Tendo em vista o crescimento e, inclusive a descrição de morte atribuída à febre do Oropouche no Brasil, resolvi reproduzir integralmente, e isto é permitido pela FAPESP, o artigo publicado pelo “Agência FAPESP” sobre o tema.
Pessoalmente, não tive qualquer contato ou informação a respeito desta doença nos muitos anos em que exerci cargo de Secretário de Saúde no Estado de São Paulo e em Campinas.
Como já escrevi em outros artigos, tenho grande preocupação com as doenças vetoriais particularmente com as arboviroses onde a febre do Oropouche está classificada.
Assim, creio que a informação é relevante, atual e necessária para conhecimento da população.
“ Julia Moióli – Agência FAPESP – A epidemia atual de oropouche é causada por uma nova variante do arbovírus OROV capaz de se replicar até cem vezes mais do que a original e de evadir parte da resposta imune. As conclusões são de um estudo divulgado em versão pre-print (artigo ainda sem revisão por pares) no repositório medRxiv. A febre do oropouche faz parte do rol de doenças negligenciadas, como a malária e outras arboviroses (dengue, por exemplo). É transmitida por moscas hematófagas da espécie Culicoides paraenses e causa dor de cabeça, artralgia, mialgia, náusea, vômito, calafrios e fotofobia – mas também pode levar a complicações mais graves, como hemorragia, meningite e meningoencefalite.
Apesar de documentada na América do Sul desde a década de 1950, a doença apresentou um aumento substancial de casos entre novembro de 2023 e junho de 2024 no Brasil, Bolívia, Colômbia e Peru. Em território nacional, foram detectadas infecções autóctones em áreas anteriormente não endêmicas nas cinco regiões, com casos relatados em 21 unidades federativas e aumento de quase 200 vezes na incidência em comparação com a última década.
Para investigar os fatores virológicos por trás desse ressurgimento, pesquisadores das Universidades Estadual de Campinas (Unicamp), de São Paulo (USP), do Kentucky, do Texas (Estados Unidos) e da Federal de Manaus (Ufam), além do Imperial College of London (Reino Unido) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), combinaram dados genômicos, moleculares e sorológicos de OROV do período entre 1º de janeiro de 2015 e 29 de junho de 2024, além de caracterização in vitro e in vivo, em um estudo financiado pela FAPESP em conjunto Brasil e Reino-Unido para descoberta e diagnostico genômico e epidemiologia de arbovírus na resposta humoral em arboviroses emergentes com manifestações agudas ou crônicas com riscos zoonóticos em regiões de degradação ambiental do bioma Amazônia.
O primeiro passo foi testar por PCR um grupo de 93 pacientes do Amazonas com doença febril não identificada e negativos para Malária, entre dezembro de 2023 e maio de 2024. O resultado foi positivo para OROV em 10,8% dos casos e, posteriormente, foi isolado o soro de sete pacientes em culturas de células. Em seguida, esses isolados foram usados para avaliar a capacidade replicativa em diferentes células – de primatas e humanos – sempre em comparação com um isolado antigo de OROV.
Por fim, foi avaliada a capacidade de ambos os vírus serem neutralizados por anticorpos presentes no soro de camundongos previamente infectados com o OROV e de humanos convalescentes para linhagens anteriores, infectados até 2016. Para isso, foi feito um teste de neutralização por redução de placas (PRNT50), que mede a redução do número de partículas virais viáveis formadas após a incubação com diferentes diluições do soro dos pacientes ou de camundongos.
‘Percebemos que o novo OROV apresenta replicação aproximadamente cem vezes maior em comparação com o protótipo', explica o pesquisador Gabriel Caetano Scachetti, do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve) da Unicamp e um dos autores do estudo. ‘Além disso, produziu 1,7 vez mais placas, de tamanhos 2,5 vezes maiores, um indício de maior virulência.'
‘Também infectamos camundongos com as duas cepas e vimos que o vírus antigo não protege contra o novo – a redução na capacidade de neutralização foi de pelo menos 32 vezes', completa a pesquisadora Julia Forato, também autora. ‘Além de traçar um panorama da epidemia de oropouche, o trabalho apresenta possíveis explicações para o aumento no número de casos, servindo de base para ações de controle epidemiológico', afirma o pesquisador Jose Luiz Proença Modena, professor do Instituto de Biologia da Unicamp (IB-Unicamp), líder do Leve e um dos coordenadores do estudo.
‘Se o novo vírus escapa da proteção em áreas com alta soroprevalência, há maior probabilidade de infecções e transmissão, inclusive com disseminação para outras regiões do Brasil, portanto precisamos confirmar e monitorar casos positivos e lançar mão de ferramentas para diminuir o risco de transmissão.'
‘Essa epidemia está longe de acabar e tem potencial de causar estragos em áreas onde não havia qualquer circulação do vírus', alerta o pesquisador. As professoras Ester Sabino e Camila Malta Romano, ambas da Faculdade de Medicina da USP, participaram do estudo. William Marciel de Souza e Pritesh Jaychand Lalwani (Ufam e Fiocruz Manaus) também são coautores.
O artigo Reemergence of Oropouche virus between 2023 and 2024 in Brazil pode ser lido em: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2024.07.27.24310296v1 “
Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan. Atual Diretor Científico da Associação Brasileira de hematologia e Hemoterapia (ABHH) da Associação Médica Brasileira (AMB).