Notícia

A Tribuna (ES)

Carrapato é arma contra o câncer

Publicado em 09 julho 2013

Uma proteína da saliva do carrapato-estrela, parasita comum nas áreas rurais do Brasil, conseguiu reduzir tumores de pâncreas em células humanas cultivadas em laboratório.

O experimento, comandado por pesquisadores do Instituto Butantan, de São Paulo, foi bem-sucedido também contra tumores malignos da pele. Para os cânceres de rins e de mama, a substância já teve êxito em testes feitos com camundongos.

O desenvolvimento do medicamento tem que passar ainda por mais testes em animais até ganhar licença para ser experimentado em humanos, na fase chamada de teste clínico.

Mesmo assim, entre os pesquisadores envolvidos, do Laboratório de Bioquímica e Biofísica do instituto, foi criada grande expectativa para a descoberta de um tratamento do câncer de pâncreas com remédios, algo só possível até agora por meio de cirurgia.

TUmores no órgão são os mais letais em humanos, matam em praticamente 100% dos casos em que o bisturi não tem como ser usado.

“A saliva do carrapato possui propriedades tóxicas para células tumorais, sem oferecer risco para as células saudáveis”, declarou a coordenadora do estudo, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi.

“Resolvemos testar a proteína tanto em cultura de células normais quanto em cultura de células tumorais. E a surpresa foi muito grande, porque a proteína, visualmente, não fez nada nas normais mas matou as tumorais”

Segundo a pesquisadora, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou novos testes em animais, seguindo padrões internacionais que serão feitos em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo.

Se tudo der certo, explica Ana Marisa, a Anvisa terá o resultado dos testes em até oito meses para analisar se a pesquisa poderá avançar à etapa de experimentos em humanos.

Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de pâncreas representa 2% de todos os tipos, sendo responsável por mais de nove mil novos casos por ano. Dos pacientes doentes, 75% morrem ainda no primeiro ano de tratamento. Cinco ano após a detecção do tumor, a taxa de mortalidade sobe para 94%.

Busca por anticoagulante

De acordo com a pesquisa, animais que passaram por um tratamento de 180 dias no laboratório não tiveram recidiva, termo médico para dizer que o tumor não voltou a crescer.

Tumores que se espalharam para o pulmão, num processo conhecido como metástase, também regrediram com a proteína, e os testes mais bem-sucedidos foram no combate ao câncer de pele. Os cientistas do Butantan vasculharam o genoma do Amblyoma cajennense, mesmo carrapato capaz de transmitir a febre maculosa

O estudo, que começou em 2003, foi patrocinado inicialmente pela Fundação de Amparo e Pesquisa de São Paulo (Fapesp) e atualmente também é financiado pela União Química Indústria Farmacêutica, codetentora da patente do remédio.

E o câncer nem era o alvo inicial. A pesquisa começou com a busca de uma propriedade anticoagulante na saliva do carrapato.

A patente licenciada pela União Química já foi registrada no Instituto de Propriedade Industrial (INPI), devido ao grande potencial terapêutico da molécula. A pesquisa também está protegida pelo Patent Cooperation Teaty (PCT), e a expectativa é de que o medicamento seja totalmente produzido no Brasil, onde ainda não tem patente

“Sobre as patentes, já conseguimos registrá-las em outros países, mas aqui no Brasil o processo é burocrático e lento”, diz Ronaldo Valentini, diretor da farmacêutica brasileira que financia parte do projeto.

As próximas fases de testes do medicamento biotecnológico, produzido a partir do carrapato-estrela, serão financiados pelo BNDES, que dispôs de R$ 15,2 milhões por meio de seu Fundo Tecnológico (Funtec). Serão testados vários lotes da proteína.

RIO