Notícia

Gazeta Mercantil

Capital de risco e tecnologia

Publicado em 16 dezembro 1997

Por Eloi S. Garcia e Claudia Inês Chamas
Recentemente assistimos a profundas modificações no comportamento das empresas nacionais, em função de um processo de abertura e de estabilização econômica, em nível nacional, e das transformações em curso no panorama mundial. A política de substituição de importações ficou exaurida. Para enfrentar as exigências do ambiente competitivo internacional, as empresas buscam reestruturar-se e desenvolver novas estratégias de atuação. O atual contexto requer uma nova cultura empresarial. A capacidade de sobrevivência das empresas está diretamente relacionada ao esforço realizado para o aumento da competitividade. Nos países desenvolvidos, há fortes investimentos em pesquisa e desenvolvimento, visando ao aumento da capacitação tecnológica. A inovação é o elemento motor do sistema econômico capitalista e é a base para a construção da competitividade. Além disso, exerce um papel fundamental e estratégico na geração de empregos. Um dos fatores essenciais para a manutenção de uma empresa em um determinado segmento industrial é a sua capacidade de acompanhar as rápidas e intensas transformações tecnológicas. A tecnologia, antes considerada um simples fator de produção, recebe agora tratamento diferenciado, já que está reconhecido seu papel determinante no desempenho mercadológico das empresas. A elaboração de estratégias empresariais deve necessariamente considerar e incorporar a variável tecnológica. Atividades de pesquisa necessitam de apoio financeiro constante e tempo, uma vez que os resultados não podem ser obtidos no curto prazo. O financiamento à inovação é prática usual nos países desenvolvidos. No Brasil, não há tradição de investimentos do setor privado em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, ficando sempre essa responsabilidade por parte de órgãos governamentais. Contudo, essa posição deve ser repensada, já que a estabilidade macroeconômica estimula o investimento em projetos de alto risco, que ofereçam elevada possibilidade de retorno. Faz-se necessário que tanto o setor público quanto também o empresariado estejam realmente 'dispostos a investir pesadamente no desenvolvimento de inovações tecnológicas. Mecanismos como "venture capital", debêntures especiais e participações de risco devem ser implementados. O capital para investimento em pesquisa faz parte da estratégia de desenvolvimento e é diferente daquele de natureza especulativa, que, por ser de caráter volátil, pode ir embora a qualquer momento. Se, por um lado, é preciso haver maior sensibilização dos grupos privados nacionais para a importância e á tempestividade do investimento contínuo em altas tecnologias, por outro os atores participantes do processo de geração do conhecimento científico-tecnológico necessitam capacitar-se para o adequado aproveitamento das oportunidades de investimento. No caso das universidades e instituições de pesquisa, essa necessidade traduz-se na correta proteção das invenções e na capacidade de negociação e licenciamento de tecnologia. Para que haja uma canalização de recursos para uma determinada invenção, é esperado que esta esteja devidamente protegida pelos instrumentos de propriedade industrial. O patenteamento confere ao titular "o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar" o produto ou processo em questão, de acordo com o artigo 42 da Lei de Propriedade Industrial, de n° 9.279/96. Dessa forma, o investidor sente-se mais confortável em aplicar recursos em uma tecnologia com reconhecidos direitos de propriedade, podendo ser tomadas providências legais no caso de cópia indevida do produto ou processo. Investir em tecnologia requer visão de longo prazo e também implica enfrentar ambientes de altos riscos e incertezas, sem contar com os elevados custos do processo de desenvolvimento. Uma das formas encontradas para minimizar esses problemas é o estabelecimento de alianças estratégicas. As modalidades de cooperação são múltiplas: "joint ventures", parques e pólos tecnológicos, incubadoras de empresa, entre outras. Nosso país conta com grandes recursos minerais e imensa diversidade biológica e necessita de um novo modelo de crescimento, que permita superar o estágio atual de pobreza em que se encontra grande parte de nossa população. A inserção do Brasil no novo contexto econômico internacional depende fundamentalmente do apoio à inovação tecnológica e às práticas de cooperação, da ampliação da capacitação tecnológica nacional e do estímulo à competitividade. O futuro do País está vinculado à capacidade das políticas públicas de coordenação e distribuição dos recursos financeiros, tecnológicos e humanos em benefício de toda a sociedade. O processo de adaptação aos novos tempos exige um grande esforço dos agentes envolvidos no processo de inovação no sentido de minimizar a defasagem tecnológica existente e de ampliar o atual nível de capacitação tecnológica e gerencial. Dessa forma, haverá um incremento na geração de inovações e, conseqüentemente, um estímulo à dinâmica de nosso crescimento econômico, que se traduz, em última instância, em mais oportunidades de trabalho. O desafio da construção de um novo Brasil passa, portanto, pelo reconhecimento das deficiências da atual estrutura e pela percepção da importância da inovação tecnológica no novo ambiente competitivo. Hoje, discute-se, em nível nacional, a problemática do corte de bolsas para a pesquisa e a dificuldade dos pesquisadores em obter recursos financeiros para seus projetos. Dessa forma, consideramos urgente e necessária a ampliação do debate em torno da questão do financiamento à inovação tecnológica. Entrar no mundo, desenvolvido precisa deixar de ser pura retórica para tomar-se prática. Porém, é preciso coragem e determinação para que aqueles acostumados aos ganhos fáceis e rápidos passem a investir com perspectivas de médio e longo prazos e lucros não imediatos, mas com o sentido de que investem no futuro de uma nação. Presidente da Fiocruz e membro da Academia Brasileira de Ciências. Analista da Coordenação de Gestão Tecnológica da Fiocruz e mestre em engenharia de produção pela Coppe/UFRJ.