Já é noite quando os alunos do supletivo do Colégio Santa Cruz adentram os portões da escola. Munidos de força de vontade e perseverança, esses trabalhadores tentam superar as dificuldades que outrora os afastaram da vida escolar. Em São Paulo, buscam uma vida mais digna e alguma possibilidade de ascensão social. Mas será que o acesso ao conhecimento transforma a visão de mundo dessas pessoas, tornando-as mais adaptadas à metrópole – e, em certa medida, estranhas ao sertão de onde saíram na adolescência? No livro Caminhando sobre fronteiras – O papel da educação na vida de adultos migrantes (168 p., R$ 37,80), lançamento da Summus Editorial, Fernando Frochtengarten analisa, de maneira sensível e poética, a experiência de retomada da vida escolar por adultos trabalhadores que deixaram o campo rumo à cidade. Para entender essa trajetória e os motivos que os levaram a emigrar, o autor viajou para as áreas rurais do norte de Minas Gerais e sul da Bahia, a fim de conhecer as famílias de alguns de seus alunos e visitar o local onde eles um dia viveram. O lançamento acontece no dia 23 de abril (quinta-feira), das 18h30 às 21h30, na Livraria da Vila (piso superior). A livraria fica na Rua Fradique Coutinho, 915. Frochtengarten organizou sua expedição por São João do Paraíso (MG), Tremedal (BA) e Belo Campo (BA), municípios de origem da maioria de seus alunos. O percurso, que fez na companhia dos estudantes do EJA (Educação de Jovens e Adultos) do Colégio Santa Cruz, no qual é professor, representou uma travessia de fronteiras culturais na qual a compreensão da identidade do aluno adulto e a reflexão sobre as ações do educador ocorreram em benefício do aprimoramento da relação aluno/professor. “Um sentimento de estar em casa tomava conta de meus companheiros e anunciava a inversão de nossa condição de nativos e estrangeiros. Agora, era eu quem desconhecia o meio, seus quadros sociais e naturais”, lembra o autor. Com sensibilidade ímpar, Frochtengarten dedicou-se a conhecer profundamente a história de vida e a formação familiar dos migrantes com o objetivo de ampliar os estudos psicossociais nessa área. Segundo ele, a imersão nos quadros sociais onde os estudantes adultos receberam sua primeira formação permitiu compreender melhor as razões e os sentidos de seu afastamento da escola e da afirmação de uma tradição migratória na região. No primeiro capítulo do livro, o autor apresenta um perfil socioeconômico dos alunos adultos do programa de EJA, discorre sobre o funcionamento da escola, tece uma psicologia do estudante trabalhador, sugere traços característicos de seu relacionamento com o educador e esclarece a trajetória da pesquisa em busca de respostas aos interesses surgidos nesse contexto. “Em geral, são trabalhadores não qualificados, empregadas domésticas e operários, que enfrentam jornadas de trabalho intensas, dificuldades de transporte e horários apertados para complementar o propósito de integrar a sociedade urbana por meio da escolarização”, diz Frochtengarten. Em seguida, o educador aborda a viagem feita ao sertão, entremeando a experiência vivida com discussões sobre a formação socioeconômica da região, suas recentes mudanças, a inserção da escola naquelas áreas rurais e as raízes da migração para São Paulo. No terceiro capítulo, trata do regresso à escola paulistana. Contrasta as formas de conhecimento da natureza próprias do sertanejo com as do homem urbano, trata dos conflitos entre suas perspectivas em uma sala de aula, discute o valor do embate cultural para uma pedagogia do adulto e seus efeitos potenciais sobre a identidade dos estudantes e do educador. No quarto e último capítulo, Frochtengarten examina os projetos de futuro dos migrantes tremedalenses, belo-campenses e paraisenses de quem a pesquisa aproximou-se, sobretudo as repercussões da experiência escolar sobre suas perspectivas de permanência na metrópole ou de retorno para o lugar de origem. “Almejo que essa experiência de idas e vindas no interior de um território de fronteiras culturais colabore para alguma compreensão da identidade do aluno adulto e para a reflexão sobre as ações do educador. Que meu cruzamento para o outro lado, anterior à viagem e radicalizado por ela, contribua para melhor conhecer quem temos sido deste lado. Que permita, enfim, melhor conhecer quem somos”, conclui o educador. O autor Fernando Frochtengarten nasceu em São Paulo em 1972. É graduado em Psicologia e em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (USP), além de mestre e doutor em Psicologia Social pela mesma instituição. Educador de jovens e adultos, é autor de Memórias de vida, memórias de guerra: um estudo psicossocial sobre o desenraizamento (Perspectiva/ Fapesp, 2005).