INSTIGADOS pelo presidente da SBI, Manoel Barral-Netto, diversos sócios se manifestaram, através de mensagens via Internet, sobre uma das questões mais importantes para a pesquisa em imunologia, hoje: a geração e criação de camundongos transgênicos, ou KOs, no País. Como sair desse fosso tecnológico? Como construir uma sólida ponte suspensa e, desta forma, superar essa grave dificuldade? Certo é que, qualquer coisa que venha a ser feita neste sentido precisará de dinheiro. Seriam três as possíveis fontes: a FINEP, a FAPESP ou o PADCT. O projeto poderia englobar a transferência e criação dos animais de interesse já existentes no País, e também a importação de novos animais, segundo prioridades a serem definidas. Os animais seriam vendidos aos pesquisadores interessados, para financiar a estrutura de produção. A seguir, os depoimentos colhidos pelo Boletim da SBI como contribuição ao debate. Outros virão, nas próximas edições.
Wilson Savino (FIOCRUZ): "Todos sabemos que resultados obtidos com animais desenvolvidos após seleção ou introdução experimental de um ou mais genes, estão sujeitos a uma série de críticas. No entanto, também sabemos que a introdução da metodologia de geração de animais knockouts (KO) permitiu a comprovação e geração de uma série de conceitos na biologia como um todo, e na imunologia em particular. Isso pode ser facilmente confirmado quando vemos o número assustadoramente crescente de artigos publicados, cujos resultados são total ou parcialmente obtidos com animais geneticamente modificados."
"Portanto, sabemos que é crucial a existência de Instalações para expandir colônias de animais KO já disponíveis no comércio, e de claro interesse para os imunologistas, e ainda em condições para gerar novos animais knockouts ou transgênicos."
"Espero estar errado (e ficarei sinceramente feliz se estiver incorrendo em erro), mas a meu conhecimento não temos tais instalações em nosso país. Sei que alguns pesquisadores importaram algumas matrizes e expandiram uma ou outra colônia em seus próprios laboratórios para uso, digamos, "caseiro". No entanto, tais iniciativas, que obviamente são louváveis, também obviamente não são de natureza coletiva. Não têm (e nem poderiam ter) como objetivo suprir o mercado nacional e sul-americano."
"Assim, PRECISAMOS URGENTEMENTE de instalações de biotério que permitam expansão e geração de animais knockouts ou transgênicos, que possam suprir os mais de cem laboratórios de Imunologia já cadastrados pela SBI. Se não for tomada uma decisão política rápida para a disponibilização de tais instalações a cureto prazo, estaremos nos distanciando, a passos cada vez mais largos, dos laboratórios acima da linha do Equador. Que eu saiba, instalações já existentes, como aquelas localizadas na USP, na UNICAMP e na FIOCRUZ (apenas para citar três exemplos) poderiam ser aproveitadas para incluir em seus repertórios uma série de colônias de animais geneticamente modificados e já disponíveis para a geração de novos animais KOs/ transgênicos, mas sei que há pessoas no Brasil capacitadas para gerá-los."
"De qualquer forma, é preciso que seja tomada uma decisão rápida. É aí que a SBI poderia ser fundamental, mostrando a amplitude e urgência do problema, e ainda intercedendo na negociação com instituições de pesquisa e de fomento."
João Santana da Silva (USP): "Num dos primeiros boletins da SBI escrevi um artigo sobre biotério. Na época, Oswaldo Santana manifestou o desejo de ser formada uma comissão de Biotério para atuar, via SBI, nas agências de fomento, no sentido de alertá-las sobre esta questão. Ficou o dito pelo não dito e, enquanto isso, eu estou trabalhando firme com o propósito de construirmos um biotério em Ribeirão Preto."
"Tenho estado preocupado com esse assunto há alguns anos. A questão em Ribeirão Preto é similar à da maior parte dos laboratórios brasileiros. Não temos um biotério na unidade que forneça animais de qualidade para os pesquisadores. Estou falando de outbred e não de transgênicos. Nossos animais são de péssima qualidade, chegam a ter sarna. Nosso departamento resolveu o problema, ao menos parcialmente, porque montou-se um biotério próprio, de animais isogênicos."
"Como faço parte de duas comissões de biotério no campus de Ribeirão Preto, tive oportunidade de fazer um projeto, orientado pela Dra. Adela Rosenkrans, e enviá-lo para a FAPESP, em 1996. Eles fizeram contato com laboratórios estrangeiros, a exemplo do Jax mice e o Ifa credo, mas eles avaliaram e concluíram que nosso consumo era muito pequeno, não se justificando a construção de um grande biotério. O programa da FAPESP foi parcial e liberou verbas para reformas de biotérios de departamentos, porém, nada de biotérios de criação."
"Acho que poderíamos fazer um projeto nacional, financiado pela FAPESP, provocando uma decisão política. É só querer. A Prefeitura do campus já ofereceu uma área para instalar o tal biotério nacional, mas a coisa não andou. A propósito, recordo que há cerca de um ano a Academia Brasileira de Ciências fez um documento e enviou às entidades de fomento, ressaltando a necessidade de apoiar biotérios no Brasil. Certamente, se a SBI, talvez em conjunto com outras sociedades como as de Bioquímica, Fisiologia, Fármaco etc., fazendo pressão, poderíamos conseguir alguma coisa."
George dos Reis (UFRJ): "As agências ainda não entenderam o problema dos animais transgênicos, ou então não querem financiar soluções particulares deste ou daquele pesquisador." O que a SBI pode fazer imediatamente é um trabalho de esclarecimento junto a técnicos e diretores das agências sobre o fosso tecnológico que o uso consagrado destes animais traz para a imunologia brasileira (o fosso é o destino caso não se construa uma ponte suspensa). A SBI também pode procurar descobrir se haveria vontade e qual a forma de financiar um centro único para manter esses animais dentro de uma quantidade regulada pela demanda específica, e vendendo os animais para se autofinanciar. Eu acho que a FAPESP é a agência mais aberta a essa iniciativa, e com mais recursos disponíveis. A FAPESP poderia, inclusive, fazer um acordo com o Jackson Laboratories, trazer os animais KO mais interessantes para o Brasil e manter a criação de quantidades determinadas por demanda. Não sei, no entanto, qual seria a disposição da FAPESP de ajudar a ciência brasileira como um todo, uma vez que, até hoje, não deu a menor mostra de fazer algo que saia dos limites de interesse do estado de São Paulo, apesar da agonia pública da ciência nacional. A SBI, através da vice-presidente Mahasti (USP) e, entre nós, do João Santana (FMRP), teria como elaborar um pedido de recurso à FAPESP. Eu, no entanto, sou pessimista, achando que, neste projeto, muitos outros pesquisadores paulistas entrariam e o resto do país, como sempre, ficaria de fora.
"Fazer os próprios transgênicos é outra medida necessária e inevitável, a médio prazo. Apesar de que, vinte anos depois, até hoje são poucos os laboratórios no Brasil que fazem anticorpos monoclonais. Que eu saiba, o único animal transgênico feito no Brasil, foi obtido no Instituto de Biofísica da UFRJ, no fim do ano passado, com o auxílio técnico de cientistas russos (TG para uma PTN que regula a mofogênese cardíaca). O projeto PADCT, que financia o Laboratório de Animais Transgênicos do Instituto, não teria a abrangência e o recurso necessário. Mas pode ser conversada a construção de um ou outro transgênico, talvez como prestação de serviço."
Leda Quércia Vieira (UFMG): "Realmente o problema é difícil, mas não vamos desanimar." Como disse o João Santana, o problema principal é mesmo vontade política. A nossa reitora, há quatro anos, prometeu construir o nosso prédio, se a FINEP financiasse. Nosso projeto foi aprovado, mas dinheiro mesmo nada. Outra opção seria a FAPEMIG. O professor Afrânio até se interessaria por um projeto que fosse servir a todo o estado; eu é que não me interessei em montá-lo, pois, realmente, é mais do que eu dou conta. Precisaríamos de uma pessoa para administrar este projeto, que fosse bioterista, e esta pessoa ainda seria a administradora do biotério. O Manoel Cecílio, da FINEP, é o ser mais otimista da face da terra em relação a biotérios. Será que alguém, além de nós, dá a mínima para a diferença entre o fosso e a ponte suspensa do George?
"Mas existe uma total falta de pessoal. A UFMG não contrata e, francamente, eu teria muito receio de entrar em montagem de biotério, se não houvesse uma pessoa especialmente contratada para lidar com tudo. É um serviço enorme. De novo, em S. Paulo, a USP resolveu o problema contratando pessoal especializado, vindo de vários departamentos."
"E temos, também, problema de prédio. O Luís Fernando Lima Reis pode atestar os problemas que ele teve para vedar um biotério aqui. No nosso prédio temos problema de manter organismos multicelulares - outros que não os camundongos - fora da sala, que diremos de vírus?"
Ricardo Gazineli (UFMG): Estive conversando com Leda Quércia Vieira, aqui em BH, e com João Santana, em Ribeirão, com quem mantenho alguns camundongos KOs, isto é, IFN-ko, iNOS-ko, TNF-ko, IL-8receptor-KO, apo-E ko e LDLreceptor-ko. Estamos todos preocupados com o problema dos KOs. Tanto a nível de sua geração quanto a manutenção das colônias. Concordamos que o maior entrave é o financeiro. Acho que deveríamos fazer uma reunião antes do congresso de vacinas, como planejado. Talvez, com suporte da SBI, pudéssemos escrever um projeto multi-institucional para a FINEP ou PADCT??? Se não me engano, George disse que a FINEP estaria aceitando projetos a partir de agosto. Outra possibilidade seria conseguir uma verba da FIOCRUZ para estas finalidades. Acho que o projeto poderia ter três etapas: As duas primeiras mais tecnológicas e a terceira, que seria a manutenção das linhagens de animais transgênicos e KO. A última etapa seria resolver as questões mais financeiras, burocráticas, quanto à importação. Ao meu ver, as duas últimas etapas já estão ocorrendo em vários locais do Brasil, mas que, certamente, seriam impulsionadas com o apoio financeiro e institucional da SBI."
Notícia
FAPESP Na Mídia