São Paulo - Cientistas que estudam a biodiversidade brasileira estão com suas pesquisas prejudicadas há mais de dois anos pela medida provisória que regulamenta o acesso aos recursos genéticos da flora e fauna no País. A MP 2.186-16 tem como objetivo evitar a biopirataria e o uso comercial indevido das informações genéticas contidas em animais e plantas e no conhecimento tradicional de povos indígenas.
O problema é que a legislação não faz distinção entre a pesquisa acadêmica e a comercial. As regras - e pior de tudo, a burocracia - são iguais para todo mundo.
Em moção enviada ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) e lideranças nas áreas de ciência e meio ambiente em Brasília, pesquisadores do projeto Biota-Fapesp pedem que a lei seja modificada para diferenciar os dois tipos de pesquisa. "Em seu formato, atual a legislação não coíbe a exploração comercial por grandes grupos privados, pois as instituições privadas que têm interesses comerciais poderão, certamente, arcar com o custo (das) exigências da lei", escrevem os cientistas. "Entretanto, ela cria entraves para uma das atividades mais relevantes e urgentes para o País. que é o aumento do conhecimento científico de nossa biodiversidade."
De acordo com a MP, qualquer coleta de material biológico - seja uma folha, uma árvore ou um peixe - para projetos que envolvam pesquisa genética (molecular) deve ser autorizada pelo CGEN ou outra instituição cadastrada, atendendo a uma série de exigências burocráticas. A biologia molecular, entretanto, é prática comum em pesquisas de biodiversidade para a descrição e classificação de espécies. A proposta da moção é que as permissões sejam emitidas pelas agências federais e estaduais de fomento, em vez do CGEN, mediante um Termo de Responsabilidade firmado com os pesquisadores. Caso surjam perspectivas de aplicação comercial dentro dos projetos, isso deverá ser comunicado à agência de fomento e ao CGEN para a tramitação apropriada.
"É uma questão de confiabilidade no pesquisador", diz a vice-diretora do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, Eliana Cancello. "A burocracia, do jeito que está, é impraticável." Para o coordenador do Biota, Carlos Joly, as agencias de fomento, como Fapesp e Finep, estão muito mais capacitadas para fazer essa diferenciação. "Não somos contra a legislação de forma alguma; o problema é sua aplicação."
Muitos projetos financiados com dinheiro público, como os do Biota, que está mapeando toda a biodiversidade do Estado de São Paulo, já foram interrompidos ou até perdidos por causa de incertezas na legislação.
O CGEN informou que a moção será discutida na próxima reunião do conselho, no dia 19.
Notícia
A Folha (São Carlos, SP)