Um dos casos mais revoltantes que aconteceram em solo gaúcho neste ano colocou em xeque a credibilidade, o aparelhamento e os métodos ultilizados pela polícia gaúcha, sobretudo a Brigada Militar. É que Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, foi visto vivo pela última vez entre a noite de 12 de agosto e a madrugada do dia 13, no município de São Gabriel, após ser abordado e colocado no porta-malas de uma viatura da Brigada Militar (BM). No dia 19 do mesmo mês, o corpo do jovem foi encontrado em um açude. Os três policiais que fizeram a abordagem e são suspeitos pela morte de Gabriel (Arleu Júnior Cardoso Jacobsen, Cleber Renato Ramos de Lima e Raul Veras Pedroso) foram indiciados por homicídio triplamente qualificado por motivo fútil, com emprego de tortura e sem possibilidade de defesa para a vítima.Porém, os policiais não possuíam câmeras nos uniformes, e ainda não está esclarecido em que momento o jovem foi jogado no açude. Os três estão recolhidos no presídio militar em Porto Alegre.
Utilizada em ao menos três Estados brasileiros, as câmeras de segurança no uniforme policial se tornaram um ponto central no debate sobre a redução da letalidade policial e da proteção dos agentes de segurança pública, bem como podem reduzir críticas da população à categoria. Em Santa Catarina, São Paulo e Rondônia, as câmeras são rotina.
PIONEIRISMO EM SP Como política estadual, São Paulo leva o pioneirismo. A tecnologia que tem sido aprovada pela queda nos índices de letalidade é um dos investimentos de uma gestão com outras ações voltadas para a melhoria da segurança pública. O secretário-executivo da Polícia Militar na Secretaria de Segurança Pública de SP, coronel Álvaro Camilo, atribui os resultados a um trabalho que leva em conta a combinação entre o respeito aos direitos humanos, o investimento em tecnologia, a formação e o acesso à informação – esta última construída junto com as comunidades.
– As câmeras são a ponta do processo. Começamos com muito estudo e em fase de testes em 2015, com utilização de 110 câmeras em uma área periférica. Em 2019, já conseguimos uma parceria com a iniciativa privada e compramos 500. D epois, teve a contratação de outras 5 mil câmeras. Atualmente, são 10,1 mil e, para 2023, queremos outras 10 mil. Com isso, conseguimos completar um turno de serviço em todo o Estado. São 109 mil policiais, sendo 94 mil policiais militares. Por turno, temos 20 mil, o que é o suficiente. – explica o o secretário.
Embora a implantação enquanto política de Estado tenha sido em 2019, os anos anteriores contaram com diversas pesquisas das escolas de polícia de SP (seis militares e uma civil), que, por meio de dissertações e teses, tinham as câmeras como objetos de estudo. Visitas às polícias de Nova Iorque e Londres foram realizadas, e estudos seguem em desenvolvimento com a colaboração da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Universidade de São Paulo (USP), além do financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
As ações associadas ao equipamento a que Camilo se refere dizem respeito a procedimentos operacionais padrão, tecnologia e comissões. O resultado é a redução da letalidade (veja abaixo), bem como o comportamento do civil e dos policiais, que, sabendo que estão sendo filmados, evitam confrontos e, por consequência, as mortes. O uso de armas de choque, por exemplo, no último ano, evitaram cerca de as mortesOutro aspecto priorizado é a manutenção da saúde mental dos profissionais:
– Trabalhamos muito forte no acompanhamento da saúde mental, fornecido pelo Estado. O policial que não está bem tiramos da rua, pois pode fazer bobagem. Todos têm acesso ao tratamento da saúde e, se perceberem, podem indicar um companheiro de trabalho ou de batalhão. E aqui a gente é contra a morte. O bandido não tem que ser morto, ele tem que ser preso. Embora algumas mortes sejam legais, do ponto de vista da legítima defesa, ainda assim, podem ser evitáveis.
POLÍTICA SEM VOLTA Conforme a SSP de São Paulo, o uso de câmeras é uma política positiva, irreversível, que ganha aceitação e com impcto social importante. Deve ser considerada por gestores públicos.
– É uma política sem volta. Um sistema seguro que pode ser acessado por juízes, promotores e advogados em um processo. E temos termos de cooperação com o Judiciário. A gente acredita que, no futuro, vai acontecer com câmeras o que, hoje, acontece com os coletes: o policial não quer sair sem. Mas, para isso, tem de priorizar a segurança, investimento com dinheiro mesmo, trabalhar no fornecimento de equipamento, capacitação, foco na prevenção e nas pessoas e projetos com polícia comunitária. Onde não há segurança, é difícil desenvolver qualquer política de educação e saúde – finaliza o secretário-executivo da PM na SSPde SP.
Panorama gaúcho ainda engatinha em ações de saúde e aparelhamento
Conforme a assessoria de Comunicação da SSP do Rio Grande do Sul, em 2021, a pasta realizou um chamamento público para cedência de equipamentos para realização de testes. A BM começou a elaborar um termo de referência, a partir destes testes, que possibilitarão a aquisição desta tecnologia inédita no RS. Inicialmente serão adquiridas cerca de mil câmeras (900 para a BM e 100 para a Polícia Civil). Este termo de referência, no entanto, é multiagência, ou seja, qualquer órgão de Segurança Pública estadual poderá usar o mesmo modelo técnico para novas aquisições. A expectativa da instituição é que o edital seja lançado na sequência, e esses equipamentos já sejam inseridos no trabalho policial até o final deste ano. Inicialmente, a tecnologia será utilizada na Capital e Região Metropolitana. Os dispositivos gravam durante 12 horas ininterruptas, e as imagens são transmitidas para um servidor, que armazena as gravações, direcionadas somente ao comando-Geral da Brigada Militar. As imagens não poderão ser copiadas diretamente da câmera.
– É importante esclarecer que este equipamento não vem para controlar a ação policial, vem para garantir ao policial que ele tenha resguardada sua atuação. A gente sabe que, em boa parte das ocorrências que atendemos, as pessoas fazem o enfrentamento, resistem, então essa filmagem vem salvaguardar com prioridade as ações policiais – comentou o comandante interino do 1º Regimento de Polícia Montada (RPMon), major Rogério Glanzel Alves.
SAÚDE MENTAL Atualmente, a Brigada Militar possui 17.462 policiais na ativa, somando os servidores das áreas administrativas. O efetivo da Polícia Civil é de 5.564 servidores, entre agentes, delegados e servidores da área administrativa. Em 2022, a BM abriu um edital com 4 mil vagas previstas. O concurso foi homologado com 2.340 candidatos aptos a avançar para as próximas etapas do certame. A Polícia Civil está com um concurso em andamento, ainda ativo. No caso das 1.250 vagas para delegados, inspetores e escrivães, no entanto, o Estado já autorizou a convocação de 260 aprovados em concurso (130 escrivães e 130 inspetores) para ingresso no curso de formação.
Para atendimento em saúde de servidores, a BM conta com a seção biopsicossocial com 11cidades de atendimento, entre elas, Santa Maria.As modalidades incluem psicoterapia (individual), avaliação psicológica, atendimento psiquiátrico (em Porto Alegre e Santa Maria), grupos operativos e palestras. O Hospital da Brigada Militar, em Porto Alegre, possui alas dedicadas aos serviços de psicologia e psiquiatria.
A BM também oferece o Programa Anjos, com curso de capacitação em saúde mental, que junto à tropa, os quais atuam como voluntários em uma rede de apoio à corporação. São mais de 300 representantes do programa em mais de 50 cidades gaúchas. Na Divisão de Saúde da Polícia Civil, há o serviço psicossocial, composto por 11 psicólogos e quatro assistentes sociais. A sede do atendimento é em Porto Alegre, mas o serviço é prestado online para todo o Estado.