Notícia

Direto da Ciência

Celeiro de negócios (1 notícias)

Publicado em 06 de outubro de 2016

Por Yuri Vasconcelos

Nos seus 50 anos, além de construir uma história consistente nas atividades de pesquisa, ensino e extensão, a Unicamp se notabilizou também pelo incentivo a atividades empreendedoras. Essa característica pode ser constatada no grande número de negócios que surgiram a partir de seus laboratórios e salas de aula. Levantamento recente feito pela Inova, a agência de inovação da Unicamp, revela que a instituição já deu origem a 514 “empresas-filhas”, das quais 434 estão em atividade. Empresa-filha é a denominação dada a empreendimentos criados por alunos, ex-alunos e pessoas com vínculo empregatício com a universidade, assim como a negócios cuja atividade principal deriva de uma inovação licenciada pela universidade.

Juntas, as mais de 400 empresas ativas registraram em 2015 um faturamento superior a R$ 3 bilhões e geraram 22 mil empregos. A maior parcela dos empreendimentos (38% do total) atua na área de tecnologia da informação e cerca de um quarto (28%) presta serviços de consultoria em vários segmentos de mercado. Os negócios voltados para o setor de engenharia são 19% do total e os focados em educação, 10%. A Faculdade de Engenharia Elétrica e da Computação (Feec) e o Instituto de Computação (IC) são as unidades que mais produziram empreendedores – de lá vieram, respectivamente, 23% e 18% das empresas-filhas. Uma em cada 10 startups se originou na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM).

“Uma importante rede de negócios se formou ao redor da Unicamp”, afirma Milton Mori, diretor-executivo da Inova. Por estarem próximos à universidade, os empreendedores têm acesso não só a mão de obra qualificada como também a outros empreendedores que estão dispostos a unir esforços e fazer parcerias. “A Unicamp é o grande alicerce desse sucesso, pois foi aqui que eles se formaram.”

Segundo Mori, a Unicamp e os empreendedores cooperam entre si e procuram se ajudar. “Os donos de negócios nascidos na universidade dão mentorias e cursos gratuitamente a nossos estudantes, e a Unicamp, quando solicitada, fornece respaldo público às empresas-filhas”, conta. Ele destaca também a Unicamp Ventures, uma rede de relacionamento e colaboração entre empreendedores ligados à universidade. Criada em 2006, durante o 1º Encontro de Empreendedores da Unicamp, a rede objetiva integrar a comunidade de ex-alunos empreendedores e discutir temas relevantes para o fortalecimento da rede de empresas surgidas na Unicamp.

Atuação no exterior
Para mapear o universo das empresas-filhas, a Inova, com ajuda da Diretoria Acadêmica da Unicamp, enviou e-mail para os 62 mil ex-alunos cadastrados na base de dados da universidade – entre os 127 mil formados nos últimos 50 anos. “Recebemos resposta de cerca de 7 mil alunos, o que nos permitiu identificar a existência de 537 empreendedores, dos quais 434 com negócios ativos”, conta Mori. “Se extrapolarmos os resultados obtidos para o universo total de ex-alunos, temos 6 mil deles que se tornaram empreendedores.”

O levantamento da Inova mostra que um quarto das empresas-filhas possui algum tipo de inserção no mercado internacional, seja exportando produtos e serviços ou com escritório próprio no exterior. É o caso da CI&T, uma multinacional brasileira especialista em soluções digitais. Fundada pelos colegas Cesar Gon, Bruno Guiçardi e Fernando Matt, graduados em engenharia da computação, a empresa tem escritórios nos Estados Unidos, no Japão, no Reino Unido, na China e na Austrália, e atende grandes empresas, como Coca-Cola e Motorola, e nacionais, como Netshoes e Alelo. A CI&T foi uma das primeiras a explorar no país a linguagem Java e aplicações web em 1996, apenas um ano depois de ser fundada, e foi pioneira no Brasil na certificação CMMI (sigla de capability maturity model integration), o mais respeitado padrão de qualidade de software no mundo.

“A inovação faz parte do nosso DNA e tem impulsionado o contínuo crescimento da CI&T. Nosso mantra é ‘desenvolvemos pessoas antes de desenvolvermos softwares’”, afirma Cesar Gon. “Nossa visão é que essa é a verdadeira essência e a principal tese de diferenciação da CI&T no longo prazo.” Para o engenheiro, o mercado internacional sempre fez parte da estratégia de crescimento da empresa. Com cerca de 2 mil funcionários, a empresa obteve receita líquida de R$ 340 milhões em 2015, com cerca de 40% dos negócios relacionados à internacionalização. Escolhida parceira do ano para serviços em nuvem pelo Google e reconhecida pela revista Fortune como uma das 100 melhores empresas do mundo em outsourcing, a CI&T figura há 10 anos na lista de melhores companhias para trabalhar no país, segundo estudo da consultoria Great Place to Work em parceria com a revista Época.

Outro empreendimento internacional com origem na Unicamp foi a Movile, líder latino-americana em desenvolvimento de plataformas de comércio e conteúdo móvel. Criadora dos aplicativos PlayKids, plataforma que ajuda os pais na educação e no entretenimento dos filhos, iFood, de entrega de comida, e MapLink, de geolocalização, a Movile atua em mais de 100 países e tem unidades nos Estados Unidos, na Argentina, Colômbia, Venezuela, no México e Peru.

A empresa foi fundada em 2000 por dois ex-alunos da Unicamp: os cientistas da computação Fabricio Bloisi, atual diretor-executivo, e Fábio Póvoa, que se desligou da Movile em 2009. No começo, tudo era operado em uma sala da casa de Bloisi e seu primeiro serviço foi um sistema de bate-papo por celular. Com 1.400 funcionários, a companhia atende atualmente, por meio de seus aplicativos, 70 milhões de clientes e projeta elevar esse público para 1 bilhão de pessoas até 2020.

Fotônica e telecomunicações
O desenvolvimento de dispositivos fotônicos e microeletrônicos para sistemas de comunicações ópticas de alta velocidade, acima de 100 gigabites por segundo, é o objetivo da BrPhotonics, outra empresa-filha da Unicamp. “Criamos a companhia em 2014 como uma joint-venture entre o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), dona de 51% do negócio, e o grupo norte-americano GigPeak, proprietário de 49%”, explica o engenheiro elétrico Júlio César Rodrigues Fernandes de Oliveira, fundador e presidente da empresa. “Estudar na Unicamp permitiu conhecer o ecossistema de comunicações ópticas de existente em Campinas. Na Fundação CPqD, desenvolvi habilidades técnicas e empresariais. Essa combinação de fatores foi fundamental.”

Com clientes no Brasil, Irlanda, Coreia do Sul e Estados Unidos, os principais produtos da BrPhotonics são dispositivos fotônicos integrados, como receptores e moduladores ópticos, itens essenciais em redes de transmissão de dados. Este ano, a empresa participou do 2º European Photonics Venture Forum, realizado na Holanda, e foi considerada uma das seis melhores startups para investir. A fim de atingir o objetivo de ser uma das líderes globais em seu setor, a empresa dedica especial atenção à pesquisa e desenvolvimento (P&D). O plano de negócios da companhia sinaliza que o investimento na atividade será contínuo ao longo dos anos, em torno de 25% da receita bruta. “Nossa meta é disputar o mercado com produtos inovadores”, afirma Júlio Oliveira.

Lançar equipamentos pioneiros e inovadores também foi a ambição que levou à criação em 1988 da AsGa pelo engenheiro eletrônico José Ellis Ripper Filho, um dos pioneiros do Instituto de Física Gleb Wataghin (veja reportagem). A AsGa foi montada para fornecer ao mercado equipamentos para sistemas de telecomunicações com transmissão via fibra óptica. Com sede em Paulínia, perto de Campinas, a empresa foi pioneira no país na produção de multiplexadores, aparelhos que fazem a transmissão de vários sinais, como voz e dados, por uma única via. No início dos anos 2000, a AsGa chegou a dominar 70% desse mercado. “Quando a empresa foi criada, nossa tecnologia estava na fronteira mundial. Eu tinha participado de seu desenvolvimento, primeiro quando trabalhei na década de 1960 no Bell Labs, nos Estados Unidos, e, depois, na Unicamp, com um contrato de P&D financiado em grande parte pela recém-criada Telebras”, recorda-se Ripper.

Ao longo de sua trajetória, a AsGa recebeu apoio financeiro da FAPESP por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe). O sucesso fez com que ela passasse a ser cobiçada por grandes fabricantes globais de aparelhos para o mercado de infraestrutura de rede. Em 2015, a AsGa vendeu para a filial brasileira da japonesa Furukawa sua divisão de soluções de acesso óptico, elétrico, digital e via rádio para redes de telecom. Ela continua com o nome e com outras empresas que pertenciam ao grupo: a AsGa Sistemas, que desenvolve softwares, e a AG Placas Eletrônicas, criada para fabricar equipamentos para a própria AsGa e para terceiros.

Receitas de ponta

No setor de alimentação, a Alibra, criada pelos ex-alunos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) Humberto Salvador Afonso, Roberto Stefanini e João Bosco Dias Pinheiro, dedica-se à fabricação de ingredientes alimentícios  para indústrias de alimentos e bebidas de diversos segmentos, entre elas Nestlé, Vigor, Bunge, Mococa e Nissin Ajinomoto. O portfólio da companhia, que faturou cerca de R$ 150 milhões em 2015, é formado por mais de 600 ingredientes, usados na formulação de sorvetes, doces, sobremesas, suplementos, pães, biscoitos, laticínios, pizzas e molhos. Há também uma linha de alimentos prontos vendida em supermercados e atacadistas, como achocolatados, farinha láctea e cereais em pó, além de um conjunto de produtos destinados a restaurantes e cozinhas industriais, como alimentos semiprontos.

A Alibra foi a primeira indústria nacional a fabricar, em 2009, um alimento análogo ao queijo, com as mesmas características físicas e sensoriais do laticínio, mas cuja matéria-prima principal não é o leite. “Dominamos a técnica de fabricação do análogo a partir de proteínas lácteas funcionais, amidos especiais de milho ou mandioca e gorduras vegetais”, explica o diretor-presidente, Humberto Afonso. A Alibra também desenvolveu o primeiro óleo em pó do país, em 2014, uma alternativa para indústrias que buscam ingredientes ricos em ácidos graxos essenciais, e inovou ao elaborar uma linha de ingredientes para a fabricação de sorvetes fortificados, feitos com nanopartículas de ferro e vitamina C (ver reportagem).

No ano passado, a empresa adquiriu o controle da Genkor, companhia especializada na fabricação de microingredientes (corantes, estabilizadores, espessantes e emulsificantes). “A compra fez parte de um investimento de R$ 23 milhões iniciado em 2014 para diversificar a atuação da Alibra, que hoje vende seus produtos para mais de 20 países”, destaca o diretor-executivo da empresa, Roberto Stefanini. A exportação respondeu por 17% do faturamento em 2015.