Produtores de cachaça da região de Piracicaba querem sair da informalidade e ganhar mercado
A cachaça ganhou reconhecimento no mercado internacional há cerca de cinco anos, quando o Governo Federal passou a divulgá-la no exterior como o genuíno blend brasileiro, derivado da cana-de-açúcar, diferenciando-a do rum, com quem era confundida em muitos países. Esse status, que fez aumentar o nível de exigência no preparo e oferta da bebida, normatizando desde sua qualidade química, tipo de processamento até a embalagem e o rótulo, restringiu o acesso ao mercado, retirando dele pequenos produtores sem capacidade financeira para acompanhar as exigências.
Levantamento feito em 13 municípios da região de Piracicaba no ano passado, apontou a existência de 25 produtores de cachaça. "Mas o número é muito maior", afirma a engenheira agrônoma Celina Maria Henrique Fortes, pesquisadora científica na área de agregação de valor da regional Pólo Centro Sul da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), órgão ligado à Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. "Nessa região já foram mais de 100 produtores e a grande maioria parou de fazer a cachaça por diversos motivos. Desses, 44% estão registrados, um número alto em relação a todo o Estado. Os demais (56%) são clandestinos, mas demonstram interesse em buscar informações sobre como sair dessa informalidade", disse.
Nas visitas técnicas feitas em 2006, a pesquisadora coletou amostras e fez análises químicas das cachaças, trabalho que terminou em um workshop realizado em abril deste ano, onde os produtores receberam orientações técnicas, informações sobre como conseguir registro, melhorar a qualidade do produto, conquistar novos mercados e sair da informalidade. "Meu interesse era de conhecer as cachaças e ajudá-los. Agora estamos fazendo outros projetos para continuar esse trabalho com os produtores e fazer um levantamento maior ainda, sendo que apesar de só encontrarmos 25 produtores durante a pesquisa, 67 apareceram no workshop. Da região de Capivari, por exemplo, trabalhei com apenas um produtor e apareceram cinco. Agora tenho registro, sei onde eles estão e a partir de agosto vou voltar a visitá-los", comentou.
Segundo ela, há certa resistência dos produtores em receber as visitas técnicas. "Muitos pensam que vamos fiscalizar, autuar, mas é orientação. Devolvemos as análises aos produtores e explicamos os resultados, sem custo."
Muitas das cachaças não registradas analisadas por Celina na região, possuem qualidade química, estão dentro das normas, mas faltam informação e condição financeira para os produtores entrarem legalmente no mercado, considerando o alto custo dos impostos. "Se eles não saem da informalidade, não alcançam outros mercados, ficam apenas no regional mesmo, vendendo para vizinhos, conhecidos, pelo boca a boca. Não ganhando outros mercados, os produtores não conseguem trabalhar por muito tempo, porque o valor que ganham por garrafa é muito baixo."
A pesquisadora enviou projeto de política pública para a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em parceria com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), na tentativa de obter recursos e fazer outras análises gratuitas, visando a desenvolver por meio de encontros técnicos com os produtores.
De acordo com as exigências legais, a formalização da cachaça também requer adequação do alambique, primeira grande dificuldade dos produtores, segundo a pesquisadora. "Muitos estão fora das normas porque suas produções são tradicionais, de família, passam de geração a geração, mas a acidez da cachaça é muito forte, o alambique é todo de cobre - que pode ser cancerígeno -, não tem procedimento adequado de higienização. Muitos que avaliei nunca tinham feito análises químicas de suas bebidas e alguns tinham feito, mas não conseguiam interpretar os resultados. Se não consegue vender por causa dessa dificuldade, o produtor fecha o alambique ou passa a trabalhar clandestinamente."
Uma das alternativas que vêm dando certa em outros Estados, como Minas Gerais e Bahia, é a abertura de associações de produtores de cachaça, que pode ser feita com o apoio e orientação do Sebrae. A associação regional facilitaria a obtenção de registro do produto, diminuiria custos e somaria forças para ganhar novos mercados. "Os produtores poderiam ter apenas uma engarrafadora, fazer seus rótulos na associação, conseguir melhorias com mais facilidade e ter o próprio blend, que é uma mistura de várias cachaças de vários produtores, manipulado para que tenha características boas que conquistem o mercado e pode levar o nome da associação", sugere.
Além da pamonha e da garapa (caldo de cana), Piracicaba tem seu nome associado também à produção da cachaça, bem mais forte em outras épocas. É comum turistas procurarem as tradicionais cachaças piracicabanas para levarem de presente. Na opinião da pesquisadora, a cidade deveria aproveitar um pouco mais essa "fama" e vincular a produção de cachaça ao turismo, como tem acontecido em outras regiões com resultados positivos, oferecendo políticas públicas de incentivo aos produtores e diminuindo tributos fiscais do produtor de alambique, que paga o mesmo que o produtor de coluna, mesmo tendo uma produção muito menor. "Só em Piracicaba há quatro ou cinco produtores, três somente são registrados."
Exterior
A melhor cachaça para o mercado é a que possui qualidade química. Para o consumidor, qualidade de cachaça é relativa, depende do gosto, do paladar. Geralmente elas são envelhecidas em tonéis de carvalho, mas a amburana, o amendoim, dão um gosto diferenciado e existem preferências por esses envelhecimentos. Ser transparente não quer dizer que a bebida seja envelhecida, mas que foi reservada em madeiras que não dão cor à cachaça.
A mesma cachaça de sabor adocicado que agrada numa região, pode não ser bem aceita em outra, mas o produtor reconhece seu público. As mulheres na grande maioria preferem cachaças mais adocicadas, os homens gostam de cachaças mais fortes. As ardidas, que descem raspando na garganta, tem um grau de acidez muito elevado e por isso não são boas. "Cachaça boa tem que descer suave", disse Celina.
Para ser cachaça tem ser feita só com cana, com teor alcoólico de 38 a 48 graus alcoólicos. Abaixo de 38 graus alcoólicos é o licor e as aguardentes podem ir até 54 g.a. e ainda terem sabor de banana, pitanga e outras frutas.
Os valores químicos da cachaça exigidos pelo mercado externo são bem mais baixo que os nacionais. Portanto, esse cuidado é necessário ao produtor que pretende exportar sua bebida. A Cachaça do Rei, produzida em Capivari, distante cerca de 40 quilômetros de Piracicaba, é uma das bebidas regionais prontas para a exportação.
Segundo Celina, estar dentro das normas legais é o primeiro fator que determina se uma cachaça está pronta para exportação. Outro fator, é contar com representantes que consigam abrir e ganhar esse mercado exterior para o produto. "Esse é um problema, porque muitos produtores estão em ordem, tem cachaças ótimas, mas não têm pessoas que façam a busca desse mercado para eles. Faltam vendedores especializados, que conhecem o mercado lá fora."