O setor mundial de transportes é quase exclusivamente dependente do uso de combustíveis fósseis derivados do petróleo (gasolina e óleo diesel) com pequenas contribuições de gás natural e eletricidade. Ele é responsável por 22% do consumo total de energia e responde também por quase 30% das emissões mundiais de CO2, principal fonte dos gases responsáveis pelo aquecimento global.
Não é de admirar, portanto, que se procure substituir os combustíveis fósseis poluentes por fontes de energia renovável não poluentes e que muitos esforços venham sendo feitos neste sentido.
O mais importante deles é o uso de biocombustíveis (etanol como substituto da gasolina e biodiesel como substituto do óleo diesel), que são combustíveis renováveis.
Etanol é produzido em grande escala no Brasil e nos Estados Unidos, os maiores produtores mundiais. Em 2017 pouco mais de 100 bilhões de litros de etanol foram usados no mundo para substituir gasolina, principalmente nestes dois países. Isto corresponde a 1 milhão de barris de petróleo por dia, dos quais 25% no Brasil.
O etanol é renovável porque é produzido de derivados vegetais da cana de açúcar e de milho que crescem todos os anos, são colhidos, processados, usados nos automóveis e têm nova safra no ano seguinte. Um pouco de energia de origem fóssil é usado neste processo, mas em proporção muito pequena, particularmente no Brasil.
No mundo todo, o uso de etanol representa cerca de 4% do consumo total de gasolina. Esta percentagem é pequena, mas poderia crescer!
No Brasil usam-se 5 milhões de hectares para produzir etanol, menos de 10 por cento da área usada na agricultura; nos EUA, são cerca de 10 milhões de hectares.
Cada hectare no Brasil produz cerca de 6 mil litros de etanol, o suficiente para abastecer cerca de 10 automóveis durante um ano. Como é um combustível renovável, ele contribui muito pouco para as emissões de CO2 e, sendo puro e destilado, não tem os poluentes que acompanham a gasolina que vem do petróleo (particulados e óxidos de enxofre nitroso) responsáveis pela neblina e poluição local nas grandes cidades.
Medições realizadas pela Cetesb demonstram cientificamente que na região metropolitana de São Paulo a poluição local diminuiu proporcionalmente à quantidade de etanol misturado na gasolina, o que explica por que a qualidade do ar melhorou na cidade nos últimos anos.
Adicionar etanol na gasolina é, portanto, o que se deveria fazer para reduzir a poluição das grandes cidades da China, da Índia e da Europa (principalmente Paris).
A solução que está sendo adotada não é essa, mas sim o uso de automóveis elétricos, estimulado por diversos "lobbies" e uma extensa cobertura jornalística, que em geral é equivocada.
Automóveis elétricos são movidos com a eletricidade armazenada em baterias. Sucede que as baterias têm que ser carregadas e a eletricidade que se usa na Europa, Estados Unidos e China é produzida com combustíveis fósseis. Seu uso reduziria a emissão de poluentes se a eletricidade necessária para as carregar se originasse de fontes renováveis de energia como energia eólica e solar.
O entusiasmo com que alguns grupos de ambientalistas apoiam carros elétricos se origina na visão de que a adoção de automóveis elétricos vai forçar a maior utilização de energias renováveis. Basta fazer umas contas para ver que isto vai ser difícil de fazer e vai acabar estimulando a expansão do uso de reatores nucleares. A quantidade de eletricidade gerada por estas fontes ainda é pequena. Ela está crescendo rapidamente, mas a partir de uma base muito baixa.
Só países com eletricidade abundante e barata gerada com energia hidrelétrica, como a Noruega, poderiam abraçar a opção dos carros elétricos, que é o que está ocorrendo.
É possível que se descubra no futuro como fazer baterias melhores que as atuais, que só armazenam 20 ou 30 vezes menos energia do que gasolina ou etanol. Para substituir o tanque de gasolina de um carro de passeio de 60 litros é necessário usar centenas de quilos de baterias. Enquanto isto o uso de etanol é uma solução já comprovada e que poderia ser expandida rapidamente.
Uma solução intermediária entre carros elétricos e outros usando etanol seria o uso de híbridos em que um pequeno motor de combustão interna (como o dos nossos automóveis) usando etanol carrega as baterias que impulsionam o veículo.
A produção de etanol (principalmente no Brasil e nos Estados Unidos) cresceu rapidamente até 2010 e depois se estabilizou devido a pressões da indústria do petróleo com o qual compete diretamente. A elas soma-se a visão de alguns grupos de ambientalistas que erroneamente acreditam que a produção de etanol provoca uma competição entre produção de combustíveis e alimentos ou que ela poderia gerar novos problemas ambientais e sociais. Estas visões são equivocadas como mostra um trabalho realizado por cerca de 200 cientistas do Brasil e do exterior com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da Unesco.
Parece claro que a expansão da produção de etanol, tanto no Brasil como em outros países produtores de cana de açúcar, deveria ser estimulada, e há dois caminhos para isso:
* Melhorar a eficiência da produção de etanol através do uso de técnicas agrícolas avançadas e aprimoramento genético.
* Instrumentos fiscais e regulatórios que lhes permitam competir em igualdade de condições com derivados de petróleo.
*José Goldemberg é Presidente do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP
Artigo originalmente publicado no site Intelog, em 31 de julho de 2018