Além da participação da Unicamp, força-tarefa conta com universidades e entidades do Brasil e do exterior
Campinas entrou em uma rede mundial de monitoramento para acompanhar o surgimento e a movimentação de vírus com o objetivo de prevenir novas e futuras pandemias. O trabalho será desenvolvido com a participação da Universidade de Campinas (Unicamp) junto a outras instituições brasileiras e internacionais, por meio do Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCT) em Vigilância Genômica e Saúde Única, cujas atividades começaram no fim do ano passado, nas dependências da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul. A previsão é que as pesquisas conjuntas sejam realizadas até 2028. O investimento divulgado chega à casa dos R$ 5,3 milhões.
A rede vai monitorar a entrada e circulação de novos vírus em animais silvestres e apurar a atuação em seres humanos e animais domésticos. O grupo deve concentrar esforços para antecipar possíveis e novas pandemias.
À frente do projeto na Unicamp está a pesquisadora Clarice Arns, do Instituto de Biologia e coordenadora do Laboratório de Virologia. Ela explicou que a função da universidade é detectar e isolar vírus. “O papel da Unicamp é muito importante. A nossa função no laboratório que coordeno, que se chama Laboratório Aplicado à Virologia e Biotecnologia, é tentar detectar e isolar vírus. Como vamos fazer isso? Dentro do laboratório, com exigências apropriadas de biossegurança. No laboratório temos nível de segurança 3, o máximo que temos em segurança aqui no Brasil, e podemos trabalhar com vírus exóticos, potencialmente patogênicos”, explicou Clarissa ao detalhar que o trabalho vai primeiro fazer a detecção por métodos moleculares, além de sequenciamento e estudo genômico.
A pesquisadora da Unicamp classificou a atuação como “uma força-tarefa”. “É uma força-tarefa mesmo e a Unicamp está junto. É uma rede que tem esse intuito de encontrar vírus em diferentes lugares e situações, no Brasil inteiro e de animais silvestres, principalmente, e para isso já começamos a coletar amostras de morcegos. Já temos coleções de vírus bem interessantes. Agora, há o grande problema da influenza aviária, a H5N1, que pela primeira vez está pegando mamíferos. Até então, só eram transmitidos para aves. O grande medo da comunidade científica é que ele venha causar problemas em humanos, ele é um vírus de influenza, mas diferente dos que conhecemos até agora”, revelou.
O pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão da Universidade Feevale, Fernando Spilki, que também coordena o Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, falou sobre a ideia de antecipar e evitar possíveis pandemias.
“O projeto nos permite trabalhar na fronteira mais importante, no sentido de antecipar novas pandemias. Esse tipo de informação também é relevante no dia a dia para os órgãos que monitoram a saúde animal e humana e ainda para auxiliar na conservação de espécies da fauna brasileira”, disse.
Spilki explicou a seleção da Unicamp, especialmente no que diz respeito à descoberta de novos vírus. “A ideia do INCT é reunir laboratórios que sejam referência, grupos de pesquisa importantes do Brasil nessa área de saúde única, da interface entre conservação de espécies de animais, da própria produção pecuária, das questões de saúde humana e a possível emergência de novos vírus. A Unicamp, sem dúvida, é um polo importante de formação de recursos humanos para essa área, então, por isso, está conosco no projeto. A Unicamp vai desempenhar uma função muito importante até pelo que já vem desempenhando, principalmente no que tange a descoberta e descrição de novos vírus, como coronavírus, influenza e outros agentes destes grupos, que, sem dúvida, fazem parte do escopo do projeto”.
O coordenador substituto do INCT, Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina da Famerp, frisou a parceria a várias mãos para a concretização de uma rede ativa e prospectiva na análise e identificação dos riscos à saúde.
“Essa nova rede de vigilância vai nos permitir expandir não somente questões de coronavírus, mas de outros patógenos que são importantes para a saúde humana e animal.” A expectativa de pesquisadores é que o projeto tenha impacto científico em nível nacional para “vigiar” e promover estudos aprofundados de vírus emergentes e reemergentes, como zika, SARSCoV-2 e influenza aviária.
A confirmação do projeto veio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Na esfera nacional, fazem parte da rede, além da Unicamp, a Universidade Feevale, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Na ala internacional vão participar Universidade de Berlim (Alemanha), Universityof Texas Medical Branch (Estados Unidos) e a UK Health Security Agency (Reino Unido).
A informação é que os recursos a serem disponibilizados pelo Ministério, CNPq, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) visam à condução de pesquisas de “alto nível” entre as instituições.
REUNIÕES EM CAMPINAS?
A intenção é que o novo instituto já trabalhe para promover o primeiro encontro presencial com as equipes de pesquisa em áreas de Ciências Biológicas, Medicina Veterinária, Medicina Humana, entre outras. Essas primeiras reuniões presenciais devem ocorrer entre fevereiro e o início de março. A previsão é que esses encontros aconteçam em Campinas devido às facilidades de logística.
“Já estamos trabalhando à distância, mas a intenção é começar as reuniões presenciais entre fevereiro e março. Muito provavelmente essas reuniões vão acontecer em Campinas pela facilidade de deslocamento para trazer membros do Brasil inteiro, então é outra importância grande da Unicamp nesse processo”, disse Spilki.
Tal projeto passou pelo crivo de uma chamada pública do programa Institutos Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação em 2022.
ARBOVIROSES
Outra missão do INCT será trabalhar com as arboviroses, ou seja, com viroses transmitidas por mosquitos. As análises vão girar em torno da dengue, zika, chikungunya e febre amarela.
“Arboviroses são tema prioritário para nós, mas a nossa agenda é ampla e dinâmica. Nós vamos atendendo e ficamos à disposição do poder público e das autoridades de saúde em geral para atendimento em Medicina Humana e Medicina Animal, e resolução de diferentes surtos de doença viral que possam ocorrer”, comentou Spilki.
Brasil e Alemanha assinaram acordo para implantação de laboratório de máxima contenção biológica
Oprimeiro laboratório de máxima contenção biológica (NB4) da América Latina e o único do mundo conectado a um complexo científico de fonte de luz síncrotron deu mais um passo importante. Brasil e Alemanha assinaram em dezembro passado acordo de cooperação para a implantação do Laboratório Orion, que será construído no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, e permitirá estudos de patógenos capazes de causar doenças graves e com alto grau de transmissibilidade, permitindo o enfrentamento de eventuais pandemias. A declaração conjunta de intenção foi assinada, em Berlim, entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CNPEM, o Ministério da Saúde e o Instituto Robert Koch (RKI), responsável pelo controle e prevenção de doenças da Alemanha. O acordo fez parte das tratativas da viagem oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país europeu.
A cooperação será no campo científico. Esse tipo de acordo facilita o intercâmbio de pesquisadores, projetos de pesquisa conjuntos e até mesmo treinamento de profissionais, uma vez que a Alemanha também conta com Laboratórios de nível 4, como o futuro Orion. Segundo o diretor-geral do CNPEM, Antonio José Roque da Silva, a colaboração com o Instituto Robert Koch tem como objetivo o desenvolvimento de infraestruturas de máxima segurança biológica e o avanço do conhecimento na área da saúde.