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Canabidiol ganha novas aplicações médicas (1 notícias)

Publicado em 09 de setembro de 2021

Já aprovado para uso médico no Brasil contra epilepsia resistente a outros medicamentos, o canabidiol, um dos compostos químicos mais abundante da maconha (Cannabis sativa), pode vir a ser uma opção para tratar outra doença desafiadora, a esquizofrenia. Experimentos feitos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de São Paulo (USP) mostraram que seu efeito é similar ao de outros fármacos já usados contra esse problema, mas com mecanismo de ação distinto. Também reforçaram novas hipóteses sobre a origem e evolução dessa doença ao mostrar que os danos poderiam ir além dos neurônios e atingir outras células do sistema nervoso central, os oligodendrócitos.

Em culturas de oligodendrócitos humanos, o canabidiol ativou mecanismos bioquímicos de proteção celular similares aos dos fármacos clozapina e haloperidol, de acordo com um estudo publicado em maio na Frontiers in Molecular Neuroscience. Os compostos cancelaram os efeitos da administração da cuprizona, substância que danifica a bainha de mielina, o revestimento das extensões dos neurônios e, desse modo, prejudica a transmissão dos impulsos nervosos, uma das prováveis causas da esquizofrenia.

Nesse experimento, realizado pela farmacologista Valéria de Almeida e pela bióloga Ana Caroline Brambilla Falvella, ambas da Unicamp, os três compostos usados para evitar a chamada desmielinização ativaram a produção de 1.890 proteínas. Desse total, 93 eram produzidas unicamente após a administração do canabidiol, 97 do haloperidol e 278 da clozapina. Em relação ao canabidiol, 92 proteínas eram comuns com o haloperidol e 75 com a clozapina.
Para o biólogo Daniel Martins-de-Souza, também da Unicamp, que coordenou esse trabalho, os resultados foram animadores por duas razões. A primeira é que indicam novas perspectivas de tratamento para um distúrbio mental que atinge cerca de 20 milhões de pessoas no mundo, das quais por volta de 2 milhões no Brasil. Se os estudos avançarem, talvez o canabidiol possa evitar os efeitos indesejáveis das drogas que agem no sistema nervoso central – a clozapina pode causar ganho de peso, o haloperidol tremores e, ambos, sonolência.

A segunda razão é que o número de proteínas em comum entre os fármacos fortalece uma nova interpretação sobre a esquizofrenia ao valorizar os oligodendrócitos, que produzem as bainhas de mielina, sem as quais aparecem os sintomas característicos desse transtorno psiquiátrico, como os delírios e as alucinações.

Os oligodendrócitos são um dos três tipos das chamadas células da glia, que, com os neurônios, formam o cérebro e as outras partes do sistema nervoso central. Os outros dois são os astrócitos e as células da microglia, que também participam da comunicação celular.
“A esquizofrenia é uma doença resultante de disfunções dos três tipos de células da glia, não apenas dos neurônios”, afirma Martins-de-Souza. “Elas não são apenas células de suporte e preenchimento, como se pensou durante décadas.”

O pesquisador desconfiou que os oligodendrócitos poderiam ter um papel importante na esquizofrenia há 13 anos, durante seu doutorado, concluído em 2008 em uma colaboração entre o Instituto de Biologia da Unicamp e o Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP). Ele examinou alterações associadas à esquizofrenia em tecidos humanos de cadáveres, comparando-os com os de pessoas que não tiveram essa doença, e verificou que muitas provinham desse tipo de célula.

O foco mundial das pesquisas daquela época eram os neurônios, enquanto os oligodendrócitos eram pouco valorizados. “Em 2009, participei de um congresso em Berlim sobre o papel dos oligodendrócitos na esquizofrenia”, conta Martins-de-Souza. “Além dos palestrantes e do coordenador da seção, havia mais duas pessoas assistindo.”
Nessa época, durante um estágio de pós-doutorado no Instituto Max Planck de Psiquiatria, na Alemanha, ele comparou o funcionamento do cérebro de pessoas com e sem esquizofrenia e identificou regiões cerebrais associadas à doença, como o córtex pré-frontal e o tálamo, incapazes de processar adequadamente a glicose, principal fonte de energia do cérebro. “Todo o metabolismo dessas regiões pode estar mais lento”, ele comentou em 2012, após um minucioso estudo dos efeitos de proteínas produzidas em maior ou menor quantidade no sistema nervoso central das pessoas com esse tipo de distúrbio psiquiátrico.

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Fonte: REVISTA FAPESP