O câncer ainda é uma doença responsável pelo óbito de muitas pessoas em todo o mundo, mas uma versão da terapia chamada CAR-T Cell desenvolvida pelo grupo de pesquisadores do Centro de Terapia Celular de Ribeirão Preto está virando este jogo. A vitória mais recente é do paciente Paulo Peregrino, que teve remissão completa da doença.
Paulo Peregrino tem 61 anos e luta contra a doença há 13 anos e recebeu o tratamento via CAR-T Cell pago com verbas do Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em abril deste ano. A remissão completa ocorreu em apenas 30 dias.
O tratamento CAR-T Cell foi desenvolvido em 2019 em Ribeirão Preto e custa R$ 2 milhões por pessoa sem considerar gastos com internação, pois as células utilizadas nele são personalizadas para cada paciente. No momento, somente o Brasil utiliza esta técnica na América Latina.
"Devido ao alto custo, este tratamento não é acessível em grande parte dos países do mundo. O Brasil, por outro lado, encontra-se em uma posição privilegiada e tem a rara oportunidade de introduzir este tratamento no SUS em curto período de tempo", diz Dimas Covas, coordenador do Centro de Terapia Celular CEPID-USP e do Núcleo de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão Preto que criou a versão nacional do tratamento.
Felizmente a Universidade de São Paulo (USP) adotou um protocolo em parceria com o Instituto Butantan e o Hemocentro de Ribeirão Preto para levar a terapia com células a rede pública de saúde.
Médico Vanderson Rocha e Paulo Peregrino durante o tratamento. Imagem: arquivo pessoal/G1
Até o momento, 14 pessoas foram tratadas com esta terapia, sendo que ao menos 60% dos tumores tiveram remissão completa e a recuperação é feita por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). A técnica tem como alvo três tipos de tumores: leucemia linfoblástica B, linfoma não Hodgkin de células B e mieloma múltiplo.
Dos 13 pacientes que receberam o mesmo tratamento que Paulo, 69% tiveram remissão completa dos tumores em um mês. O primeiro paciente que se recuperou com esta técnica infelizmente faleceu após um acidente doméstico não relacionado a doença.
Imagens do Pet Scan de Paulo antes e depois do tratamento. Imagem: arquivo pessoal/G1
Veja um comparativo dos Pet Scans, tomografia com contraste que realça os tumores, onde à esquerda Paulo não tinha expectativa de cura e receberia somente cuidados para não sentir dores e à direita, onde o organismo não tem nenhum tumor e o paciente está completamente curado.
Como a terapia CAR-T Cell funciona?
A terapia CAR-T Cell utiliza células modificadas do sistema de defesa do organismo do paciente para combater reconhecer geneticamente e combater o câncer.
Para isto, as células chamadas de linfócitos T são recolhidas do paciente, modificadas geneticamente em laboratório para reproduzir a molécula chamada receptor de antígeno quimérico (CAR) e multiplicadas aos milhões antes de serem devolvidas ao corpo para combater os tumores sem afetar as células normais.
Como as células modificadas podem causar uma reação muito forte no organismo do paciente, o tratamento somente pode ser feito em hospitais especializados com autorização da Anvisa.
Paulo relata que teve febre no primeiro dia em que as células foram aplicadas:
Senti um pouco de dormência nas mãos, mas tive acompanhamento antes, durante e depois por toda a equipe multidisciplinar do HC, em São Paulo.
Como medida de prevenção, Paulo foi transferido para a UTI. Felizmente os resultados foram positivos e o seu corpo conseguiu se adaptar para combater os tumores com os novos anticorpos.
No estado de São Paulo existem duas fábricas capazes de produzir os anticorpos para a terapia CAR-T, uma na Cidade Universitária na capital e outra no campus universitário de Ribeirão Preto. Juntas, elas têm a capacidade inicial de produzir o suficiente para 300 tratamentos por ano.
A história de Paulo Pelegrino
Esta história iniciada em 2010 com a descoberta de um tumor, diversas de cirurgias, dezenas de exames e quimioterapia será contada no livro "A Vida pelo Copo D'água", escrito pelo próprio paciente que enfretou até três meses de cegueira temporária por hemorragia após ser contaminado com Covid-19 em 2022.
No livro, Paulo diz que o seu remédio foi "fé e ciência para viver a metade cheia da vida" e diz de onde tirou forças todo esse tempo:
A gente só tem duas formas de agradecer à vida: ser resiliente, isso que me impulsionou a chegar até aqui, e fazer o bem para as pessoas.
Paulo, Ana Maria, sua esposa, e Gabriel, seu único filho. Imagem: arquivo pessoal/G1
Paulo recebeu alta do Hospital das Clínicas em São Paulo no último domingo (28) com uma grande celebração dos profissionais inclusive do médico Vanderson Rocha, que acompanhou todo o seu tratamento.
Foi uma resposta muito rápida e com tanto tumor. Fico até emocionado. Fiquei muito surpreso de ver a resposta, porque a gente tem que esperar pelo menos um mês depois da infusão da célula. Quando a gente viu, todo mundo vibrou. Coloquei no grupo de professores titulares da USP e todo mundo impressionado de ver a resposta que ele teve.
Em agradecimento, o paciente disse:
A vitória não é só minha. É da fé, da ciência e da energia positiva das pessoas. Cada uma delas ajudou a colocar um paralelepípedo nesse caminho. A imagem prova com muita clareza para qualquer pessoa a gravidade do meu linfoma, e eu não tinha ideia de que era assim.
Testes com mais 75 pacientes são necessários para que esta tecnologia seja aprovada pela Anvisa por meio de um registro como produto. Segundo Dimas Covas, o custo total será de R$ 60 milhões, mas a expectativa é que sejam economizados R$ 170 milhões em comparação com os preços de empresas privadas.
A Anvisa afirma que deu prioridade para as análises do estudo dizendo:
A Anvisa recebeu proposta de ensaio clínico conduzida pelo CEPID-FAPESP-USP e este pedido está em análise pela Anvisa. O pedido faz parte de um projeto-piloto em que a Anvisa, selecionou o Centro de Terapia Celular (CEPID-FAPESP-USP) de Ribeirão Preto para colaboração no desenvolvimento de produtos de terapia avançada no Brasil. Assim, a Agência tem feito interlocução com a equipe de desenvolvimento do CEPID-FAPESP-USP para aprimorar o desenho do estudo. O CEPID-FAPESP-USP também estabeleceu um cronograma com a Anvisa para enviar informações sobre a possível fabricação do produto e os controles aplicáveis nos próximos meses. A Anvisa, por sua vez, tem dado prioridade a estas análises, proporcionando retorno rápido ao desenvolvedor, com o objetivo de priorizar a execução desse estudo no Brasil.
Covas diz que o projeto já foi apresentado ao Ministério da Saúde e a expectativa é que o financiamento auxilie na criação dessa nova indústria de biotecnologia no Brasil. O estudo deve ser iniciado em agosto de 2023.