Notícia

Correio do Estado (Campo Grande, MS)

Broca reduz a dor no tratamento dentário

Publicado em 14 junho 2006

O físico Wladimir Jesus Trava Airoldi sempre quis que suas pesquisas no Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe)tivessem resultados práticos, dos quais o cidadão comum pudesse desfrutar no dia a dia. Especializado em diamante artificial, feito em laboratório, Airoldi atingiu seu objetivo ao participar da criação de uma broca odontológica de ultrassom com ponta de diamante. "É uma quebra de paradigma, e vamos mudar a odontologia no mundo."
A nova broca, que já é utilizada por cerca de 3 mil dentistas, e foi exportada para Israel, México, Portugal, Itália e França, tem como características reduzir a dor (a ponto de dispensar a anestesia em certos casos), eliminar o barulho, não ferir a gengiva e permitir maior visibilidade ao dentista.
As pesquisas que levaram à broca começaram em 1995, com a criação do projeto Dimare (Diamantes e Materiais Relacionados)no Inpe, um grupo de 12 doutores e 10 mestres, voltado a aplicações práticas e industriais de tecnologias criadas para uso espacial. Airoldi, que é físico pela USP, com doutorado no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), fez pós-doutorado na Nasa de 1989 a 1990, e ficou impressionado com o foco americano em transformar pesquisas em negócios.
A possibilidade de aplicações odontológicas surgiu quando, no processo de desenvolvimento de lubrificantes sólidos para a área espacial (onde busca-se o diamante o mais liso possível), o grupo de cientistas do Dimare percebeu que teria condições de obter um resultado inverso - uma superfície de diamante extremamente rugosa. O primeiro passo foi fabricar uma broca de rotação na qual o diamante com superfície rugosa era criado na ponta giratória da haste metálica. No método tradicional, a ponta recebe uma aplicação de diamante em pó.
Mas a grande revolução veio quando o grupo de cientistas notou que a aderência do diamante criado na haste era fortíssima. Daí veio a idéia de fazer o mesmo com broca odontológica de ultrassom que, convencionalmente, não tem diamante, já que não há como mantê-lo preso à haste com a vibração de 30 mil vezes por segundo.
As brocas de ultrassom convencionais são usadas apenas para a limpeza dentária, já que, por não ter diamante, não podem ser utilizadas para tratamentos de cáries e outros que envolvam cortar os dentes. Com o sucesso do grupo do Dimare em colocar o diamante na ponta da broca de ultrassom, ela passou a ser empregada para tratamento cavitário, causando menos dor, reduzindo a anestesia, eliminando o ruído desagrável e os sangramentos e aumentando a visibilidade do dentista (ponta da broca não é encoberta pelo motor que produz a rotação).
As pesquisas iniciais do Dimare com o emprego do diamante artificial na odontologia aconteceram em 1998 e, em 2003, a broca de ultrassom foi lançada no mercado. Os cientistas criaram para isso uma empresa, a Clorovale Diamantes, com uma fábrica em São José dos Campos, onde fica também o Inpe. Eles fecharam um acordo de transferência tecnológica com o Inpe e receberam aportes de R$ 150 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e de R$ 650 mil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
A disseminação da nova broca, porém, dependia essencialmente de um trabalho de convencimento da comunidade odontológica, feito por meio de indução à sua adoção por professores nas principais escolas de odontologia de São Paulo, da participação em feiras e congressos, de artigos em publicações científicas, etc. Os sócios da Clorovale iniciaram este trabalho, mas acabaram concluindo que, como cientistas, precisavam de apoio de sócios capitalistas especializados em transformar inovação em lucros.
O controle da empresa foi adquirido pelo fundo americano Aurora Ventures, com um programa de aporte de recursos de US$ 1 milhão em dois anos. O fundo já tinha no Brasil a Bionnovation, fábrica de implantes odontológicos e biomateriais para odontologia em Bauru.
Segundo Bento Bravo, o executivo hoje à frente tanto da CVC Vale (novo nome da Clorovale) quanto da Bionnovation, o faturamento atual da CVD Vale é de US$ 1 milhão, e o potencial é de chegar a US$ 20 milhões, com 50% de exportações, para América Latina, Estados Unidos e Europa. A empresa já tem um processo de patente mundial encaminhado nos Estados Unidos. "A tecnologia é muito interessante, tem vantagens óbvias, mas cabe a nós convencer todos os dentistas", diz Bento Bravo, resumindo sua tarefa empresarial.