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Agência C&T (MCTI)

Busca da eficiência une governo e empresários

Publicado em 01 maio 2008

A combinação de ações do poder público e da iniciativa privada ao longo dos últimos 40 anos respalda o alto grau de desenvolvimento alcançado pelo etanol no Brasil. Não é pouco. O país produz atualmente cerca de 23 bilhões de litros de álcool combustível, que abastecem mais de 90% dos automóveis fabricados pela indústria brasileira, com tecnologia fiex fuel ou biocombustíveis.

“Na verdade, nós tivemos dois centros de pesquisa e desenvolvimento para a cana-de-açúcar no Brasil, criados a partir do fim da década de 70.O primeiro grande centro foi mantido pelo setor privado, que resultou no atual Centro de Tecnologia Canavieira (CTC). E o outro, bancado pelo governo federal, através do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), foi o Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar (Planalsucar).

“Os dois programas combinados, da iniciativa privada e do governo, alavancaram toda a capacidade e a competitividade que o país tem hoje na questão do açúcar e do álcool”, avalia Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica, entidade que reúne os principais produtores nacionais de açúcar e álcool. Segundo ele, esses dois centros permitiram que o Brasil saísse de pouco mais de 3 mil litros de álcool por hectare, no fim do anos 70, para mais de 7 mil litros de álcool por hectare atualmente. “Isso é fruto do desenvolvimento de novas variedades, mais ricas em termos de açúcar, de maior produtividade de cana por hectare”, afirma.

A história da produção de açúcar e álcool, sem dúvida, é exemplar no que toca ao desenvolvimento de esforços conjuntos para melhoria da produção de urna das mais tradicionais culturas do país e da busca de fontes alternativas de energia para reduzir dependências históricas. É uma história de sucessos e retrocessos, mas persistente, como relata Jaime Finguerut, gerente de desenvolvimento estratégico do Centro de Tecnologia Canavieira.

“O Brasil teve poucos recursos para pesquisa e desenvolvimento, mas sempre procurou trazer e criar a melhor tecnologia disponível. Elas foram adaptadas às nossas condições, que são diferentes das de outros países. Houve um trabalho sempre muito forte de engenharia em busca da eficiência e da produtividade”, diz ele.

Segundo Finguerut, o trabalho do CTC foi antecedido pelo IAA, fundado na década de 30, controlado pelo governo federal, voltado especificamente para a comercialização do açúcar e do álcool. “O IAA teve um papel muito importante de agregar pesquisas e deu seqüência a instalações de tecnologia no setor. Pouca gente sabe que o Brasil foi um dos primeiros a utilizar uma tecnologia de fermentação baseada no reúso da levedura. Batizada de tecnologia de Melle-Boinot, ela foi desenvolvida nas usinas de Melie, na França, que depois deram origem à Rhodia”, conta ele.

Apesar da indústria açucareira e alcooleira nacional ser totalmente regulamentada pelo governo, no fim dos anos 60, a Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar) decidiu montar, por conta própria, um importante programa de melhoramento genético da cana-de-açúcar, incorporando urna estação experimental de pesquisas, a Cooperativa dos Usineiros do Oeste do Estado de São Paulo (Copereste), que funcionava desde 1953 no município de Dumont, na região de Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo.

Em 1970, já haviam sido produzidas 400 mil mudas de sementes verdadeiras, provenientes de cruzamentos. Foi um trabalho de muita cooperação, com outras instituições, como a também então recém-criada Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Esse programa foi substituído pelo GTC, cujos laboratórios funcionavam nas instalações da Copersucar, em Piracicaba, no interior de São Paulo.

Em paralelo, em 1971, o IAA lançou o seu Planalsucar, criando um centro de desenvolvimento e pesquisas de variedades de cana, sediada em Piracicaba, mas com abrangência nacional, através de coordenadorias instaladas em Maceió (Alagoas), Recife (Pernambuco), Campos (Rio

de Janeiro) e Araras (São Paulo). Em 1972, o Planalsucar passou a fazer parte do Plano Nacional de Desenvolvirnento, através do Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Sistema Setorial de Ciência e Tecnologia, do Ministério da Indústria e do Comércio.

Até a extinção do IAA, em 1990, o programa produziu 2 milhões de mudas de sementes variadas de cana anualmente. Todo o acervo técnico das suas estações experimentais foi mais tarde incorporado pelas universidades públicas do país, que continuam esse trabalho. Urna parte do Planalsucar foi absorvida pela Rede Interuniversitária para o Desenvolvi mento Sucroalcooleiro (Ridesa).

A criação do Proálcool, em 1975, contribuiu para acelerar a expansão do setor sucroalcooleiro. O plano partiu da necessidade absoluta do governo federal, que não tinha re cursos para bancar o petróleo que o país consumia, cujas importações foram abaladas pelo primeiro choque de preços internacionais, em 1973. Mas serviu para estimular a produção de álcool dentro de uma perspectiva de combustíveis renováveis. “O Proálcool só foi possível porque o setor sucroalcooleiro já tinha uma boa base técnica”, comenta Finguerut. “O IAA criou o Funprosu car para financiar a ampliação da capacidade de produção, resolver gargalos nas usinas e reformar os canaviais com as novas variedades. E os engenheiros do CTC forneceram tecnologias aos associados e criaram soluções que depois foram apropriadas pela indústria açucareira do país”, diz ele.

Nessa fase, a produção do etanol cresceu bastante: saiu de 600 milhões de litros em 1975 para 3,6 bilhões de litros em 1980. E os primeiros carros movidos totalmente a álcool no Brasil surgiram em 1978. “Tivemos ganhos significativos nesse período, que foi importante para o Brasil do ponto de vista do desenvolvimento da pesquisa pública e privada”, diz Frederico Durães, chefe-geral da Embrapa Agroenergia, que começou suas atividades na mesma época em que se iniciava o Proálcool.

A empresa assumiu as ações do antigo Departamento Nacional de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, e montou a lógica de expansão das atividades de pesquisas para todo o pais, através da criação de centros de recursos (Cerrado, Pantanal etc.), centro de produtos (soja, milho, trigo, sorgo etc.) ecentros temáticos (recursos energéticos e biotecnologia). “Mas nosso objetivo, mais do que concorrer com as instituições de pesquisa privada ou pública existentes, foi lançar a competência da Embrapa para fazer alianças estratégicas com os centros de tecnologia nos programas de melhoramentos das variedades de cana”, explica Durães.

Segundo ele, a Embrapa avançou muito na área de recursos energéticos e biotecnologia, se colocando como player importante para contribuir no esforço multiprivado do país para ampliar a variedade de cana em novas áreas cultivadas. “Na segunda fase do Proálcool, de 1980 até 1986, o país aumentou três vezes mais a área plantada de cana- de-açúcar e aumentou a produção do etanol”, diz ele. Nessa época, vários produtos passaram a ser utilizados de maneira mais intensiva no Brasil. Com o desenvolvimento das moendas, por exemplo, as usinas aumentaram sua eficiência de 90% para 97% e mais do que dobraram a sua produtividade. Os processos de fermentação levaram a produção de álcool a partir dos açúcares a níveis de eficiência de 82% para 92%, dobrando também a produtividade. Ou seja, com os mesmos equipamentos e o mesmo consumo de energia, as usinas produziam o dobro do álcool.

O cenário foi estimulante para as pesquisas da CTC, que, a partir de 1979, passou a lançar duas variedades de cana por ano. Hoje, diz Finguerut, são mais de 50 variedades, que permitem o crescimento da produtividade em 2% ao ano e levam a uma redução expressiva de custos. “Com os avanços nos campos da variedade, identificação de melhores locais para o cultivo, as moendas e as tecnologias de fermentação, o Brasil se transformou no país com açúcar e álcool mais barato e sustentável do mundo”, destaca. O CTC, igualmente, cresceu: deixou de pertencer a um grupo de usinas cooperadas da Copersucar e passou a ser financiado por usineiros de todo o país. Hoje são 174 associados (entre produtores de cana e também de açúcar e álcool), que respondem por cerca de 60% da produção brasileira.

Mesmo com o período de retração e indefinição do Proálcool, nos anos de 1986 a 1995, o desenvolvimento do etanol não perdeu o bonde da história. A partir de 1997, com a liberação do mercado do açúcar e do álcool, o desenvolvimento ganhou um novo alento, já com lastro das pesquisas realizadas pelas instituições públicas e privadas.

“O setor sucroalcooleiro entendeu que as variações de preços internacionais de açúcar não davam ganho por si só e investiram na construção de uma plataforma para expansão do etanol, o que, para os usineiros, foi algo muito bom”, diz Durães, da Embrapa. “Podemos dizer que as dificuldades do Proálcool aceleraram o processo de modernização da produção de açúcar e álcool no Brasil. É importante dizer que o país está nessa posição de liderança no etanol não simplesmente por causa do bom clima, da mão-de-obra ou de terras para produção da cana, mas, sim, pelas tecnologias desenvolvidas ao longo dos últimos anos”, enfatiza Finguerut.

Pádua, da Unica, ressalta a contribuição expressiva das indústrias de bens de capital para o desenvolvimento do etanol. “As indústrias de máquinas, tratores, colheitadeiras, caminhões, em conjunto com muitas usinas, desenvolveram e aprimoraram tecnologias de transporte, colheita e plantio.  Os fabricantes de fertilizantes, herbicidas e inseticidas também desenvolveram muitos estudos em parceria com as usinas para melhorar a performance dos produtos. Um exemplo é o da Dedini S.A. Indústrias de Base, que atua no setor de bens de capital sob encomenda, que em associação com o CTC está avançando nas pesquisas para conversão da celulose do bagaço da cana em açúcar adicional na produção de álcool.

A empresa desenvolve, igualmente, estudos voltados ao aperfeiçoamento de tecnologias industriais para a transformação da cana em etanol junto com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com investimentos da ordem de R$ 100 milhões. “Enfim, se somarmos o que estamos fazendo com a produção da cana-de-açúcar, com o uso do bagaço na produção de geração de energia para se fazer açúcar e álcool, mais a energia que é vendida, e mais o álcool que é consumido para fins energéticos, o Brasil tem hoje a maior participação de energia renovável em todas as matrizes energéticas no mundo”, diz Pádua.