A dengue continua a ser um dos grandes desafios de saúde pública no Brasil, com surtos recorrentes e um número crescente de casos graves, especialmente em 2024. Em meio a esse cenário, a busca por soluções para combater a dengue é cada vez mais urgente.
A transmissão do vírus da dengue, que ocorre principalmente por meio da picada do mosquito Aedes aegypti, já afetou milhões de brasileiros ao longo dos anos. Este ano, o país registrou uma alta significativa no número de casos, colocando em alerta as autoridades de saúde e reforçando a necessidade de estratégias mais eficazes para controlar a doença.
Nesse contexto, o Instituto Butantan dá um passo importante com a solicitação à Anvisa para o registro de sua vacina (Butantan-DV https://butantan.gov.br/noticias/butantan-pede-a-anvisa-registro-da-sua-vacina-contra-a-dengue-1-a-do-mundo-em-dose-unica) tetravalente de dose única, que pode representar uma nova esperança no combate à dengue no Brasil.
O processo de aprovação da vacina agora depende da análise da Anvisa, que em 16 de dezembro de 2024 recebeu as informações de submissão contínua do produto. Essa estratégia utilizada pelo Butantan, de submissão contínua, permite que os dados sejam enviados conforme são gerados, o que facilita a análise da agência reguladora e pode acelerar o processo de aprovação.
Caso a vacina seja aprovada, o Brasil terá a capacidade de produzi-la em larga escala no próprio Instituto Butantan, o que representa uma vantagem estratégica significativa. A produção nacional garante maior controle sobre a produção e distribuição, além de permitir a vacinação de uma grande parcela da população com um imunizante desenvolvido e produzido no país.
Um diferencial muito interessante da vacina Butantan-DV é o fato dela de dose única, o que aumenta as chances de atingir uma cobertura vacinal mais ampla da população. Como qualquer esquema vacinal, o sucesso depende da adesão da população, e a necessidade de uma única dose torna a logística de vacinação mais simples e as chances de completar o ciclo de imunização, muito maiores.
Em situações em que é necessário retornar para uma dose de reforço, como ocorre com outras vacinas, muitos indivíduos não retornam ou o fazem fora do prazo estipulado, o que compromete a eficácia da imunização. Assim, a vacina de dose única tem grande importância estratégica.
A vacina Butantan-DV, além de ser de dose única, é tetravalente, ou seja, foi desenvolvida para oferecer proteção contra os quatro sorotipos do vírus da dengue (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). Isso é fundamental, pois a circulação de todos os sorotipos do vírus no Brasil torna a vacinação de múltiplos sorotipos uma necessidade para garantir a eficácia no combate à doença. O imunizante foi testado em ensaios clínicos que envolveram mais de 16 mil participantes, com idades entre 2 e 60 anos, e demonstrou resultados promissores em termos de segurança e eficácia.
Em relação à eficácia, os dados são bastante positivos. De acordo com os resultados divulgados, a vacina apresentou uma eficácia geral de 79,6% para prevenir casos sintomáticos de dengue. Para os casos mais graves, a proteção foi de 89%. O imunizante também mostrou uma eficácia prolongada, com resultados que se mantiveram consistentes por até cinco anos após a vacinação.
A eficácia contra o DENV-1 foi de 89,5%, enquanto a proteção contra o DENV-2 foi de 69,6%, o que ainda representa um nível significativo de proteção. Importante ressaltar que, devido à menor circulação dos sorotipos DENV-3 e DENV-4 durante o período dos estudos, não foi possível avaliar a eficácia para esses tipos de vírus, como demonstram os artigos publicados na revista científica New England Journal of Medicine (https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2301790) e The Lancet Infectious Diseases (https://www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(24)00376-1/fulltext).
A segurança da vacina também foi amplamente analisada e os dados mostraram que os eventos adversos graves ocorreram em proporções semelhantes entre os grupos que receberam a vacina e os que receberam o placebo. Isso reforça a segurança do imunizante, com reações adversas mais comuns, mas geralmente leves e transitórias, como dor no local da aplicação e febre baixa, sendo mais frequentes no grupo vacinado.
Em relação à aplicação da vacina, ela é recomendada para pessoas entre 2 e 60 anos de idade, pois foi testada nesse grupo. Embora não haja indicação de que ela cause problemas em outras faixas etárias, não existem dados suficientes para garantir sua segurança nos grupos fora da faixa etária de pessoas entre 2 e 60 anos.
Isso faz com que pensemos nos grupos que tem contraindicação, por exemplo gestantes e pessoas com o sistema imunológico enfraquecido. Dessa forma, gostaria de chamar atenção para o fato de que vacinas com vírus atenuados/enfraquecidos, como a Butantan-DV, geralmente não são recomendadas para esses grupos.
Embora o vírus atenuado não cause a doença em pessoas saudáveis, ele pode apresentar riscos em indivíduos imunocomprometidos, pois, nesses casos, até um vírus enfraquecido pode causar complicações. Por isso, a vacina não é indicada para essas pessoas, já que o sistema imunológico delas pode não responder adequadamente ao agente enfraquecido.
Só para que as pessoas compreendam como acontece o processo de atenuação do vírus, vamos vou fazer uma breve explicação. Historicamente, uma das maneiras de atenuar um vírus para fazer vacinas é através da passagem do vírus por diferentes sistemas, como células de animais ou ovos, o que diminui sua capacidade de replicação.
Outra técnica mais moderna é a engenharia genética, onde são feitas modificações no próprio genoma do vírus, eliminando ou modificando genes que controlam sua replicação. Isso proporciona um controle mais preciso, o que pode permitir o uso dessas vacinas em outros grupos no futuro, como gestantes ou pessoas imunocomprometidas. No entanto, para garantir maior segurança, esses estudos ainda precisam ser aprofundados.
No caso da Butantan-DV, o vírus foi atenuado geneticamente, e a vacina é tetravalente, ou seja, oferece proteção contra os quatro sorotipos da dengue. Ela foi produzida, formulada e liofilizada no Instituto Butantan, seguindo rigorosos protocolos de segurança e qualidade.
Entretanto, é importante destacar que, embora a vacina seja um avanço significativo, ela não é a única solução para o combate à dengue. Como o Aedes aegypti também transmite outras doenças, como a zika e a chikungunya, o controle do mosquito é fundamental para reduzir a incidência dessas viroses. A vacina, portanto, deve ser vista como uma das ferramentas no combate a essas doenças, mas deve ser acompanhada por políticas públicas que envolvam o controle ambiental, a eliminação de criadouros e a conscientização da população sobre as medidas preventivas.
A luta contra a dengue no Brasil, como contra muitas outras doenças infecciosas, exige o esforço contínuo da ciência, do governo e da população. Com a potencial aprovação e distribuição da vacina Butantan-DV, o país dá um passo importante na redução do impacto da dengue. Porém, como sempre, a chave para o controle da doença estará no esforço coletivo, com o engajamento de todos na prevenção, vacinação e combate ao mosquito transmissor. O Brasil ainda enfrenta grandes desafios, mas a ciência e a saúde pública estão, sem dúvida, mais preparadas para combatê-los.
*Imunologista PhD pela USP, Pós-Doutor pelo Instituto Jenner da Universidade de Oxford, Inglaterra e Pós-Doutor Sênior pelo Hospital Universitário de Bern, Suíça.
Atualmente é Coordenador de Pesquisa para o Desenvolvimento Tecnológico de Vacinas no Departamento de Infectologia e Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da USP.