O Brasil registra um marco histórico na área da saúde: as mulheres se tornaram maioria pela primeira vez entre os médicos, representando 50,9% dos profissionais em exercício. É o que revela o estudo Demografia Médica no Brasil 2025, divulgado esta semana pelo Ministério da Saúde em parceria com a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
De acordo com o levantamento, que chega à sua 15ª edição, o país encerrará 2025 com 635.706 médicos ativos —um aumento de 100% em apenas 12 anos, já que em 2013 havia cerca de 317 mil profissionais.
O crescimento acelerado do número de médicos é o principal destaque do relatório e projeta um cenário de expansão ainda mais significativo. Se mantido o ritmo atual, o Brasil terá 1,15 milhão de médicos em atividade até 2035, o que representará uma densidade de 5,25 profissionais por mil habitantes —quase o dobro da taxa atual.
Explosão do número de médicos
O estudo aponta que o país encerrará 2025 com uma média de 2,98 médicos por mil habitantes, superando índices de países desenvolvidos como Estados Unidos e Coreia do Sul, embora ainda permaneça abaixo da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que é de 3,7 médicos por mil habitantes.
“Nos próximos 10 anos, a projeção de chegarmos a 1,15 milhão de médicos é irreversível e até conservadora. Com a continuidade de abertura de cursos de medicina, o número tende a ser ainda maior”, afirma Mario Scheffer, coordenador do estudo e professor da FMUSP.
O crescimento no número de profissionais ocorre em ritmo muito superior ao da população brasileira. Enquanto o contingente de médicos tem crescido a taxas superiores a 5% ao ano na última década, o crescimento populacional apresenta tendência contínua de queda, mantendo-se abaixo de 1% anual.
De acordo com o relatório, até meados dos anos 2000, entravam cerca de 10 mil novos médicos anualmente no mercado. A partir de 2010, esse número começou a crescer progressivamente, com 2016 marcando um ponto de inflexão, quando o saldo positivo atingiu 23.860 profissionais —patamar que segue em ascensão.
Mulheres na medicina
Outro ponto de destaque no levantamento é a crescente participação feminina na medicina brasileira. Em 2009, as mulheres representavam 40,5% dos médicos, enquanto os homens eram maioria, com 59,5%. Em 2024, esta proporção chegou a 49,3%, sinalizando a iminente paridade.
A projeção para 2025 indica que, pela primeira vez, o número de médicas (50,9%) ultrapassará o de médicos. Este crescimento deve se intensificar nos próximos anos, com estimativa de que 55,7% dos profissionais sejam mulheres até 2035.
“Este é um fenômeno global que temos observado também em outros países. A crescente feminização da medicina traz importantes questões sobre adequação do mercado de trabalho, políticas públicas e necessidades específicas das profissionais”, explica Heloísa Bonfá, diretora da Faculdade de Medicina da USP.
A pesquisa também revelou que os médicos brasileiros estão ficando mais jovens. Em 2009, a idade média era de 45,5 anos. Em 2024, caiu para 44,8 anos, e a projeção para 2035 é de 40,8 anos —consequência direta do grande contingente de jovens formados nas novas escolas médicas abertas nas últimas duas décadas.
Desequilíbrio regional do número de médicos persiste
Apesar do aumento expressivo no número total de médicos, o estudo alerta que a distribuição geográfica continua extremamente desigual e tende a se manter assim caso não sejam implementadas políticas específicas.
As capitais brasileiras concentram a maior parte dos profissionais, com destaque para a região Sul, que apresenta 10,26 médicos por mil habitantes em suas capitais, seguida pelo Sudeste (7,33), Nordeste (6,95), Centro-Oeste (6,76) e Norte (3,78).
Quando se analisa apenas o interior dos estados, as discrepâncias são ainda mais acentuadas. No Sudeste, a proporção é de 2,64 médicos por mil habitantes nas cidades do interior, enquanto no Norte esse índice cai para apenas 0,75 —com situações críticas em estados como Roraima (0,13) e Amazonas (0,20).
“Temos uma distribuição desigual de médicos no país. É urgente pensarmos numa carreira de estado para os médicos”, defende Bonfá.
Projeções para 2035 indicam que unidades federativas como Distrito Federal (11,83 médicos/mil habitantes) e Rio de Janeiro (8,11) manterão índices elevados, enquanto estados como Maranhão (2,43), Pará (2,56) e Amapá (2,76) continuarão com as menores densidades médicas do país.
Especialização
O estudo também revelou que 59,1% dos médicos brasileiros são especialistas —índice abaixo da média internacional de 62,9% encontrada nos países avaliados pela pesquisa. Os Estados Unidos lideram o ranking com 87,9% de especialistas.
Outro dado relevante é que um em cada dez estudantes de medicina no país ingressa por meio de programas de reserva de vagas e cotas, refletindo as políticas de inclusão implementadas nas últimas décadas.
Para especialistas, os dados mostram um cenário paradoxal: enquanto o Brasil caminha para ter um dos maiores contingentes médicos do mundo em números absolutos, persistem desafios significativos quanto à qualidade da formação, distribuição geográfica e acesso equitativo à assistência médica para toda a população.