O Instituto Butantan, em São Paulo, submeteu, nesta segunda-feira, o pedido de registro da vacina da dengue à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O imunizante, chamado de Butantan-DV, é o primeiro aplicado em dose única no mundo e, se aprovado, poderá ser produzido nacionalmente no instituto.
Para o infectologista e diretor do instituto, Esper Kallás, a dose "é um dos maiores avanços da saúde e da ciência na história do país e uma enorme conquista em nível internacional". Sobre a análise da agência, disse que vai "aguardar e respeitar todos os procedimentos", mas estar confiante "nos resultados que virão".
Segundo o Butantan, caso a vacina receba o sinal verde e seja incorporada no Programa Nacional de Imunizações (PNI) pelo Ministério da Saúde, o instituto poderá disponibilizar cerca de 100 milhões de doses ao governo federal nos próximos três anos -- um milhão já em 2025.
Os estudos clínicos do imunizante foram encerrados em junho após cinco anos de acompanhamento dos voluntários. Os testes envolveram 16.235 participantes, com idades de 2 a 59 anos, no Brasil. No início deste ano, os pesquisadores publicaram na revista científica The New England Journal of Medicine uma análise inicial da eficácia dois anos após a aplicação.
Os resultados mostraram que a vacina reduziu em 79,6% o risco de um caso de dengue. Essa proteção foi ainda mais alta entre aqueles que tinham histórico prévio da doença, de 89,2%, o que é importante já que o quadro de reinfecção costuma ser mais grave.
Em agosto, um monitoramento mais longo, de em média 3,7 anos depois da vacinação, foi publicado na The Lancet Infectious Diseases. Os dados mostraram que a eficácia contra a infecção se manteve elevada, em 67,3%, e ainda maior contra dengue grave e com sinais de alarme, em 89%. O imunizante também foi considerado seguro.
A dose é tetravalente, ou seja, destinada aos quatro sorotipos do vírus. No entanto, durante o período dos testes não foram detectados casos dos tipos DENV-3 e DENV-4 em circulação, logo não há como estimar a proteção contra essas linhagens específicas. Para a DENV-1 e DENV-2, que são mais comuns no Brasil, a eficácia foi de 75,8% e 59,7%, respectivamente.
EFICÁCIA SEMELHANTE À DA QDENGA
Os números mostram que a proteção de dose única desenvolvida pelo Butantan, em parceria com os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), é semelhante àquela observada com a vacina de duas doses da Takeda. O imunizante, chamado de Qdenga, foi aprovado pela Anvisa no ano passado e faz parte da atual campanha do Ministério da Saúde, inédita no país e no mundo.
Nos 12 meses após completar o esquema vacinal, a Qdenga demonstrou uma eficácia de 80,2% para evitar casos de dengue e de 90,4% para prevenir hospitalizações, segundo dados publicados na revista científica The Lancet.
O acompanhamento mais longo, de 4,5 anos, publicado no periódico The Lancet Global Health neste ano, mostrou que a eficácia também caiu com o tempo, mas permaneceu alta, assim como ocorreu com a vacina do Butantan: em 61,2% para evitar a infecção e em 84,1% para casos graves.
Os testes das duas vacinas, porém, têm suas particularidades - enquanto a do Butantan foi avaliada apenas no Brasil, a da Takeda envolveu também participantes da Colômbia, da República Dominicana, da Nicarágua, do Panamá, das Filipinas, do Sri Lanka e da Tailândia, todos países endêmicos para a dengue.
MAIS DOSES PARA O BRASIL
Caso a vacina do Butantan receba o sinal verde, ela poderá ser incorporado ao PNI e ampliar de forma considerável a oferta da proteção no país. Para isso, precisará antes passar pela análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que recomenda à pasta da Saúde a incorporação ou não do medicamento na rede pública. Quem dá a palavra final é o ministério.
A inclusão do imunizante na campanha de vacinação seria bem-vinda já que o mundo enfrenta uma alta sem precedentes da dengue. No Brasil, país que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) concentra a maioria dos casos, já são 6,6 milhões de infecções e 5,9 mil mortes em 2024, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
Até então, o ano com mais casos de dengue no país havia sido 2015, quando foram registrados 1,69 milhão de infecções, e o com mais vítimas fatais 2023, quando 1.179 pessoas morreram no Brasil, segundo a série histórica e o painel de monitoramento de arboviroses, ambos da pasta da Saúde.
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Em março, o país deu início à primeira campanha de vacinação contra a arbovirose do mundo. No entanto, a Takeda, farmacêutica responsável pela única dose aprovada até agora, conseguiu fornecer somente 6,6 milhões de doses para o governo brasileiro em 2024, o máximo devido à sua capacidade de produção limitada.
O número é suficiente para proteger somente 3,3 milhões de brasileiros. Por isso, a campanha na rede pública é direcionada a jovens de 10 a 14 anos de determinados municípios selecionados por critérios como alta incidência e disseminação de dengue. A Qdenga é aprovada para uso no Brasil de 4 a 60 anos.
Para o ano que vem, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou em setembro que são esperadas mais 9 milhões de doses. Devido à limitação, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) submeteu ao ministério, em outubro, um pedido para a realização de um acordo de transferência de tecnologia com a Takeda.
O processo tem como objetivo permitir a produção nacional do imunizante japonês no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fiocruz (Bio-Manguinhos), ampliando o número de vacinas disponíveis para a campanha no Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, pela vacina do Butantan já estar na fase final dos testes clínicos na época, a Anvisa adotou, em fevereiro, um procedimento de submissão contínua para avaliar o dossiê técnico com os dados e demais requisitos para a aprovação da dose no país.
O modelo foi criado pela agência durante a pandemia de Covid-19 e permite que o laboratório apresente dados e documentos em etapas, à medida que o trabalho de pesquisa e desenvolvimento vai sendo realizado.