Durante o ano de 2020, o Reino Unido liderou os esforços mundiais de vigilância genômica sobre o novo coronavírus (SARS-CoV-2). Das 323 mil sequências publicadas até 5 de janeiro de 2021 na plataforma Gisaid, na qual cientistas de diversos países compartilham informações sobre o patógeno em tempo real, 137 mil (42%) têm origem britânica. Graças a esse esforço, foi possível identificar com relativa rapidez a emergência da nova variante B.1.1.7, considerada entre 50% e 70% mais transmissível que a originária de Wuhan, na China.
Essa nova cepa foi detectada no Brasil pela primeira vez em 31 de dezembro de 2020, por pesquisadores do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e da rede de laboratórios Dasa, em amostras de dois pacientes com suspeita de Covid- 19 atendidos em São Paulo. O trabalho de sequenciamento foi coordenado pela professora Ester Sabino. Com essas duas novas sequências depositadas na plataforma Gisaid, o grupo de Sabino atinge a marca de 600 genomas completos sequenciados. O número representa cerca de 30% das 1.828 sequências publicadas por grupos brasileiros no site.
De acordo com a pesquisadora, tal feito só foi possível graças aos recursos humanos e materiais disponíveis no Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), projeto apoiado pela Fapesp e originalmente destinado ao estudo de doenças como dengue e zika. Os pesquisadores do Cadde avaliam, no entanto, que a situação brasileira está muito aquém da ideal no que diz respeito à vigilância genômica do SARSCoV- 2. “O Brasil sequenciou apenas 0,024% dos casos confirmados no País [a porcentagem foi calculada com base nos dados da Universidade Johns Hopkins], enquanto no Reino Unido esse índice chega a 5%”, comenta Darlan Cândido, integrante do CADDE que atualmente realiza doutorado na Universidade de Oxford (Inglaterra).
Ovirologista Fernando Rosado Spilki, que coordena a Rede Corona-ômica — criada entre março e abril do ano passado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para liderar os esforços de vigilância genômica no País —, admite que houve um atraso no último semestre, mas garante que um grande esforço está sendo realizado no momento para recuperar o tempo perdido. “Boa parte das sequências publicadas no primeiro semestre foi feita com verbas de projetos sobre outros temas que já estavam vigentes e foram redirecionadas para pesquisas sobre o SARS-CoV-2.
Apesar de as agências de fomento terem feito um grande esforço para liberar rapidamente mais recursos, existem entraves burocráticos que tornam esse processo demorado”, explica Spilki à Agência Fapesp. Segundo o virologista, novas sequências já concluídas, ainda em processo de análise, devem ser publicadas nas plataformas internacionais muito em breve.
“Após o sequenciamento há um grande trabalho de bioinformática a ser feito e isso requer uma infraestrutura computacional que não se constrói do dia para a noite. Estamos melhorando essa infraestrutura e investindo na compra de insumos. Pretendemos iniciar uma força-tarefa para sequenciar as amostras desse período que foi menos estudado [segundo semestre de 2020] e também para seguir acompanhando o que está acontecendo com o vírus agora”, diz Spilki. (AF)