Pesquisadores do Instituto Butantan, localizado em São Paulo, criaram um método inovador para detectar a leptospirose em seus estágios iniciais, que apresentou maior efetividade em relação ao tradicional teste. Em experimentos preliminares, essa novidade conseguiu estabelecer a identificação da enfermidade em mais de 70% dos pacientes, logo nos primeiros sintomas. Por sua vez, os convencionais testes falharam e apresentaram resultados negativos, que não puderam detectar a infecção.
A solicitação da patente do novo diagnóstico foi realizada em março do último ano e, recentemente, os pesquisadores divulgaram na revista científica Tropical Medicine and Infectious Disease um relatório detalhando seu potencial.
Segundo dados do Ministério da Saúde, a leptospirose é uma enfermidade que se propaga através da exposição direta ou indireta (tal como por intermédio da água poluída) à urina de animais portadores da bactéria Leptospira, especialmente de ratos.
O microorganismo adentra o corpo do indivíduo através de feridas na pele e desencadeia os sintomas, os quais podem aparecer entre um e trinta dias após a contaminação. A presença da bactéria resulta em uma síndrome febril intensa e crítica, com um índice de mortalidade que oscila de 10% a 70% nos casos mais severos.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a leptospirose é amplamente subestimada e ignorada. Acredita-se que haja cerca de 500 mil novos casos ocorrendo anualmente.
A enfermidade ocorre com frequência em regiões que possuem sistemas sanitários deficientes e desfrutam de populações de roedores infectados com a bactéria. A disseminação do microrganismo no meio ambiente é favorecida por ocorrências como enchentes, o que pode resultar em surtos da doença.
Recentemente, o caso de um motorista de caminhão de 53 anos, que contraiu a doença após ingerir uma manga poluída caída no chão, tornou-se de ampla divulgação. Roberto Luis de Lima adquiriu sintomas como febre, desconforto muscular e enjoo e sofreu um quadro crítico da enfermidade: ele foi internado por quase vinte dias, sofreu disfunção em um dos rins e precisou se submeter à hemodiálise. "Eu não sobrevivi apenas por causa de alguma intervenção divina", afirmou em redes sociais.
Novo Teste: Como Ele Funciona?
Enfrentar uma doença traz um desafio significativo de conseguir um diagnóstico rápido, a fim de otimizar o tratamento para ser eficaz. Para ilustrar, o exemplo de Roberto é evidente, pois ele só buscou ajuda médica 10 dias após o início dos sintomas. O pesquisador do Butantan e autor principal da pesquisa acerca do novo teste, Luis Guilherme Virgílio Fernandes, esclarece que a estratégia atual enfrenta algumas limitações.
Uma barreira que impede a sua realização é a sua longa demora e a sua complexidade, já que demanda a criação e manutenção de um vasto acervo de bactérias Leptospiras vivas, além de um conhecimento técnico altamente específico por parte dos responsáveis pela realização do teste no paciente. Em razão disso, o exame só é executado em laboratórios de excelência, o que restringe o alcance.
De acordo com o especialista em uma entrevista para o site do instituto, na forma típica de verificação, denominada de MAT, o soro do doente é injetado junto a Leptospiras vivas, que se agrupam no momento em que há a presença de anticorpos (situação positiva). No entanto, há um contratempo: o pacientes leva mais de 10 dias para gerar tais substâncias aglutinantes, dificultando a detecção inicial da enfermidade.
Porém, uma novidade em progresso no Butantan tem potencial para alterar esse panorama. Isso porque o teste recém-criado pelo grupo de pesquisa liderado pela cientista Ana Lucia Tabet Oller Nascimento, do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do instituto, emprega uma proteína sintética chamada rChi2, ao invés das bactérias vivas.
Os especialistas denominam como quimérica recombinante a proteína obtida pela fusão de segmentos pertencentes às dez principais proteínas localizadas na superfície da Leptospira. Essas moléculas são percebidas pelo sistema imunológico, auxiliando na produção de anticorpos contra a bactéria.
Ao analisar o soro de pessoas infectadas, a proteína foi prontamente identificada por diversas substâncias que combatem doenças. Esse resultado diferiu do método anterior devido à possibilidade de observar não somente a reação das defesas presentes na fase em que os anticorpos aglutinantes se unem às bactérias, mas também da fase inicial da contaminação.
A utilidade da alteração na estratégia foi detectada na prática. Em testes realizados com doentes no começo da doença, nos quais a avaliação MAT obteve uma conclusão contrária, a recente metodologia reconheceu a contaminação em 75% dos casos. No estágio de recuperação, este número aumentou para cerca de 82% das amostras analisadas.
Uma vantagem adicional é que ele exibiu uma especificidade de 99%, ou seja, ele só detecta os anticorpos específicos da leptospirose e não gera interferências em outras enfermidades transmissíveis, como dengue, malária e HIV, o que pode dificultar a avaliação médica.
O objetivo atual é criar um exame rápido capaz de detectar rapidamente a doença, assim como aqueles que são feitos para Covid-19 em farmácias e postos de saúde. A coleta da amostra, como explicam os cientistas, pode ser realizada através de sangue ou urina.
No entanto, por ora, Ana Lucia, pesquisadora do Butantan, salienta que é fundamental manter a realização do teste padrão, uma vez que tem relevância epidemiológica. Isso se dá em razão da presença de culturas de diversas cepas de bactérias do gênero Leptospira, o que auxilia na identificação daquele que está em maior circulação ou que é responsável por surtos epidêmicos. A fim de esclarecer a questão, a pesquisadora elucidou que existem mais de 200 sorotipos de Leptospira patogênicas, ou seja, aquelas que causam doenças.