Um quebra-cabeça é formado por várias peças. Uma molécula de DNA, por sua vez, também é composta por várias peças, mas, neste caso, recebem um nome: bases nitrogenadas.
Sequenciar um genoma significa identificar e decodificar quais são as peças (bases nitrogenadas) que compõe o quebra-cabeça (molécula de DNA).
Pesquisadores dos quatro cantos do mundo se uniram para fazer o sequenciamento do genoma do café da espécie arábica ( Coffea arabica ), o mais produzido e consumido do mundo. A espécie é resultado do cruzamento Coffea canephora (conilon/ robusta) e Coffea eugenioides , espécies que haviam sido anteriormente sequenciadas.
Mas por que sequenciar o genoma do café arábica? O pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Café Alan Carvalho Andrade explica que “com o sequenciamento, os pesquisadores conseguem posteriormente analisar e estudar quais trechos podem ser responsáveis por uma determinada característica, como características sensoriais ou de resistência a determinados patógenos”.
João Meidanis, que é um dos professores e pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que participou do estudo, contou que a pesquisa levou em consideração a ancestralidade dos mais variados cultivares de café existentes. “Foram estudadas famílias específicas de genes para identificar os que conferem resistência à planta e os que são responsáveis pelo aroma e sabor, por exemplo. Além disso, fizemos uma comparação extensa com as variedades parentais, ou seja, os ancestrais do café arábica”, explicou.
O professor destaca que o sequenciamento do café arábica representou um feito, sobretudo, tecnológico. “ Coffea canephora e Coffea eugenioides tem células diploides (com dois conjuntos de cromossomos), já o Coffea arabica é tetraploide (com quatro conjuntos de cromossomos), o que torna o seu sequenciamento mais complexo. Foi empregada, portanto, uma série de metodologias modernas de sequenciamento. Trouxemos à luz várias informações relevantes sobre genes e estrutura genética de uma planta que representa uma das culturas mais importantes da atualidade”, disse o professor.
Ser tetraploide significa que o café arábica sofreu um processo de hibridização. O pesquisador Alan Carvalho Andrade reforça que os cientistas tinham dificuldade em identificar exatamente quando – e onde – ocorreu este evento de hibridização. “Foram realizados, portanto, estudos comparativos com os DNAs das três espécies ( Coffea arabica, Coffea canephora e Coffea eugenioides ), verificando o que há de comum entre elas”, afirmou o pesquisador.
Alan descreve que “a pesquisa tem uma contribuição ambiental importantíssima, pois realiza o melhoramento genético das plantas para o desenvolvimento de cultivares mais produtivas, o que resulta num efeito que chamamos de ‘poupa terra', pois se consegue produzir mais usando menos área. Também é possível desenvolver cultivares com resistência a pragas, doenças e a seca, por exemplo. Assim, diminui-se o uso de defensivos químicos e de água nas lavouras”.
O café tem importância não só na economia dos países produtores, como o Brasil, que é o maior produtor mundial, mas também importância social, pois em sua maioria, o café é produzido por pequenos produtores, que tiram da atividade cafeeira o sustento de suas famílias. O professor João ressalta, então, a importância da participação do Brasil na pesquisa que é resultado de esforços anteriores.
“Essa competência foi consequência direta dos primeiros projetos de genoma brasileiros, idealizados e financiados a partir de 1998 pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Não fosse esta iniciativa pioneira, estaríamos hoje correndo atrás do bonde da história, ao invés de estarmos confortavelmente sentados em alguns dos melhores assentos dentro deste bonde”, concluiu.
Alan finaliza que “outra questão é o avanço científico obtido com esse trabalho, que envolveu pesquisadores de 16 países. O mapeamento genético estrutural completo do Coffea arabica abre caminhos para que outras espécies, ainda mais complexas do ponto de vista genético, possam também ser sequenciadas”.