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Catástrofe climática se torna cada vez menos previsível (226 notícias)

Publicado em 13 de setembro de 2023

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A tragédia no Rio Grande do Sul causada por um ciclone extratropical na semana passada estava “fora do radar” dos riscos climáticos históricos em várias regiões, afirmam especialistas do mercado de seguros ouvidos pelo Valor. 'O evento foi um alerta”, avalia a diretora de sustentabilidade e relações de consumo da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Ana Paula de Almeida Santos. “Áreas que não são consideradas de risco foram atingidas e isso mostra que o padrão dos efeitos e dos eventos climáticos está mudando”, diz.

De acordo com o diretor-executivo da Marsh, Ricardo Ciardella, “olhar o passado não é mais garantia de que vai conseguir evitar pagar essa conta no futuro”.

Conforme o especialista, “um exemplo foi o que aconteceu no Rio Grande do Sul recentemente e as enchentes no litoral norte de São Paulo, em fevereiro”.

O risco climático tem acendido o sinal de alerta para o mercado de seguros e resseguros. Levantamento feito pela Swiss Re para o Valor mostra que há elevação significativa de perdas registradas pela indústria na última década devido a eventos catastróficos relacionados ao clima. A pesquisa abrange um período que começa em 1970, com valores ajustados pela inflação.

Os dados indicam um quadro no qual há uma elevação de indenizações pagas pela indústria de seguros e resseguros a partir, principalmente, dos anos 2000. Os dez anos com maior volume de perdas financeiras relacionadas ao clima, desde 1970, concentram-se a partir de 2004. O pior período da indústria ocorreu em 2017, quando três furacões, Harvey, Irma e Maria, causaram perdas de mais de US$ 250 bilhões. Mas a lista de catástrofes daquele ano inclui enchentes, incêndios e outros eventos.

Em segundo lugar, aparece 2005, marcado pelos furacões Katrina e Stan. Mas chama a atenção o fato de que os últimos três anos, 2020, 2021 e 2022, surgirem entre os cinco períodos mais severos, com prejuízos de US$ 95,682 bilhões, US$ 116,58 bilhões e US$ 121,749 bilhões, respectivamente, segundo a Swiss Re.

Os anos recentes, porém, mostram mudança de padrão, com eventos mais disseminados geograficamente e perdas menos concentradas em um grande evento catastrófico. E 2023 também tem seguido o roteiro. “As perdas deste ano já estão 46% acima da média dos últimos dez [anos]”, diz o CEO da Swiss Re no Brasil, Fred Knapp. “Os dados mostram aumento tanto da frequência, como da severidade dos eventos relacionados ao clima.”

Conforme o ressegurador global, no primeiro semestre de 2023 tempestades mais severas contabilizam 70% das perdas econômicas no mundo relacionadas às catástrofes naturais.

No total, as perdas relacionadas a eventos da natureza já somaram US$ 50 bilhões nos seis primeiros meses do ano, no segundo pior período de janeiro a junho para a indústria desde 2011. O executivo acrescenta haver um terceiro componente no aumento dos riscos relacionados ao clima. “Na última década, houve aumento de construções em áreas mais expostas a tempestades, enchentes e outros efeitos do tempo, no Brasil e no mundo, com aumento da exposição efetiva aos riscos naturais”, aponta.

Knapp também aponta as enchentes do Sul como reflexo de uma tendência de mudança dos riscos relacionados ao clima. “No Rio Grande do Sul, houve a combinação de áreas mais expostas e aumento da frequência [de eventos climáticos]”, pontua. “A gente está no quinto ‘ciclone bomba' do ano, um número muito além do que precificaríamos em qualquer ano dado”, acrescenta.

O ciclone extratropical que causou dezenas de mortes na região Sul na semana passada é o quinto evento do gênero em menos de três meses. Antes da tragédia recente, já havia ocorrido fenômenos do gênero nos últimos dois meses.

Em julho, uma catástrofe semelhante também registrou alto número de fatalidades. “Há uma frequência mais elevada, maior severidade e novas áreas estão sendo atingidas”, resume o diretor técnico e de estudos da CNseg, Alexandre Leal. “O setor vai ter de repensar os modelos matemáticos de dimensionamento de riscos”, avalia.

O CEO da Guy Carpenter no Brasil, Pedro Farmer, explica que em uma análise de perdas em períodos de cinco anos, desde a virada do século XXI, as perdas entre 1999 e 2004 se concentram em quatro eventos, em um total de US$ 180 bilhões.

No intervalo seguinte, as indenizações saltam para US$ 600 bilhões, distribuídas por 13 catástrofes. “Vemos aumento dos chamados efeitos secundários ligados ao clima, como inundações, aumento do nível do mar e outros”, afirma o executivo-chefe da corretora global de resseguros. “Essa tendência tem uma relação grande com a mudança climática no mundo”, acrescenta. Para Farmer, “2021, 22 e 23 não foram anos com eventos fora do comum, mas a frequência dos eventos e aumento dos efeitos secundários preocupa muito”.

O executivo pondera ainda que o mercado tem de lidar com riscos emergentes devido ao aquecimento global. “Se antes a indústria se preocupava apenas com a temporada de furacões no Caribe, agora temos de monitorar temporadas de incêndios em várias partes do mundo”, diz. Nem mesmo o Brasil tem escapado desse risco.

Em 2020, grandes incêndios queimaram 30% da área do Pantanal. Estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indica que a crise “foi ocasionada por um evento de seca extrema, que tende a ser cada vez mais frequente não só na região, mas em outras partes do Brasil”. O sócio e especialista em seguros do escritório Machado Meyer, Cássio Gama Amaral, lembra que o mercado já havia acendido o sinal amarelo com as piores secas em décadas registradas nos últimos anos.

Na metade de 2021, cinco Estados - São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná - registraram a pior seca em 91 anos. Diante das condições do tempo, algumas cidades do Nordeste de São Paulo viveram, no fim de setembro de 2021, um episódio que muita gente só tinha visto em filmes: uma tempestade de poeira.

No início de 2022, foi a vez de o Rio Grande do Sul enfrentar a maior estiagem em 70 anos. O evento disparou indenizações estimadas em cerca de R$ 5 bilhões desembolsadas pelo setor de seguros e resseguros no país.

Amaral, do escritório Machado Meyer, aponta ainda que o país enfrenta outro agravante na questão das crises ligadas ao clima. “No Brasil, a penetração dos seguros é muito baixa. Quando chove, muitas residências e veículos não têm seguros. Isso piora o impacto, porque as vítimas, muitas vezes, perdem tudo numa inundação ou alagamento.”

Santos, da CNseg, pondera haver um índice muito baixo de proteção às residências no Brasil. “Apenas 17% das moradias no país são seguradas. Outro dado assustador é que 93% dos municipios brasileiros foram afetados por algum evento climático extremo nos últimos dez anos, segundo a Confederação Nacional dos Municípios. Quando cruzamos essas estatísticas a conclusão é que as perdas têm sido enormes para a população.”

Conforme Farmer, da Guy Carpenter, “o maior desafio atual é que os eventos e efeitos secundários não estão adequadamente modelados”.

Segundo o especialista, as companhias globais desenvolveram sistemas preditivos muito eficientes de impactos e estimativas de risco para situações como furacões. “Mas não há modelos similares de mesma precisão para incêndios, alagamentos e até mesmo tufões em certas regiões da Ásia”, diz. “O ponto disso é que, embora o mercado se mantenha sempre bem reservado em termos de estimativas de perdas de catástrofes conhecidas, pode se surpreender com eventos de dezenas de bilhões de dólares em áreas não modeladas”, complementa.

Ciardella, da Marsh, reforça ser possível detectar um aumento da severidade e frequência de eventos ligados à natureza a partir dos anos 2000. “A quantidade e severidade de danos causados pela natureza ultrapassam os causados pelo homem em 2011”, explica. “De lá para cá, as perdas por catástrofes naturais ampliaram ainda mais a distância dos danos causados pela ação humana”, avalia.

Os eventos da natureza devem se intensificar nos próximos anos.” Segundo o executivo da Marsh, “a tendência é de alta [continuada] de preços de seguros principalmente para atividades que são descoladas da economia de baixo carbono”.

Conforme o especialista, “seguradores e resseguradores [globais] estão fazendo um movimento de sair desses setores poluidores, como perfuração de óleo e gás ou térmicas a carvão”.

O diretor da Marsh aponta ainda a necessidade de se aprimorar e disseminar mais produtos que podem ajudar a reduzir o impacto de eventos ligados ao clima.

Ciardella cita o seguro paramétrico, um produto que considera índices e parâmetros climáticos específicos, que podem variar de região para região, na precificação de apólices ao agronegócio. “Acho que há oportunidade de desenvolvimento de produtos específicos [ao risco climático], principalmente, o paramétrico. A penetração do paramétrico é baixíssima, na América Latina inteira, não deve ter 50 apólices.”

Leal, da CNseg, afirma que o setor tem discutido com o governo a possibilidade de se implementar um seguro para catástrofes nos moldes de uma parceria público-privada. “A gente tem discutido a ideia de seguro catástrofe. Todo esse movimento não é o setor privado ou o público sozinho que vai dar conta. É uma junção de forças. A grande ajuda que o governo pode dar é entender as dores do próprio segurado.” Na visão de Ciardelli, “hoje a gente passa pelo ponto de inflexão”.

Segundo o diretor da Marsh, “a inexistência de modelos para regiões que eram consideradas não catastróficas, como o Brasil, dificulta a questão da subscrição [de risco]”. O especialista cita haver países nos quais a aquisição de um “pool” de resseguros para reduzir o impacto de catástrofes já faz parte de políticas públicas. “Até então se dizia que o Brasil não é catastrófico. Mas na parte não modelada temos a necessidade de parcerias público-privadas para fomento dos ativos não segurados. O governo do Chile, por exemplo, compra resseguro para ativos expostos a terremotos; o mexicano, para catástrofes da natureza; na Califórnia há aquisição de ‘pool' de resseguro para incêndios.”