1,8 grau Celsius mais quente. O levantamento foi realizado pela pesquisadora e arquiteta Alessandra Prata Shimonura, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A análise dos dados terminou em julho. O estudo considerou dois mapas anuais que apontavam a variação de temperatura mínima e máxima na região central, com dados do programa de satélites de observação da Terra Landsat, da Nasa. No primeiro, de 2001, a maior parte dos pontos avaliados apresentava temperatura variando entre 17,4ºC e 19,3ºC. Já em 2011, a temperatura predominante no mesmo trecho ficou entre 19,3ºC e 21,1ºC. Para comparação, a cientista analisou a temperatura máxima de 2001 (19,3,4ºC) e a máxima de 2011 (21,1ºC). Análise A diferença, no entanto, pode ser ainda maior. Se analisado a variação no período, a variação de temperatura é de 3,7ºC na região Central. O mapa mais recente também mostra a presença mais marcante de pontos de pico entre 21,1ºC e 36,2ºC, de cor avermelhada.
No período, além do aumento de temperatura, também foi possível identificar o desenho da ventilação da cidade. Entre os quadrantes analisados estão as ruas José Paulino, 13 de Maio, General Osório e Barão de Jaguara. Quentes, com grande circulação de pessoas e muitos serviços, as vias são o retrato do Centro de Campinas. O critério da análise dos quadrantes é com base na menor medida possível de ser analisada no mapa. Os ventos vêm do Litoral, trazendo tanto a brisa do mar quanto a poluição da cidade de São Paulo, e passam ainda com força pelas cidades de Valinhos e Vinhedo antes de entrar no Centro de Campinas, perder velocidade e sair sentido Limeira, pela rodovia Anhanguera.
Avaliação
O uso de mapas climáticos, segundo Alessandra, é comum para obter esse tipo de dados, principalmente no Exterior. Para a pesquisadora, os resultados de Campinas não surpreendem, devido ao alto desenvolvimento urbano e pavimentação do território nos últimos anos. Desde a década de 1970 os pesquisadores alemães realizam levantamentos do tipo e a cidade de Hong Kong também foi mapeada em 2002. O estudo chinês indicou os bairros mais vulneráveis e ajudou a conter o avanço da epidemia da síndrome respiratória aguda severa (Sars).
"A cidade está em plena mutação, e observamos que durante a evolução houve crescimento de áreas impermeáveis, que ajudam a manter o calor. Locais que eram verdes no Centro foram pavimentados", explicou. A recomendação, de acordo com ela, é preservar os corredores de ventos e a matas, além de priorizar avenidas largas e fundos dos vales, que ajudam a circular o ar.
Ocupação
Outra característica é diversidade as formas de ocupação de espaço, conciliando áreas construídas e áreas verdes e abertas como a fazenda do Instituto Agronômico (IAC), na área urbana. Para Alessandra, o estudo surge como uma visão de planejamento urbano para os próximos. "O mapa é uma diretriz geral. Ele mostra o que está sendo feito de correto e o que tem causado desconforto ambiental", explicou.
Alessandra preparou os mapas de Campinas em colaboração com o geógrafo Antonio Manuel Saraiva Lopes, professor da Universidade de Lisboa, que trabalha nessa área desde os anos 1990. Em 2013, em colaboração com Elis Alves, da USP de São Carlos (Universidade de São Paulo), Lopes examinou o regime de ventos e a variação de temperatura que resultam na formação de ilhas de calor na cidade de Lisboa.
Calor
O aumento na temperatura na região central é sentida por moradores, funcionários e frequentadores antigos do comércio e ruas. A atendente de uma loja de laticínios tradicional na Rua Barão de Jaguara, Vera Souza, de 60 anos, disse que o calor tem afetado a rotina do comércio e que sentiu o aumento nos últimos anos. Ela trabalha no local há 30 anos. "Temos linguiça curada, e parte do processo é feito aqui. Antes, levava cerca de uma semana para curar, pendurada na loja. Hoje, com o tempo quente, tem levado no máximo 3 dias. Não tem mais umidade no ar, é impressionante", disse. Foto: Dominique Torquato/ AAN Vera Souza: linguiça fica curada em menor tempo por causa do aumento da temperatura A aposentada Maria dos Santos, de 63 anos, mora há 45 na região Central e diz que nos últimos anos sente o calor mais intenso na área. "Instalamos ar-condicionado na casa porque não tinha mais jeito. O filtro de água também gela, porque é uma ajuda nesse tempo" , disse.
Registros confirmam
Para a pesquisadora e meteorologista Ana Ávila, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a tese se confirma, uma vez que já há registro de aumento de temperaturas na cidade. "Não há avaliação específica, mas temos observado uma frequência maior de dias com temperaturas acima de 34ºC desde 2001", disse. A série histórica realizada pelo Cepagri é feita desde 1988.