Substância desempenha papel duplo na redução dos radicais livres na célula, diz estudo. Descoberta reforça papel da molécula como 'faxineira' do organismo
Ninguém duvida do papel essencial da vitamina C no organismo, mas ao que parece a substância é ainda mais importante do que se imaginava para as células vivas. Pesquisadores da USP e do Instituto Butantan acabam de elucidar uma nova função da vitamina, que confirma sua relevância como "faxineira" do metabolismo.
Segundo o estudo, publicado nesta semana na prestigiosa revista científica americana "PNAS", a vitamina C ajuda um grupo de enzimas (proteínas que aceleram reações químicas) a impedir a formação dos chamados radicais livres, que estão diretamente envolvidos no envelhecimento celular e em danos ao material genético das células, entre outros problemas. Já se sabia que a vitamina combatia os radicais livres, mas só se conhecia a interação direta dela com eles. Os novos dados parecem mostrar que a vitamina C atua contra essa ameaça tanto de forma direta quanto indireta - nesse último caso, ajudando as enzimas.
"Ainda faltam dados para sabermos o quão importante é essa via, mas pelo visto ela não é secundária. E ela parece estar conservada [ou seja, existe nas células de vários tipos de organismo]", declarou ao G1 o bioquímico Luis Eduardo Soares Netto, do Instituto de Biociências da USP, que coordenou o estudo. Para se ter uma idéia, o sistema de "faxina" celular envolvendo as enzimas e a vitamina C parece estar presente em insetos, mamíferos e plantas, o que sugere que ele é muito antigo na história evolutiva e, provavelmente, muito importante para a sobrevivência.
Oxigênio bandido
Não é muito difícil entender o porquê da relevância desse sistema. Os radicais livres são um subproduto do oxigênio que respiramos, e alguns deles têm a desagradável mania de ser altamente reativos, ou seja, combinam-se com outras moléculas com muita facilidade. Isso é um desastre para as moléculas orgânicas, como o DNA e as proteínas, que precisam manter suas características químicas e estruturais intactas para que o organismo funcione.
Não é de se admirar, portanto, que tenham surgido mecanismos para varrer os radicais livres das células. A vitamina C participa no mais básico deles, no qual simplesmente reage com o peróxido de hidrogênio (a popular água oxigenada), que é uma das principais fontes de radicais livres.
No entanto, esse serviço também é realizado indiretamente por algumas enzimas de nome indigesto, as peroxiredoxinas (a primeira parte do nome, claro, vem de peróxido). As enzimas não participam "pessoalmente" da reação; apenas criam condições para que ela aconteça. No caso, sabia-se que as peroxiredoxinas "capturavam" elétrons de outra substância e os "doavam" para o peróxido, que então podia se transformar numa inofensiva molécula de água.
"Achava-se que, para essas enzimas, a substância que permitia isso tinha necessariamente de pertencer ao grupo dos chamados tióis", conta Netto. Contudo, ao analisar algumas das enzimas do grupo, cujo funcionamento anti-radicais livres ainda não tinha sido bem estudado, a equipe da USP e do Butantan, formada também por Gisele Monteiro, Bruno Horta, Daniel Pimenta e Ohara Augusto, descobriu que o papel de doador de elétrons estava sendo desempenhado pela vitamina C.
"É uma mudança de paradigma na maneira como a gente entende o funcionamento dessas enzimas antioxidantes", resume Netto. A idéia agora é caracterizar de forma mais clara o que acontece em cada grupo de organismos que parecem usar a vitamina C para esse propósito.
O trabalho tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do programa Instituto do Milênio.
Notícia
G1