“Compartir” foi a expressão recorrente no discurso do professor Carlos Rodrigues Brandão em agradecimento ao título de professor emérito da Unicamp, que recebeu em cerimônia na sala do Conselho Universitário, na manhã do último dia 26. Brandão é reconhecido tanto por sua trajetória como educador, antropólogo, ambientalista e poeta, como por sua generosidade e solidariedade. A indicação para a honraria foi feita pelo Departamento de Antropologia e homologada pela Congregação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
“A homenagem me surpreendeu e me alegra muito, mas acho que ela só tem valor se for pensada no plural”, disse Carlos Brandão enquanto aguardava o início da cerimônia, antecipando o tom do seu discurso. “Nesses tempos de individualismo, temos que puxar muitas coisas para o coletivo. Sinto que a homenagem, na verdade, é pluralizada, deve ser estendida a todas as pessoas com as quais eu convivi ao longo desses anos – e foram muitos. Desde funcionários dos velhos tempos até meus alunos que agora são professores e estão até se aposentando.”
O professor emérito lembrou colegas como Rubem Alves, também emérito da Unicamp, falecido recentemente, e Roberto Cardoso de Oliveira, com quem criou o Programa de Doutorado em Ciências Sociais (cujos 30 anos seriam comemorados em outro evento, à tarde). “Quando penso no que fiz e em companheiros como Peter Fry e nos jovens professores que foram meus alunos, vejo que todos cumpriram seu papel, cada um à sua maneira: nós nos esmeramos em trabalhar com alunos do ciclo básico até o doutorado, fizemos pesquisas, nos doutoramos, publicamos trabalhos. São trajetórias comuns, não no sentido do banal, mas do realmente plural. Quando uma homenagem como esta recai sobre mim, poderia recair sobre qualquer um de nós.”
Escolhida madrinha do homenageado, Emilia Pietrafesa de Godoi, docente do Departamento de Antropologia, revelou a expectativa de Carlos Brandão diante da notícia do título de Professor Emérito. “Ele quis que a homenagem, mais que uma solenidade acadêmica, fosse um momento de reencontros, de celebração da alegria de estarmos de novo juntos, comemorando o que juntos foi feito, enquanto companheiros de docência e pesquisa. Esta generosidade que insiste em ver sempre o ‘nós’ e o ‘entre nós’ para conferir sentido e significado ao que foi feito, é eloquente de como ele percebe e vive a vida e como percebe e vive a sua relação com a Universidade – que nas palavras do professor, é um lugar onde mutuamente nos ensinamos e aprendemos.”
O professor Alvaro Penteado Crósta, coordenador geral da Unicamp, que conduziu a cerimônia representando o reitor José Tadeu Jorge, observou que o título de professor emérito, do ponto de vista institucional, é o reconhecimento mais amplo da comunidade pela história de vida e trajetória docente na Universidade. “O foco da homenagem é o trabalho acadêmico, mas contempla também a contribuição social do professor Brandão, que se dedicou e continua se dedicando a ações de profundo impacto nas áreas de cultura, educação popular e ambiental. Outra ênfase é do intelectual preocupado com a realidade brasileira, ou como ele se define, de uma pessoa pluridisciplinar.”
Ao final de seu discurso, Carlos Rodrigues Brandão cometeu a “ousadia de um poema”.
A TRAJETÓRIA
Carlos Rodrigues Brandão atua principalmente na área de antropologia rural, com pesquisas e escritos voltados para cultura e educação popular, para o campo religioso e, mais recentemente, também para questões ambientais. Seus espaços etnográficos são sempre os espaços de vida e trabalho de populações rurais e tradicionais, que vão desde o interior do Estado de São Paulo, passando por Minas Gerais e alcançando Goiás. Hoje coordena dois projetos de pesquisa sobre cultura popular e patrimônio cultural nos sertões do norte de Minas e no alto médio São Francisco.
Em 1998 recebeu o título de Comendador do Mérito Científico pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e de Professor Benemérito do Centro de Memória da Unicamp (CMU). Em 2006 foi agraciado com a medalha Roquette Pinto da Associação Brasileira de Antropologia. Em 2008 e 2010, com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Uberlândia e pela Universidade Federal de Goiás.
No entanto, foi na Unicamp que Carlos Brandão desenvolveu a maior parte de sua vida acadêmica, até a aposentadoria em 1997. Desde então, continua atuando nesta Universidade como professor colaborador, assumindo orientações tanto no Programa de Antropologia como no Doutorado em Ciências Sociais. Na década de 1980, participou da criação do Centro de Educação e Sociedade (Cedes) e do Centro Interno de Estudos Rurais (Ceres). Foi também vinculado ao Núcleo de Pesquisas Ambientais (Nepam).
Como docente do Departamento de Antropologia, ministrou disciplinas na graduação e na pós-graduação abrangendo campos que vão da religião e simbolismo à cultura popular e teoria antropológica. Na pós-graduação, foi um dos idealizadores e responsáveis pela criação da área de agricultura e questão agrária do Doutorado de Ciências Sociais.
Dois grandes projetos coletivos foram desenvolvidos por ele no âmbito do Departamento de Antropologia e que envolveram estudantes de pós-graduação: um apoiado pelo CNPq, “O sentimento do mundo”, sobre o cerrado e o sertão mineiros; e outro apoiado pela Fapesp, “Homem, saber e natureza”, desenvolvido em contextos rurais de São Paulo (Serra do Mar e Mantiqueira) e do sul de Minas. Destes projetos resultaram livros seminais. Ainda desenvolveu pesquisas em aldeias da Galícia nos anos 1990, quando esteve vinculado como professor visitante à Universidade de Santiago de Compostela – experiência que rendeu três livros, um publicado na Galícia e dois no Brasil.