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Brasileiros criam droga contra metástase (1 notícias)

Publicado em 07 de novembro de 2002

Substância orgânica com paládio conseguiu reduzir tumores malignos em camundongos e conter espalhamento Salvador Nogueira escreve para a 'Folha de SP': Já seria uma façanha no campo da química: a obtenção de um composto orgânico estável contendo alguns átomos de paládio. Mas uma pesquisa brasileira, iniciada há 13 anos, está prestes a se tornar também um feito da medicina. No organismo, a substância é capaz de combater tumores malignos com eficiência - em camundongos, é bom que se diga. Os resultados dos experimentos com animais realizados pela equipe de Antonio Carlos Fávero Caires, da Universidade de Mogi das Cruzes, foram divulgados nesta quarta-feira, no campus da instituição em SP, em uma entrevista coletiva. Até então, todos os estudos relacionados ao medicamento estavam sendo mantidos em segredo, em razão do forte interesse econômico e industrial que os cerca. A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de SP), instituição responsável pelo financiamento do estudo, já entrou com o pedido de patente da substância no Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Agora, os pesquisadores estão na corrida para proteger a patente internacionalmente. Desde antes do início dos estudos, já havia uma boa pista de que o elemento metálico paládio poderia ser uma boa opção no desenvolvimento de tratamentos para o câncer. 'O paládio é do mesmo grupo da platina, que é a base dos principais compostos ativos contra câncer já em uso', conta Caires. 'Há tempos muitos pesquisadores tentam obter um composto organometálico com paládio, como nós conseguimos agora, mas sem sucesso.' Embora o paládio e a platina sejam aparentados, a atuação dos compostos derivados do primeiro parece ser distinta. A quimioterapia tradicional, que faz uso dos platinados, atua nas moléculas de DNA das células, impedindo sua replicação. Só que acaba agindo em todas as células do organismo -as saudáveis e as cancerosas. O efeito no paciente é devastador, o que limita muito as possibilidades de um tratamento continuado. No caso da substância à base de paládio desenvolvida por Caires e sua equipe, a atuação não é no DNA, mas nas proteínas das células -especialmente nas enzimas da família da catepsina B, responsável pelo crescimento do tumor e pela metástase (o fatal espalhamento da doença por outras partes do corpo do paciente). Com isso, o alvo da droga parece ser mais bem definido, sendo capaz de agir mais nas células em que ela é necessária. 'Observamos uma seletividade bastante grande das células tumorais', afirma Caires. 'O nível de toxicidade da substância é bem menor que o dos tratamentos usuais para câncer, o que reflete, no mínimo, maior qualidade de vida para o paciente', afirma Claudia Bincoletto Trindade, colaboradora de Caires nas pesquisas. Além de ser uma alternativa mais 'humana' ao tratamento do câncer, ela parece também ser mais eficiente. Em experimentos realizados com 60 camundongos com tumor de Walker mamário ('altamente destrutivo e metastático', segundo Caires), observou-se melhora do quadro em 80% das cobaias. 'Vimos uma regressão grande do tumor e até o desaparecimento completo, em alguns casos', diz o pesquisador. Claro, como todo medicamento já inventado contra o câncer, está longe de ser a solução definitiva para o problema. Em razão da imensa variedade de tumores existentes, os pesquisadores ainda precisam definir em quais tipos a droga é mais eficiente. 'Como usamos um modelo bem letal da doença, temos esperança de que a substância atinja vários tipos de câncer', diz Caires. Mas não é uma fórmula mágica. 'No fim, em alguns casos, deve ser um tratamento eficiente; em outros, será só um bom paliativo.' O calcanhar-de-aquiles da pesquisa também já foi identificado: 'Vimos pouca eficiência da droga contra os tumores benignos, aqueles que são incapazes de se espalhar', conta o pesquisador. A idéia da equipe agora é buscar uma parceria com a indústria para continuar estudando a droga, com o objetivo de iniciar os testes clínicos (com pacientes humanos). 'Se tudo der certo, podemos esperar ter a droga na prateleira em cinco anos', diz Caires. 'Mas tudo vai depender de como as coisas andarem e do apoio que teremos para continuar dando andamento aos testes.' (Folha de SP, 7/11)