A população brasileira tem passado nas últimas décadas por um rápido processo de envelhecimento, devendo somar, até 2025, 31,8 milhões de pessoas com mais de 60 anos. Isso deverá causar impacto direto nos sistemas de saúde pública e previdenciário do país, e na forma de cuidar dessas pessoas.
A avaliação foi feita por pesquisadores durante uma mesa-redonda sobre o envelhecimento da população nos países em desenvolvimento, realizada durante a 68ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorre até o próximo sábado (09/07) no campus de Porto Seguro da Universidade Federal do Sul do Bahia (UFSB).
“Em 1950, o Brasil tinha 2 milhões de pessoas com mais de 60 anos. Em 1965 esse número saltou para 6,2 milhões. Na virada do século chegou a 13,9 milhões e, em 2025, chegará a 31,8 milhões”, disse Luiz Roberto Ramos, professor da Escola Paulista de Medicina (UPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), durante o evento.
“Teremos uma das seis maiores populações de idosos no mundo em 2025”, estimou Ramos, que coordenou um projeto de pesquisa sobre a efetividade de ações de promoção da saúde em idosos com apoio da FAPESP.
De acordo com o pesquisador, a velocidade do processo de envelhecimento da população brasileira tem sido mais rápida do que a verificada na Europa, por exemplo.
Até 1800, o continente europeu registrava uma alta mortalidade e elevada fecundidade – uma combinação de fatores que possibilita manter a população jovem.
Essa situação só começou a mudar entre 1800 e 1900, durante a Revolução Industrial, quando a mortalidade começou a cair na região, causando um aumento da expectativa de vida, até chegar ao nível atual. “Foram necessários 100 anos para cair a taxa de mortalidade na Europa”, disse Ramos.
Já a taxa de fecundidade no “velho mundo” só começou a cair entre 1900 e 1950 e deve se manter estável nas próximas décadas, provocando um aumento na proporção de idosos.
Em contrapartida, no Brasil, a taxa de mortalidade começou a cair entre 1950 e 1980 e a de fecundidade iniciou um processo de redução a partir de 1970, chegando a dois filhos por casal hoje, que significa uma taxa de reposição e que a população do país não está crescendo, afirmou Ramos.
“Todo o processo de transição demográfica que na Europa levou 180 anos deve acontecer em metade desse tempo no Brasil”, comparou Ramos.
Esse aumento da proporção de idosos – que cresce a taxas muito mais elevadas do que as de outros grupos etários e tem causado o envelhecimento da população brasileira – tem mudado as prioridades na saúde pública no Brasil hoje, apontou o pesquisador.
Até 1950, quando as taxas de fecundidade e mortalidade no país eram altas, 40% das mortes no Brasil eram causadas por doenças infecciosas e pouco mais de 10% por doenças cardiovasculares.
Entre 1950 e 1970, quando começou a ocorrer o processo de transição epidemiológica no Brasil, os casos de doenças infecciosas foram diminuindo e hoje representam apenas 5% das causas de mortes no país, enquanto as doenças cardiovasculares passaram a representar mais de 40%.
“No velho paradigma da saúde pública no Brasil, a população de risco era composta por crianças, a prioridade era o tratamento de doenças infecciosas, as medidas preventivas – simbolizadas pelas vacinas – eram eficazes e os tratamentos eram simples, definitivos e baratos – era o famoso antibiótico por uma semana”, disse Ramos.
“No novo paradigma, a população de risco é formada por idosos, a prioridade é o tratamento de doenças crônicas não transmissíveis que causam incapacidade, as medidas preventivas são pouco eficazes e os tratamentos são complexos, crônicos e caros”, comparou.
O sistema de saúde brasileiro, contundo, ainda não está preparado para atender essa nova realidade, apontou o pesquisador.
Um estudo realizado pelo Conselho Federal de Medicina, que acompanhou a evolução do número de médicos formados no Brasil desde 1910, apontou que, em 2010, 38% dos médicos no país eram pediatras, ginecologistas ou anestesiologistas. A geriatria era a 41ª colocada entre as especialidades dos médicos brasileiros, apontou a pesquisa.
“Há um longo caminho para dotar nosso sistema de saúde com profissionais especializados para cuidar dessa população de idosos”, avaliou.
Cuidado com os idosos
De acordo com dados apresentados por Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a população que mais cresce no país hoje é a de pessoas com 80 anos ou mais.
E as pessoas que devem chegar a essa idade são as nascidas durante o baby boom, ocorrido no país entre 1950 e 1960, quando as taxas de fecundidade foram mais altas, estimou a pesquisadora.
“Esses idosos se beneficiaram da redução das mortalidades infantil, jovem e adulta nas últimas décadas no país e, agora, da diminuição da mortalidade nas idades mais avançadas em razão dos avanços na Medicina”, avaliou.
Essa guinada no número de “idosos muito idosos” no país, contudo, demandará não só mais cuidados, mas também mais tempo para cuidar deles, indicou.
O número de idosos que deverão receber mais cuidados no Brasil poderá aumentar entre 30% e 50% até 2020, estimou Camarano.
“É preciso avaliar se as famílias estão prontas para cuidar dessa população de idosos. Elas devem estar preparadas para isso”, avaliou.
Os homens passam, em média, 4,2 anos necessitando de cuidados prolongados no Brasil, e as mulheres, 4,7 anos.
Além disso, os homens morrem mais cedo do que as mulheres no país. “Por isso falamos que o envelhecimento é uma questão de gênero”, disse Camarano. “Há mais mulheres idosas, elas são as principais cuidadoras de seus maridos, que morrem primeiro. Mas quem irá cuidar delas?”, questionou.
Outra preocupação, segundo a pesquisadora, será com o sistema de previdência. Com a diminuição do número de nascimentos no Brasil, consequentemente, a força de trabalho no país vem caindo. “Quem irá trabalhar para contribuir com a seguridade social e cuidar dessas pessoas?"
Impacto na previdência
De acordo com Camarano, o Brasil dissociou envelhecimento de pobreza com a Constituição de 1988, que universalizou a seguridade social no país.
Com isso, a população idosa passou a ter rendimentos garantidos e, hoje, 82% das pessoas com mais de 65 anos no país recebem benefícios da previdência social.
O envelhecimento da população brasileira, entretanto, que pode ser formada por 20% de pessoas com 65 anos ou mais em 2050, levará a um aumento nos gastos previdenciários com essa parcela da população, aumentando o rombo na previdência, apontou Bernardo Lanza Queiroz, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Hoje aproximadamente 12% dos gastos públicos no Brasil já são direcionados para a população idosa”, afirmou o pesquisador.
Segundo o pesquisador, a aposentadoria precoce no país também contribui para ampliar o problema.
No início dos anos 1990, quando o direito à previdência social foi universalizado, de acordo com ele, a maior parte da população acima dos 65 anos de idade no país trabalhava.
Atualmente, a taxa de ocupação das pessoas com essa idade no Brasil está ao redor de 20%, entre outras razões pela própria emergência do sistema previdenciário, apontou.
“O Brasil tem um número de pessoas que recebe benefícios da previdência social em relação à população com 65 anos ou mais que é bastante elevado”, afirmou.
“Em 2010, havia 1,6 pessoas recebendo benefícios de aposentadoria da previdência social para cada pessoa com 65 anos ou mais no país. Isso indica que essas pessoas estão se aposentando relativamente cedo”, avaliou.
O fato de as pessoas se aposentarem cedo não seria um problema se o sistema previdenciário estivesse funcionando bem e há uma norma que permite isso no país, ponderou Queiroz.
“Essa norma tinha uma motivação muito boa, que era permitir que as pessoas mais pobres pudessem se aposentar com 30 anos de serviço. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário: a população mais educada, com melhor inserção no mercado de trabalho, é que começou a se aposentar com 30 anos de contribuição”, afirmou.
Quanto mais adiada for a reforma da previdência, maiores serão os custos fiscais e para as pessoas, apontou o pesquisador.
Segundo dados apresentados por ele, hoje há 4 pensionistas para cada 10 pessoas contribuindo para o sistema de previdência no país.
Se nenhuma mudança ocorrer até 2050, em termos de aumento da oferta de emprego e do tempo de contribuição, por exemplo, haverá 1,2 pessoas recebendo benefícios para cada pessoa contribuindo com o sistema, projetou. “A conta não fechará mais”, avaliou.
Agência FAPESP