A bactéria Klebsiella pneumoniae é figura conhecida em listas nacionais e internacionais dos microrganismos mais perigosos por sua resistência a antibióticos e consequente capacidade de causar infecções hospitalares.
Ela foi colocada em 2017 na categoria “crítica”, a mais preocupante, em uma lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) das bactérias contra as quais o desenvolvimento de novos remédios é mais urgente, já que esses microrganismos evoluíram se tornando mais fortes e desenvolvendo formas poderosas de driblar antibióticos existentes.
No Brasil, foi ela também o microrganismo que mais causou infecções sanguíneas em pacientes adultos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) em hospitais públicos e privados, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para 2017.
Agora, cientistas brasileiros descobriram algo que já temiam: detectaram a presença da Klebsiella pneumoniae em organismos de pacientes que não estão hospitalizados, e sim na “comunidade”, como definem os especialistas. No caso, esta bactéria foi encontrada na urina de 48 pessoas diagnosticadas com infecção urinária em 2013 e que foram fazer testes em uma rede de laboratórios particular na região de Ribeirão Preto (SP).
Especialistas consultados pela BBC News Brasil indicam que esse é o primeiro estudo a identificar a bactéria em amostras de pacientes brasileiros não hospitalizados.
O que causa preocupação nestes resultados, publicados no periódico Journal of Global Antimicrobial Resistance, não é apenas a identificação da Klebsiella pneumoniae na urina destas pessoas, mas a comprovação de que estes microrganismos se mostraram também muito resistentes.
Das 48 amostras, 29 (60,4%) tinham bactérias não suscetíveis a três ou mais classes de antibióticos – portanto, consideradas multirresistentes (MDR). No conjunto, foram encontrados também diferentes “genes de virulência”, ou seja, codificadores genéticos que geram “armas” para que as bactérias consigam driblar o sistema de defesa dos pacientes ou se espalhar facilmente.
“O que nos surpreendeu foram esses altos índices de resistência a antibióticos e genes de resistência e virulência”, explicou à BBC News Brasil por e-mail André Pitondo da Silva, coautor da publicação e professor de Microbiologia e Pesquisador da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp).
Para ele, o quadro não deve estar restrito à região de Ribeirão Preto, porém é preciso mais estudos para avaliar esse ponto.
“Mas é importante ficar claro que não se trata de uma epidemia ou de algo que se alastre por contágio direto. O alerta maior é que é preciso controle na saída de pacientes infectados dos hospitais e que não haja uso indiscriminado antibióticos.”
Uma bactéria oportunista
A Klebsiella pneumoniae pode viver na flora intestinal de uma pessoa por anos e nunca causar problemas. Mas ela é oportunista: diante de alguma fragilidade, como queda na imunidade, doenças, ou mesmo do envelhecimento, ela age e pode causar feridas; infecções pulmonares; infecções urinárias que podem se agravar como uma pielonefrite (infecção nos rins); pneumonia; e até sepse (infecção generalizada), com risco de morte.
Infecções causadas por ela são mais comuns em hospitais do que fora deles. Nas unidades de saúde, sua propagação acontece principalmente no contato com fluidos do paciente infectado, como por meio de sondas e cateteres.
“Só tivemos acesso às bactérias isoladas dos pacientes e a alguns dados, como idade, sexo etc. Contudo, não sabemos se esses pacientes já foram internados em hospitais, se tiveram infecções prévias ou, até mesmo, se eles têm infecções urinárias recorrentes, fazendo uso constante de antibióticos”, diz Pitondo. Não há informações também sobre a evolução do quadro de saúde desses 48 pacientes.
“Mas um fato é indiscutível: essas bactérias multirresistentes estão causando infecções urinárias em pacientes que estão fora do ambiente hospitalar e isso é realmente preocupante”.
Quanto à data das amostras, 2013, o pesquisador diz acreditar que, se fosse feito um estudo semelhante hoje, “o quadro não seria muito diferente”. O intervalo de alguns anos entre a amostra e a publicação agora tem a ver desde com desde a demanda de tempo para realização de experimentos ao preço e acessibilidade de alguns equipamentos e análises laboratoriais.
Mas a publicação referente aos casos de Ribeirão Preto é parte de um projeto maior, coordenado por Pitondo e com parcerias internacionais. O objetivo é estudar bactérias de origem hospitalar das cinco regiões do Brasil (representadas por Londrina, Brasília, Teresina, Manaus e Ribeirão Preto) e de países dos cinco continentes (Nova Zelândia, Canadá, Holanda, África do Sul e Índia).
Como se prevenir contra as bactérias multirresistentes?
Enquanto os cientistas correm contra o tempo e contra as armas das bactérias multirresistentes, o que as pessoas comuns podem fazer para entrar na luta contra estes microrganismos?
“Sem dúvida, a primeira preocupação é o uso indiscriminado de antibióticos. Embora hoje a venda de antibióticos seja rigorosamente controlada no Brasil, é preciso que a população se conscientize acerca do uso racional desses medicamentos”, aponta Pitondo.
Especialistas recomendam também cuidados com a higiene e o saneamento, como no lavar as mãos com água e sabão e a troca de toalhas com regularidade. É preciso ainda ter atenção com ferimentos, evitando contato com eles e buscando sua desinfecção.
“Mas hoje a gente não pode se preocupar mais só com a resistência dentro do hospital, com o uso de antibióticos na comunidade… A gente usa antibióticos também na agricultura e na pecuária, o que também é um fator para que as bactérias se tornem resistente e causem infecções. A pressão vai vindo por todos os lados”, alerta Assef.