Vários trabalhos caracterizam bem o que é uma vila na cidade de São Paulo. Apesar de haver outras definições encontradas por Solange Aragão (FAUUSP, 2000), a que melhor explica nosso objeto de estudo em seu trabalho é: conjunto de casas de mesma arquitetura implantada no interior de um terreno, conformando ruas e pátios. A lei municipal 10.015/85 define vila como um conjunto de pequenas habitações independentes, em geral idênticas, e dispostas de modo que formem rua ou praça interior, por via de regra sem caráter de logradouro público. A Lei de Vilas define o tipo como conjunto constituído por unidades habitacionais isoladas, agrupadas, geminadas ou sobrepostas em condomínio.
Devemos ter cuidado ao utilizar tais definições, pois referem-se à produção de um determinado período, compreendido entre 1937 e 1968, como veremos adiante. Existe um período anterior, das vilas operárias, quando os conjuntos eram produzidos em dimensões maiores, próximas a indústrias, e às vezes incluíam comércio, serviços, escolas e outros equipamentos. Neste primeiro período, as vilas criavam vias públicas de circulação (vide como ótimo exemplo a Vila Maria Zélia).
As vilas do terceiro período, viabilizadas pela lei municipal 11.605/1994 (Lei de Vilas), apresentam características distintas das produzidas em épocas anteriores, mas possuem a mesma estrutura física (casas reproduzidas várias vezes, dimensões relativamente pequenas, conformação de áreas coletivas internas) e fundiária (um único lote não dividido).
O tipo vila construído após a lei de 1994, por seguir o modelo de loteamento fechado, não tem mais a pequena rua de acesso às casas do interior da quadra, e a transição entre o espaço público da rua e o interior da vila é abrupto, via de regra com muros e guaritas. São constituídas em regime de condomínio e produzidas por incorporadoras imobiliárias.
Primeiro período: as vilas operárias
No final do século XIX, São Paulo vivia um surto de industrialização patrocinado pela indústria cafeeira, e a demanda por habitação foi incrementada pelo grande contingente de trabalhadores imigrantes que chegavam à cidade. Este cenário tornou a construção de casas para aluguel um negócio muito atraente, e casas precárias eram facilmente alugadas. Novos conjuntos de habitações insalubres eram construídos para suprir uma demanda que não parava de crescer. A cidade não estava preparada para receber, além de imigrantes, os que vinham de regiões próximas em busca de emprego. A oferta de moradias e a infraestrutura instalada estavam atrasadas em relação à velocidade de produção da cidade, que entre 1886 e 1900 vivenciou o seu crescimento mais vertiginoso – multiplicou por cinco sua população.
No final do século 19 surgiram as mútuas, companhias privadas que administravam carteiras previdenciárias. Fundos desse tipo sempre buscaram investimentos seguros, e o fato dessas mútuas terem financiado a construção de moradias para aluguel demonstra o baixo risco que tinham estes empreendimentos na época. Estas sociedades foram responsáveis pela construção de muitas vilas para aluguel. O ambiente era propício para o investimento, mesmo naqueles com péssimas condições de habitabilidade, como os cortiços. Estes últimos se apresentavam com diversos desenhos, a ponto de às vezes ser difícil distinguir um cortiço de uma vila. Ainda assim, havia uma tipologia predominante com corredor lateral de acesso a diversas unidades habitacionais que muitas vezes eram apenas cubículos. Era comum haver apenas uma latrina de uso coletivo e uma área para lavagem de roupas. Fogareiros ficavam às portas ou no cômodo dos fundos, e era recorrente que não possuíssem janelas para o exterior. Às vezes possuíam estabelecimentos comerciais no alinhamento da rua. A exiguidade dos ambientes internos induziam a permanência maior em áreas externas, e em consequência, o convívio mais intenso entre vizinhos.
As péssimas condições de moradia influenciaram negativamente a saúde de seus ocupantes, de modo que antes da virada do século epidemias se alastraram rapidamente pela cidade e começaram a fazer parte das preocupações das autoridades, as quais viam como problema central de saúde pública as condições higiênicas das habitações proletárias.
Em 1894 foi publicado o Relatório da Comissão de Exame e Inspecção das Habitações Operárias e Cortiços no Districto de Santa Ephigênia, apresentando resultados de levantamento feito neste bairro, o qual foi escolhido por ter sido muito atingido pela epidemia de febre amarela em 1893, e por ser também habitado pela classe média e pela burguesia cafeeira, além de estar próximo à região dos Campos Elísios, muito valorizada na época. Este documento foi o primeiro a retratar as condições de vida nas precárias moradias operárias da época, e teve grande efeito em posteriores ações do poder público, que agiu de forma rigorosa no combate às epidemias, invadindo, demolindo, interditando, queimando casas e até prendendo cidadãos, mas sem investir diretamente em habitação para a população de baixa renda. Mesmo o combate veemente a qualquer epidemia interferindo em domínios das habitações era um avanço para um Estado que relutava em interferir na esfera privada.
Um dos principais efeitos deste Relatório, além do Código Sanitário de 1894 (estadual), foi a criação de incentivos fiscais para a construção de casas salubres e “higiênicas”, desde que estivessem fora do “perímetro do comércio”, o que vinha a ser interessante para higienistas, poder público e empreendedores. Estes incentivos beneficiaram mais os empreendedores que os moradores destas casas, muitas vezes em vilas. Além disso, nem todo trabalhador teria condições financeiras de alugar uma casa “higiênica”.
Benefícios fiscais foram concedidos e aumentaram a rentabilidade de habitação para aluguel. Tais incentivos tinham três objetivos principais:
resolver o problema das epidemias ocupar os vazios urbanos favorecer alguns empreendedores
Em 1916, o prefeito Washington Luiz promoveu um concurso de projetos de “casas proletárias econômicas destinadas à habitação de uma só família”, com a intenção de estimular a produção deste tipo de conjunto de casas proletárias. O resultado esperado acabou não se concretizando principalmente em função do padrão superior das propostas apresentadas.
Provavelmente estes incentivos não influenciaram diretamente as vilas de classe média que surgiam nas regiões próximas ao centro, como as próximas à Praça da República, à estação da Luz e à avenida Higienópolis. Porém, indiretamente ajudaram a divulgar a idéia das vilas e da tipologia de casas pequenas e semelhantes dentro de um terreno ou quarteirão ao redor de pátios e ruas, com baixo custo de construção e bom retorno financeiro, além de possuir melhor qualidade ambiental que os cortiços.
Naquela época, o que caracterizava uma vila, para efeitos de incentivos fiscais, era cada unidade habitacional possuir sua própria latrina, e a sobreposição de funções não ser tão intensa quanto à dos cortiços, uma vez que uma unidade mínima possuía local para repouso, para estar e para preparo dos alimentos.
Quando possível, muitos proprietários de cortiços instalaram latrinas no fundo de cada unidade, o que alterava a categoria do conjunto para vila e poderiam assim aumentar os aluguéis. Apesar do termo “vila” também ser socialmente estigmatizado, não tinha uma imagem tão ruim quanto a dos cortiços. É importante salientar que cortiço e vila não resumiam tipologias bem definidas, pois entre a melhor vila e o pior cortiço havia um grande gradiente de exemplares dos mais variados, de forma que era até difícil classificar alguns conjuntos entre um e outro.
Havia dois tipos bem definidos de vilas operárias: as rentistas, produzidas por empreendedores privados para aluguel e as vilas de empresas, construídas por indústrias para seus empregados. As chamadas vilas de empresas eram conjuntos situados em grandes terrenos ou quarteirões, usualmente próximas a grandes fábricas. Apenas os operários destas fábricas e suas famílias poderiam habitá-las, e mesmo assim tinham prioridade os operários de manutenção, que poderiam ser chamados a qualquer momento para sanar eventuais emergências. O principal objetivo destas vilas era reduzir o custo de reprodução da força de trabalho (Blay, 1985:14). As empresas costumavam cobrar aluguel, ainda que abaixo do valor de mercado, e descontado diretamente do salário do operário.
Segundo período: as vilas de classe média de meados do século XX
A lucratividade deste tipo de empreendimento, ampliada pelo baixo preço dos terrenos mais afastados, começou a atrair investidores (industriais, empresários e pequenos investidores) que passaram a se interessar em produzir vilas, muitas delas destinadas à classe média, ou seja, assalariados de baixa renda, profissionais liberais, militares em início de carreira, etc. (ESHER, 1998: 40). As vilas destinadas à classe média apresentavam algumas diferenças em relação às mais populares: em geral, possuíam cômodos maiores, banheiro dentro da residência e ficavam mais distantes das indústrias, pois não eram habitadas por operários e seus proprietários não eram industriais. Algumas tinham sala de jantar, edícula no quintal com banheiro e até dormitório de empregada. Possuíam também maior preocupação com a unidade visual das fachadas e algumas são cópias nacionais do ecletismo europeu (ARAGÃO, 2000:15).
Cabe aqui explicar que as primeiras vilas foram muitas vezes construídas em terrenos menores nos interiores dos quarteirões, seguindo o modelo espacial de cortiços, que ao ocuparem estes miolos de quadra influenciaram a forma das vilas (LEMOS, 1996:60 apud Aragão, 2000:9).
Tratando-se de vilas dentro da cidade de São Paulo, o período de análise resume-se ao compreendido entre aproximadamente 1880 (industrialização) e hoje. Entre 1890 e 1937, a maior parte das vilas era destinada aos operários, localizadas próximas às indústrias, conforme observado por Solange Aragão (2000:15) em análise da Planta Sara-Brasil, de 1930. Este cenário viria a se inverter nas décadas seguintes. Entre 1937 e 1968, houve uma grande disseminação pela cidade do modelo de vila para a classe média, cada vez mais afastada do centro da cidade. Havia três diferenças básicas entre as vilas operárias e as de classe média: a) localização espacial; b) tipo de morador (operário e não operário); e c) tipo de proprietário (as vilas de classe média eram de particulares não-indústrias) (ARAGÃO, 2000:14-16). Na década de 1940 houve políticas de incentivo à ocupação das periferias, pois acreditava-se que comprando terreno barato, a população de menor renda teria condições de construir casas “salubres”, seguindo o modelo considerado adequado para habitação pelos higienistas e sanitaristas – a casa isolada no lote. Difundia-se assim, uma ideologia da casa própria afastada do centro, e para isso se realizar, o poder público investiu em transporte e criou a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC). A explosão do número de loteamentos periféricos executados sem o devido planejamento e cuidado produziu grandes regiões de baixa qualidade urbanística.
Havia também na cidade uma clara influência dos modelos de cidade-jardim e subúrbio-jardim ingleses. É bom recordar que Barry Parker, idealizador de várias cidades jardins inglesas junto com Raymond Unwin, estava em São Paulo a serviço da City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited, desenvolvendo bairros-jardim como Pacaembu, Jardim América e Alto da Lapa. Naquela década, o ônibus atingiu áreas mais distantes, onde o valor da terra ainda era baixo, surgindo então loteamentos periféricos populares onde a construção era mais barata. Esta expansão urbana deixou vazios, muitos deles dentro das quadras, sobras de seu parcelamento. Quando isto acontecia em bairros de classe média, quase sempre havia interesse em aproveitá-los.
Um imóvel de frente para a via oficial tinha mais valor que os de miolo de quadra, o que atraiu pequenos e médios investidores a construir vilas para a classe média. As casas de frente para a rua eram chamadas de “habitação residencial” e as de fundo, de “habitações populares”.
O Código de Obras Arthur Saboya (1934-1968) permitia abertura de passagens com largura mínima de 4 metros, desde que com declividade inferior a 15%, e menos de 200 metros de comprimento em loteamentos de casas de caráter “essencialmente popular”. Estas vias poderiam atravessar a quadra, porém em qualquer caso teriam que ter uma praça de manobra de veículos no final (no caso de ruas sem saída) ou no meio (no caso de ruas que atravessavam o quarteirão), e seu uso seria restrito aos usuários das casas daquela rua. Deveria haver ainda, em 5% da área subdividida, áreas ajardinadas. Junto ao pedido de abertura destas pequenas ruas deveria ser apresentado o projeto das casas. A partir deste momento, muitas vilas passam a ser aprovadas como abertura de passagens, assim como vielas, ruas sem saída ou outras formas de ocupação de interiores de quadras ou porções de terrenos (ARAGÃO, 2000:19).
Este fato criou a possibilidade legal da morfologia das “vilas de miolo de quadra”. Mais do que isso: parece que já carregava este objetivo desde o início; observemos a definição de “passagem” segundo o Código Arthur Saboya:
“denomina-se passagem a via pública de largura mínima de quatro metros, subdividindo quadras ou porções de terrenos, encravados ou não, para a construção de ‘casas populares’ nos termos definidos por este Código”. Curiosamente, não define o que seja uma “casa popular”, apenas “casa operária” como “a que contiver no máximo três peças entre aposentos e salas, além da cozinha e da privada”.
É importante notar que eram passagens particulares (e isto é explicitado no Código), numa situação semelhante à das vilas aprovadas pela lei de 1994, que constituem condomínios particulares. Desta forma, na década de 1940, as indústrias não se interessavam mais em produzir moradia operária, principalmente devido à produção dos Instituto de Aposentadorias e Pensões (IAP), e grande parte dos trabalhadores possuía suas casas na periferia. O centro, densamente ocupado por vilas e cortiços, não era mais o cenário principal da construção de vilas na cidade, que passaram a ser construídas nos miolos de quadras de bairros de classe média, onde havia terrenos disponíveis e interesse em aproveitá-los.
Conforme observamos em Cozinhas, etc. (1978), de Carlos Lemos, o pós-guerra foi marcado pela popularização dos edifícios de apartamentos na cidade. Porém, estes empreendimentos exigem altos investimentos. A vila, além de exigir investimento menor, proporcionava um certo adensamento, não deixava de ser um empreendimento lucrativo.
Em 1942, a Lei do Inquilinato congelou os aluguéis, e os empreendimentos com esta finalidade perderam rentabilidade ao longo do tempo inclusive em função das elevadas taxas de inflação. Em parte dos casos, o objetivo dos novos empreendimentos passou a ser a casa própria. Muitos proprietários de casas em vilas passaram a vendê-las a seus inquilinos, principalmente a partir de 1957, quando houve uma sensível aceleração inflacionária. Muitos locatários viraram proprietários e puderam fazer alterações nas casas. Outros foram para as periferias. O congelamento dos aluguéis durou até 1964 (ESHER, 1998:56).
A partir de 1953, a lei 4.351 permitiu que as ruas e pátios de manobra fossem doadas à prefeitura, o que veio a ser um bom negócio para os empreendedores, os quais não precisavam mais arcar com os custos de manutenção destas vias e das redes de infraestrutura urbana. Estas poderiam a partir de então chegar oficialmente até as casas. Em 1955 houve anistia de vias particulares em um determinado perímetro ao redor do centro da cidade. Coexistiam vias públicas e vias particulares, e para estas últimas havia a opção de doação ao poder público. Para que isto ocorresse, a via deveria satisfazer alguns requisitos técnicos. A iniciativa privada tinha inclusive o poder de nomear ruas e numerar os imóveis (ESHER, 1998:62).
A maior parte das vilas de classe média da cidade, em especial as que encontramos na Vila Mariana, Perdizes, Jardim Paulista, Pinheiros e Saúde são deste período, cujas casas têm programas muito semelhantes. Lauresto Esher (1998) demonstra em seu trabalho que as vilas daquela época, assim como as mais recentes, “não se configuraram em ponta de lança da ocupação territorial”. Ao contrário, ocuparam “áreas vazias do tecido urbano em adiantado processo de consolidação”, ocorrendo com grande frequência em um anel concêntrico em torno do centro da cidade e espalhadas por toda a malha urbana já ocupada até a década de 1960. O autor estimou em 1.500 o número de ocorrências entre estas que realmente fossem vilas e indicou também outras estimativas. O Departamento de Cadastramento Setorial (Secretaria Municipal de Habitação) tinha na época, 1.879 vilas oficializadas (ESHER, 1998:18). A imensa maioria continua hoje com seu aspecto original e, apesar da grande valorização imobiliária, são frequentemente alvo do assédio de incorporadores imobiliários para substitui-las por condomínios verticais.
Em 1968 foram revogados os dispositivos legais que autorizavam as aberturas de passagens do Código de Obras Arthur Saboya. O principal motivo era que estes mesmos dispositivos, quando mal utilizados, permitiram o aparecimento de conjuntos de casas em condições muito precárias, com ruelas de acesso sem guias, sarjetas ou calçadas. Através daquela legislação, grandes loteadores produziram bairros populares inteiros, sem qualidade ambiental aceitável (ARAGÃO, 2000:19).
Havia também, na época, a intenção do poder público em conter a expansão da cidade, como ficou demonstrado pela legislação dos anos 1970. Em meados da década de 1960 surgiram os primeiros grandes órgãos de planejamento de São Paulo, como a Coordenadoria Geral de Planejamento – COGEP, da prefeitura, e o Grupo Executivo da Grande São Paulo – GEGRAN, do governo do estado (que viria a se tornar Secretaria de Negócios Metropolitanos); surgiu nesta época o conceito de Região Metropolitana; surgiram também os grandes planos e estudos metropolitanos, como o PMDI – Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado e o PDDI – Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado. A cidade era analisada em outra escala, muito maior do que a usada até então. Esta nova abordagem provocou, em 1967, a revogação da parte do código Arthur Saboya que tratava da construção de casas populares dentro das zonas de expansão urbana e rural. Em 1968, a revogação foi expandida para todo o território do município, e a possibilidade de se aprovar vilas através de abertura de passagens terminava em definitivo.
Havia também a intenção do poder público de conter a expansão da cidade, como ficou comprovado no Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) em 1971, que incluía em sua justificativa a célebre frase “São Paulo precisa parar”. Estes planos integrados eram exigência do governo federal nos anos da ditadura militar, aos quais estavam condicionados os financiamentos para projetos de desenvolvimento urbano. Dentro desta ideologia de contenção da expansão desordenada da cidade, foi aprovada em 1972, durante a gestão do prefeito Figueiredo Ferraz, a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do município de São Paulo (Lei 7.805/72), que procurava estabelecer critérios relativamente rígidos em relação ao uso do solo. Esta lei definia conjunto residencial (horizontal ou vertical), estabelecendo que deveriam conter espaços de utilização comum não cobertos destinados ao lazer e espaços de utilização comum destinados à instalação de equipamentos sociais. Estas áreas de uso comum seriam utilizadas como bens em condomínio. Todas as edificações deveriam ter recuo mínimo de três metros em relação às divisas do lote.
Não era mais possível aprovar vilas como passagens, já que estas estavam proibidas. Teriam então que se enquadrar como conjuntos residenciais horizontais, cumprindo todas as exigências legais relacionadas a esta categoria. Em 1973 foi aprovada a Lei 8.001, complementando a Lei 7.805/72, que regulamentava o uso e ocupação do solo. Ela criou duas subcategorias para conjuntos residenciais: R3.01 e R3.02. A R3.01 seria o conjunto com área inferior a 20.000m2 ou com menos de 400 habitações, para a qual se exigia mais de 300m2 de espaços de uso comum não cobertos, destinados ao lazer, e mais de 200m2 de espaços de uso comum para a instalação de equipamentos sociais. As vias deveriam ter o mínimo de 8 metros de largura para comprimentos inferiores a 25 metros; mínimo de 10 metros para comprimentos maiores de 25 metros e menores ou iguais a 50 metros; e mínimo de 12 metros para comprimentos maiores de 50 metros. Já a R3.02 caracteriza-se pelo conjunto de área superior a 20.000m2 ou mais de 400 habitações. O projeto destes conjuntos deveriam incluir plano de parcelamento do solo, com área destinada ao sistema viário oficial e quota mínima de terreno por habitação para áreas verdes, áreas institucionais, equipamentos comunitários, equipamentos de lazer, equipamentos comerciais e equipamentos de serviço (ARAGÃO, 2000:20).
A legislação de 1968, 1972 e 1973 tornou economicamente inviável a construção de vilas em São Paulo. Em 1981, a Lei 9.413 deixava a categoria de loteamento como único enquadramento possível para as vilas. Exigia 20% de sua área total para vias de circulação de veículos, 15% para áreas verdes e 5% para áreas institucionais, assim como qualquer outro loteamento. Nos próximos quatorze anos não se veria quase nenhuma nova vila na cidade.
A próxima lei que interfere no espaço das vilas só viria a ser aprovada em 5 de dezembro de 1990, autorizando o fechamento das vilas e ruas sem saída residenciais ao tráfego de veículos estranhos aos seus moradores (Lei 10.898/90). Ela determina que tal fechamento só é possível com a aprovação mínima de 70% dos proprietários dos imóveis no local, não pode ser feito em vias com mais de 10 metros de largura de leito carroçável, não servir de passagem a outro local que não as casas e não impedir o acesso de pedestres. Esta última determinação vem sendo sistematicamente ignorada pela cidade, com certa conivência do poder público. A Lei 10.898/90 viria a sofrer pequenas alterações em 1996 (Lei 12.138/96), modificando o texto e autorizando não só o fechamento de “vilas e ruas sem saída residenciais”, mas também o de “ruas com características de ruas sem saída de pequena circulação de veículos nas áreas residenciais”, deixando o texto da lei ainda mais vago. Outra modificação viria em 2001 (Lei 13.209), dispensando o pedido de fechamento às administrações regionais, portanto agilizando o fechamento das vilas em São Paulo.
Durante os anos 1980, as vilas sofreram grande valorização decorrente dos problemas trazidos pelo intenso crescimento urbano, principalmente a violência. Durante o início do século, o ideal de moradia urbana era o palacete ajardinado e isolado das divisas do lote. A classe média não tinha motivos para se orgulhar de viver em casas agrupadas no interior da quadra. Porém, nas últimas décadas do século 20, difundiu-se a ideia de segregação do resto da cidade como forma de se morar bem (ARAGÃO, 2000:27).
O início dos anos 1980 foi um período de inflação alta e baixas taxas de correção monetária. O baixo rendimento das aplicações financeiras estimulava o investimento imobiliário, aumentando muito a oferta em anos subsequentes. Em 1982, ocorreu a falência do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que deixou de custear construções. No início de 1983, a oferta caiu 70% em relação ao mesmo período no ano anterior. O estoque dos dois anos anteriores ainda estava sendo escoado em velocidade reduzida porque grande parte era direcionada à classe média baixa que ficou sem seu principal financiador. A instabilidade do mercado fez com que imóveis vendáveis no início da construção ficassem inviáveis durante as obras. Os financiamentos não cobriam o valor das unidades construídas para a classe média e o sistema de reajustes dos financiamentos os inviabilizavam para as camadas mais populares. A escassez de imóveis de classe média e populares fez com que os preços dos que estavam em oferta aumentassem. A casa própria começou a ficar inacessível para grande parte dos assalariados. Só existia liquidez para habitação de alto padrão, de público reduzido.
A partir desse período, a população de maior poder aquisitivo de São Paulo começou a deixar suas casas em bairros nobres de residências unifamiliares (Morumbi, Alto de Pinheiros, Pacaembu, etc.). A partir de 1983 a tendência acentuou-se com uma crescente onda de assaltos e invasões aliada a uma redução do poder de compra da renda mensal mesmo para este estrato social (NAGY, 1989:21).
Naquele momento consolidou-se uma alteração no imaginário social em relação ao modelo de moradia e ampliou-se a preferência às casas em condomínios horizontais fechados, sendo mais valorizadas as vilas com espaços semipúblicos fechados, mais seguros, numa clara oposição ao ideal do início do século 20.
O número de imóveis caracterizados como vilas era limitado, pois desde 1968 a legislação vinha dificultando a criação de novos conjuntos. Este cenário provocou uma forte valorização das casas de vilas, que chegavam a valer de 15 a 30% mais que as casas com frente para a via principal. Houve também a disseminação da idéia que nas vilas existiria uma grande sociabilidade na vida cotidiana de seus moradores.
É interessante notar que esta vida social mais intensa se originou de uma necessidade e não de uma opção. Nas vilas operárias, quando as casas eram pequenas, o pátio era quase que uma extensão das casas e um espaço comum, de responsabilidade de todos os moradores, de modo que sua manutenção tinha que ser feita por aquele grupo.
A elaboração da Lei de Vilas de 1994
A grande procura e valorização na década de 1980 deste tipo de habitação na cidade contribuíram para o ideal de uma nova lei que permitisse a construção de novas vilas. Muitos terrenos situados em zonas estritamente residenciais estavam ocupados por casarões antigos e abandonados, ou ainda vazios e especulativos. Uma nova lei de vilas poderia permitir a construção de vilas nestes terrenos.
Em 1990 começou a ser elaborada uma nova proposta de “Lei de Vilas Residenciais”, coordenada pela arquiteta Eliane Guedes, que procurava eliminar dois problemas comuns em vilas: a falta de estacionamento e o uso comercial e de serviços, que é responsabilizado por romper a tranquilidade dos moradores a agravar os problemas com estacionamento. A proposta inicial previa área máxima do terreno de 10.000m2, que poderia ser ocupado dois tipos de vilas:
“vilas residenciais”, um conjunto de lotes exclusivamente residenciais, áreas verdes e sistema viário de uso público. Esta opção criaria uma miniatura de loteamento, os terrenos seriam vendidos individualmente e seus proprietários construiriam suas casas por etapas. Ficariam dispensadas, para as construções, as figuras do incorporador, do investidor e do construtor. A unidade teria menor custo final, e poderia atender a segmentos sociais de menor poder aquisitivo. A intenção era fornecer uma alternativa à autoconstrução em loteamentos de periferia (ESHER, 1998: 51). Esta opção não foi utilizada na proposta final. “conjuntos-vila”, caracterizados por grupos de casas com espaços de uso comum como bens de condomínio. Esta opção foi desenvolvida na versão final, objeto principal desta pesquisa.
Em ambos os casos, o acesso seria realizado por um único ponto de conexão com a via pública, onde seria permitida a instalação de guaritas, grades ou portões. Seria também exigida área verde correspondente a 5% da área total do terreno, e uma vaga de estacionamento por unidade. Estas exigências permaneceram na versão final da lei, o que não foi o caso da permissão de usos não residenciais para as unidades que fizessem frente para a rua oficial. A lei aprovada é clara: uso exclusivamente residencial para todo o conjunto.
Naquele momento inicial do desenvolvimento da Lei de Vilas, havia a intenção de se estimular a participação de pequenos e médios investidores, pois são conjuntos que não necessitam de grande volume de capital para sua realização, e acreditava-se que por este mesmo motivo grandes construtoras e incorporadoras não se interessariam por este tipo de empreendimento. Mas não foi isso que aconteceu, as vilas abriram a possibilidade de se lançar condomínios fechados totalmente de acordo com a legislação, e atingir um filão de mercado que já existia há anos: a classe média insegura paulistana.
Nesta fase de estudo de uma nova lei, a Secretaria de Habitação solicitou a três escritórios de arquitetura projetos experimentais baseados na proposta de lei: Königsberger e Vanucchi zeram um estudo para Z1; Padovano & Vigliecca, em Z2 situada em área central; Projeto Ambiente Urbano, em Z2 fora do centro. Os três estudos mostraram-se bastante interessantes quanto à versatilidade e variabilidade de possíveis soluções. Porém não se parecem em nada com os conjuntos que vêm sendo lançados pela indústria imobiliária na cidade (ESHER, 1998:52).
Em 12 de julho de 1994 foi aprovada a Lei 11.605, que criou a categoria de uso R3.03, denominada conjunto residencial do tipo vila, caracterizada por “unidades habitacionais isoladas, agrupadas, geminadas ou superpostas, em condomínio”. A área máxima da gleba recuou para 15.000m2 na versão final.
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