Notícia

À Beira do Urbanismo

Cenas de um casamento: mercado e plano

Publicado em 27 novembro 2020

Por pjorgensen

A interação entre a força fundamental da construção da cidade moderna, que costumamos chamar eufemisticamente de “o mercado”, e o conjunto de práticas estatais de controle, regulação e intervenção abrigadas sob a rubrica “planejamento”, é um aspecto crítico da organização espacial urbana, portanto de seu estudo.

O que se segue é uma pequena compilação, cronologicamente ordenada e sujeita a adendos, de passagens a respeito dessa interação, escritas por autores de distintas áreas do conhecimento, em épocas distintas e textos de distintas características e finalidades. Noves fora tudo isso, serve como convite à reflexão.

*

If cities grew at random the problem of the creation, distribution and shifting of land values would be insoluble. A cursory glance reveals similarities among cities, and further investigation demonstrates that their structural movements, complex and apparently irregular as they are, respond to definite principles. The basis of this similarity is that the same factors create all modern cities; commerce and manufactures, with political and social forces, being everywhere operative, the chief difference in influence coming from variations in their relative power. [HURD 1903]

Urban geography is not about planning. It is concerned with certain aspects of the inherent spatial or geographical structure of society on which planning must be based [DICKINSON R 1947 xiii)

So long as the market, circumscribed as it may be by public policy, is the principle machinery allocating urban space among competitive use, this interaction will be the dominant city shaping force in our society." [WINGO L 1961, p.93]

O urbanismo moderno não nasceu junto com o processo técnico e econômico que gerou e modelou a cidade industrial. Veio mais tarde, quando se evidenciou que os efeitos quantitativos dessas transformações se tornaram conflitantes a ponto de tornar inevitável a necessidade de remediá-los. [ De modo geral, a técnica urbanística aparece com atraso relativamente aos acontecimentos que tem por missão controlar e guarda um caráter curativo. [BENEVOLO L, 1963]

Almost precisely in 1900, as a reaction to the horrors of the 19th century slum city, the clock of planning history started ticking. But, paradoxically, as it did so, another much older and bigger timepiece started to drown it out. The very problem, that the infant planning movement sought to address, almost instantly began to change its shape. Most of the philosophical founders of the planning movement continued to be obsessed with the evils of the congested Victorian slum city – which indeed remained real enough, at least down to World War Two, even to the 1960s. But all the time, the giant city was changing, partly through the reaction of legislators and local reformers to these evils, partly through market forces. The city dispersed and concentrated. [HALL P, 1988]

Explicações sobre a inexistência de uma orla verticalizada em Salvador baseadas em restrições da legislação urbanística municipal não convencem. Trata-se de processos sociais que se desenvolvem por muitas décadas e que determinam a legislação urbanística em vez de serem determinados por ela. Imaginar que a legislação urbanística possa dobrar os interesses de um poderosíssimo setor de mercado - o setor imobiliário - é uma ilusão. Num país de Estado fraco como o Brasil, especialmente na esfera municipal e mais ainda no Nordeste, é ilusório imaginar que uma frágil lei municipal, defendida apenas por um punhado de bem-intencionados funcionários municipais, possa derrotar os interesses de dois poderosos grupos por tanto tempo: os proprietários da classe média-alta e alta e o setor imobiliário. [VILLAÇA F, 2001]

El conocimiento e identificación de la fase de desarrollo en que se encuentra cada sector de una ciudad es igualmente importante para los organismos de planeación de esa ciudad para saber en qué momento conviene adoptar una determinada política para estimular un proceso de rehabilitación, de renovación o de desarrollo de un sector. (..) Cuando la planeación urbana va en contra de las necesidades sociales y las leyes del mercado, genera un mayor caos urbano. La planeación debe ir delante de la demanda encauzando las necesidades. [BORRERO O, 2005]

“Brasília é talvez o exemplo máximo da falência do planejamento urbano no Brasil. Quando vejo que esse mesmo processo aconteceu em Belo Horizonte setenta anos antes, fico muito desapontado. Em Brasília, como em Belo Horizonte nas primeiras décadas do século XX, a parte planejada da cidade ficou sub ocupada, por décadas, enquanto a cidade crescia fora da parte planejada. Em ambas as cidades dentro de poucas décadas a população que vivia fora do plano já era bem maior que aquela dentro do plano. Então para que plano? (..) Não há planejamento imune à desigualdade social.” [VILLAÇA F, 2005].

La crisis del fordismo urbano se manifiesta, sobre todo, a través de dos ejes de cambio: por una parte, la tendencia hacia la flexibilización urbana por sobre el urbanismo modernista y regulador; y por otra, la caída en el financiamiento estatal de la materialidad urbana (vivienda, equipamientos e infraestructura) y de algunos servicios urbanos colectivos. En ambos casos, el mercado resurge como mecanismo principal de coordinación de la producción de la ciudad, ya sea a través de la privatización de las empresas públicas o por la hegemonía del capital privado en la producción de las materialidades residenciales y comerciales urbanas. Este predominio del mercado como mecanismo de coordinación de las decisiones de uso del suelo constituye un rasgo característico de la ciudad neoliberal, en contraste con el periodo del fordismo urbano, cuando el papel del mercado en la producción de las materialidades urbanas estaba fuertemente mediado por el Estado a través de la definición tanto de las reglas de uso del suelo como de las características de tales materialidades. La crisis del fordismo urbano implica, por tanto, el “retorno del mercado” como elemento determinante en la producción de la ciudad neoliberal. [ABRAMO P, 2012]

___

REFERÊNCIAS

HURD R M, Principles of City Land Values. New York, Record and Guide 1903

DICKINSON Robert E, City region and Regionalism: a geographical contribution to human ecology, Londres 1947

WINGO Lowdon, Transportation and Urban Land. Washington, D. C, Resources for the Future, 1961.

BENEVOLO Leonardo, Le Origini dell’Urbanistica Moderna, 1963

HALL, Peter (1988). Cities of Tomorrow [1988], edição atualizada Blackwell, Londres, 1996, p. 48

VILLAÇA, F. Espaço Intra-Urbano no Brasil, Capítulo 8: "Os bairros residenciais das camadas de alta renda", Nota 15. p 224. São Paulo 2001: Studio Nobel; FAPESP; Lincoln Institute

BORRERO Oscar, “Formación de los precios del suelo urbano”. Lincoln Institute of Land Policy, EAD, 2005.

ABRAMO Pedro, “La ciudad com-fusa: mercado y producción de la estructura urbana en las grandes metrópolis latino-americanas”, EURE vol 38 no 114 mayo 2012 pp. 35-69

2020-11-18