Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) registraram pela primeira vez na América do Sul, o "canto de agonia". O ultrassom emitido pela rã-do-folhiço (Haddadus binotatus), espécie endêmica da Mata Atlântica, auxilia na defesa contra predadores.
Segundo o mestrando Ubiratã Ferreira Souza, primeiro autor do trabalho, alguns potenciais predadores dos anfíbios (como morcegos, roedores e pequenos primatas) conseguem emitir e ouvir sons nessa frequência. Uma das hipóteses é que o canto seja direcionado para algum deles.
O pesquisador também explica que é possível que a ampla frequência - registrada entre 7 a 44 quilohertz - seja generalista, o que poderia espantar o maior número possível de predadores. A partir dos 20 quilohertz, o som é inaudível para humanos.
O pesquisador também explica que é possível que a ampla frequência - registrada entre 7 a 44 quilohertz - seja generalista, o que poderia espantar o maior número possível de predadores. A partir dos 20 quilohertz, o som é inaudível para humanos.
Outra hipótese é que o canto seja usado para atrair outro predador, que por sua vez atacaria o animal que estivesse em vias de predar o anfíbio, no caso, a rã-do-folhiço.
Durante o canto, segundo Ubiratã, a rã-do-folhiço faz uma série de movimentos típicos de defesa contra predadores, como foi visto pelos biólogos.
O animal levanta a parte frontal do corpo e abre a boca jogando a cabeça para trás. Depois, fecha a boca parcialmente, emitindo o canto com parte da frequência audível por nós, de 7 a 20 quilohertz, e parte inaudível, de 20 a 44 quilohertz.
Captação do comportamento
Além do apoio pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o artigo teve suporte do Projeto Dacnis, durante um dos estudos de campo que proporcionaram a descoberta, realizado em Ubatuba.
"Nós já tínhamos alguns indícios que a espécie pudesse cantar em um ultrassom, principalmente por causa de um trabalho de doutorado do Felipe Toledo, que foi publicado em 2009", diz Ubiratã. Luís Felipe Toledo é orientador do estudo e professor do Instituto de Biologia da Unicamp.
O animal do vídeo foi localizado durante uma coleta de autores do artigo do Projeto Dacnis. "Quando estavam coletando lá na região de Ubatuba, viram o animal pulando na serrapilheira, que é essa camada de vegetação que fica acima do solo. Então fizeram os estímulos simulando predadores e acabaram por captar o comportamento de defesa e o canto ultrassônico", conta o mestrando.
Indícios de ultrassom por outra espécie
A pesquisadora da Unicamp Mariana Retuci Pontes, coautora do estudo, observou comportamento semelhante em outra espécie, possivelmente uma rãzinha-da-floresta (Ischnocnema henselii), no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar) em 2023.
Enquanto tentava fazer uma foto do anfíbio, o animal realizou o mesmo movimento corporal de defesa enquanto emitia um som parecido com o da rã-do-folhiço. Ambas as espécies não estão ameaçadas de extinção.
Segundo Mariana, cerca de um metro distante da rã, estava uma jararaca (Bothrops jararaca), o que reforça a evidência de que o comportamento é realizado diante de predadores. No entanto, não foi possível constatar a presença de ultrassom no ruído da espécie.
Luís Felipe Toledo, não descarta a possibilidade da rãzinha-da-floresta emitir também o canto de agonia, já que as espécies vivem em ambientes parecidos (camada de folhas sobre o solo) e têm predadores similares.
Os outros registros de uso de ultrassom por anfíbios foram feitos em três espécies da Ásia. No entanto, a frequência é usada para comunicação entre indivíduos da mesma espécie. Em mamíferos, o ultrassom é comum entre baleias, morcegos, roedores e pequenos primatas. O uso para defesa contra predadores era algo inédito até então entre anfíbios.
Por Giovanna Adelle, Terra da Gente