Quem destrói as matas ciliares não destrói apenas a vegetação. Acaba com a biodiversidade. A começar pelos sapos, rãs e pererecas da Mata Atlântica, que dependem da água para procriar. A conclusão é objeto de um artigo de Ricardo Zorzetto e Maria Guimarães, na revista Pesquisa da FAPESP. Bastam 100 metros de descampado separando um trecho de mata e um riacho para eliminar a maioria desses batráquios.
Quando saem da floresta rumo aos riachos onde vão se reproduzir, eles têm de atravessar pastagens e plantações e se expõem ao ataque das aves, à contaminação por agrotóxico e ao sol, que resseca suas peles úmidas. Se alguns chegam à água, não conseguem voltar. O que dizer então de seus frágeis filhotes.
A pesquisa foi feita em São Luis do Paraitinga, uma das áreas em que a Mata Atlântica se encontra bem degradada. O estudo foi publicado na edição de 14.12.2007 de Science e explica o desaparecimento da maior parte dos anfíbios na cobertura vegetal litorânea do Brasil. Por que isso é importante? Porque tais animais são essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas.
O fenômeno se chama "desconexão do habitat", por destruir a ligação entre os ambientes aquáticos e terrestres indispensáveis à reprodução dos seres vivos. Seu efeito revelou-se muito mais nocivo do que outras duas formas mais conhecidas de destruição da vegetação natural identificadas na década de 1960: a redução dos ambientes naturais (perda de habitat) e o isolamento de trechos de matas (fragmentação da paisagem).
Essas três expressões definem fenômenos aparentemente semelhantes causados pela derrubada da vegetação natural de uma área. Mas seus resultados são distintos. A perda de habitat diminui a área com vegetação original, elimina a biodiversidade, altera o solo e o ciclo de chuvas. A fragmentação de paisagem também é nefasta.
Espécies que necessitam de grandes áreas para sobreviver - como o muriqui, o maior macaco das Américas - não conseguem atravessar as pastagens ou plantações e permanecem em um único fragmento de mata. Imediatamente reduz-se a população e isolados nos trechos restantes, eles cruzam entre si e causam mutação genética. O resultado é a extinção da espécie.
Já a desconexão de habitat é ainda mais grave. 80% das 483 espécies de anfíbios da Mata Atlântica estão ameaçadas de extinção. Assim o raro sapo-de-chifre e também as libélulas. O drama é que as manchas de floresta da região de São Luís do Paraitinga, onde se fez o estudo, são desprovidas de cursos d'água. A análise de 60 fragmentos detectou só 3 com mais de 10 hectares em que havia ribeirões.
O projeto coordenado por Paulo Inácio de Prado, da USP, denominado "Biodiversidade e processos sociais em São Luís do Paraitinga" deve servir para gerar idéias norteadoras da preservação e recuperação do que restou de Mata Atlântica.
Uma primeira proposta é enfatizar a recuperação das matas ciliares. A vegetação que bordeja os rios é protegida pelo Código Florestal desde 1965. Mas quase 80% das matas ciliares já foram destruídas.
Por que não se investir em formação ecológica da infância e da adolescência e desenvolver projetos de recuperação através das escolas? É muito mais agradável para a criança realizar um trabalho de campo e sentir-se partícipe da regeneração, do que ouvir uma exposição pouco atraente sobre os efeitos da intervenção humana no ambiente.
Urgente, ainda, a multiplicação de reservas biológicas que compreendam o maior número possível de recursos hídricos. No ambiente já degradado, além da recomposição da mata ciliar, é preciso a criação de corredores de florestas. Em lugar de excluir a reserva florestal, sob o pífio argumento de que ela representa "cogumelos isolados de vegetação", como querem alguns ruralistas inimigos da natureza, é preciso reconectar os ambientes terrestres e aquáticos.
Se não houver conscientização rápida e contaminação benéfica de nova mentalidade, continuará o ser humano em sua missão trágica: a de eliminar as espécies. Sem lembrar que a cadeia holística significa a imprescindibilidade de toda espécie de vida para garantir aquilo que ele declara ser o valor maior - a vida humana. Um discurso divorciado da prática apenas apressará o fim das espécies. Das quais a humana não parece representar o maior exemplo de sensatez.
José Renato Nalini é desembargador do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, autor de "A Rebelião da Toga", Editora Millennium, 2006. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.