O mais recente levantamento divulgado na última semana pela WoS (Web of Science-ISI) aponta que o Brasil já ocupa a 13ª posição no ranking mundial de pesquisa, que é composto por 183 países. Segundo a pesquisa, os cientistas brasileiros publicaram 30.145 artigos em 2008, uma alta de 55% em comparação com os 19.436 artigos de 2007. Além disso, no mesmo ano, o País respondeu por 2,12% da produção científica mundial. Pequeno avanço em relação a 2007, quando essa porcentagem era de 2,02%. A base de dados utilizada para o levantamento é da Thomson-Reuters e considera cerca de 10 mil periódicos científicos. Embora o resultado tenha sido motivo de comemoração para parte da comunidade científica nacional, alguns pesquisadores consideram que o crescimento se deve muito a alterações na metodologia de pesquisa do WoS.
O ministro da educação, Fernando Haddad, foi um dos que comemorou a posição obtida pelo País. Ele atribuiu o crescimento da produção científica nacional em 55% entre 2007 e 2008 à atuação de centros de pesquisa, universidades e os ministérios envolvidos com ciência, pesquisa e tecnologia. O pró-reitor adjunto de pesquisa e diretor da CTIT (Coordenadoria de Transferência de Inovação Tecnológica) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Rubens Dario Sinisterra, concorda. Para ele, a boa colocação se deve "à consolidação da pesquisa como conseqüência do envolvimento de recursos e políticas publicas".
Como exemplo, Sinisterra cita a produção científica da própria UFMG. Segundo conta, em 2006 a instituição contava com 650 grupos de pesquisa e havia publicado 1.598 artigos. Hoje, são 742 grupos e 1.761 títulos indexados. O professor Mario Neto Borges, presidente da Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais), extrapola a comparação. Segundo ele, os recursos que a Fapemig tinha em 2002 eram de cerca de R$ 24 milhões, enquanto no ano passado a Fundação trabalhou com R$ 230 milhões. "Isso permitiu que continuássemos apoiando não só a produção cientifica, mas que investíssemos maciçamente na estratégia de produção tecnológica e de inovação", declara ele.
O ponto de vista de Sinisterra é partilhado por João Edgar Schmidt, pró-reitor de pesquisa da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Para ele, o destaque do Brasil se deve às políticas governamentais de incentivo à qualificação de recursos humanos. "O Brasil é um dos poucos países no mundo que tem bolsa para pós-graduação. É um trabalho de muitos anos que está sendo feito na formação de professores de alto nível", aposta ele.
Borges considera que a 13ª colocação é resultado de investimentos que começaram há algumas décadas, com a criação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). "Em 1996, formamos 2.985 doutores. Em 2006 foram 10.616. Além disso, temos por volta de 34 mil novos mestres por ano. É um crescimento exponencial que começa a produzir resultados", afirma ele.
Essa é, inclusive, a opinião da Capes, divulgada em nota por meio de sua assessoria de imprensa. Segundo ela, o desempenho alcançado pelo Brasil é resultado do trabalho das universidades e centros de pesquisa que atuam na pós-graduação. "Outro fator relevante é o apoio das agências federais no fomento à pesquisa e na formação de recursos humanos. O aumento do número de doutores e mestres é uma das prioridades da política nacional de educação e de ciência e tecnologia do governo federal", diz o documento da Capes.
O Coordenador dos Programas Institucionais de Iniciação Científica da UFBA (Universidade Federal da Bahia), Silvio Cunha, endossa a justificativa da Capes. Para ele, o aumento da produção científica está diretamente relacionado às políticas públicas. "Resultam num adensamento da produção científica brasileira, que está majoritariamente ligada às universidades públicas brasileiras e aos institutos de pesquisa estatais", analisa Cunha.
Alterações na metodologia
A evolução do Brasil no ranking mundial de produção científica, no entanto, deve ser observada com cautela, segundo Rogério Meneghini, coordenador científico do programa SciELO (Scientific Electronic Library Online) da FAPESP/Bireme (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/ Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde). Ele afirma que não se trata de aumento efetivo da produção científica, mas sim da ampliação da abrangência da referida base de dados.
A base, de fato, foi ampliada, conforme confirma José Claudio Santos, gerente regional para a América do Sul da Thomson-Reuters, empresa responsável pelo ranking. "Em dezembro de 2008, o ranking considerava 64 revistas brasileiras. Atualmente, contempla 103 publicações", explica ele. Santos diz ainda que há motivos para a ampliação da abrangência. "Temos 50 milhões de pesquisadores cadastrados em nossa base. A partir das sugestões de procura recebidas, começamos a indexar mais revistas".
Por isso, Meneghini acredita que o número apresentado está certo, mas com interpretação errada. "Aumento sempre tem havido, mas a produção foi catalogada num contexto mais amplo. A base enxergava, em 2007, cerca de 30% da produção publicada em revistas científicas brasileiras. Em 2008 passou a enxergar 55%", afirma. Meneghini calcula que, se a base continuasse a considerar o mesmo montante de publicações, o crescimento teria sido de cerca de 10%.
"Até 2007, não havia procura sobre alguns temas regionais. Eles começaram a aparecer principalmente quando os Estados Unidos demonstraram interesse nos biocombustíveis", analisa Santos. Ele conta ainda que o Brasil está avançado em relação aos demais países no que se refere à pesquisa em áreas de interesse regional e mundial, como agricultura, automação bancária, biocombustíveis e prospecção de petróleo a grandes profundidades, por exemplo. "O Brasil foi privilegiado por ter pesquisas e revistas nessas áreas", afirma Meneghini.
Com relação ao número de revistas indexadas, o Brasil também aparece bem colocado no ranking, com crescimento de 205% no número de publicações contempladas pela Thomson-Reuters entre 2002 e 2008. Os dados foram apresentados por Santos. Ele conta que, no mesmo período, a França cresceu 10% nesse índice, a Itália 19%, a Alemanha 22% e a Espanha 113%.
Efetivação da produção
Apesar das ressalvas, Meneghini acredita que a 13ª colocação pode trazer bons resultados, especialmente quanto à visibilidade do País no meio científico mundial. "Quem não costumava publicar no conjunto de periódicos que pertencia à base WoS vai passar a publicar agora. Como é uma base mais consultada, os autores vão ser mais reconhecidos e citados", aposta.
O volume de citações, aliás, é outro fator para determinar a qualidade da produção científica, conforme explica Meneghini. "A única forma de fazer isso é determinando o índice de citações, pois os trabalhos publicados resultam em citações feitas a ele por outros autores", explica. E, nesse caso, o mais importante é o valor relativo. Ou seja, a média de citações por artigo. "Esse número demonstra a média de impacto que os artigos têm. É algo mais próximo da realidade", acrescenta ele. Sob esse aspecto, a Holanda não estaria abaixo do Brasil (como aparece no ranking atual), exemplifica.
Schmidt, da UFRGS, afirma que, ainda assim, a comparação com Holanda e Rússia é justa. "A qualidade da pesquisa no País é de altíssimo nível", afirma ele, que acredita que há outra maneira de avaliar a importância da produção científica. "É uma preocupação de todos tentar reverter essa produção em produtos, em tecnologia e inovação para a população como um todo", diz.
Nesse contexto, Sinisterra afirma que, embora não haja efetivação em forma de produtos e inovação, a produção científica brasileira está ainda mais consolidada. "Temos um grande portfólio de patentes em áreas estratégicas para o Brasil e o mundo ainda concentrado nas universidades", declara. Segundo ele, seria necessária maior participação das empresas nesse processo. "Nosso sistema ainda está imaturo e concentramos nas universidades a produção de tecnologia", explica.
É necessário observar o contexto histórico do desenvolvimento da área de pesquisa em ciência e tecnologia no Brasil. O alerta é de Sinisterra, que acredita que a melhora efetiva nos índices de impacto virá com o tempo. "Prefiro interpretar como sendo um processo. As universidades no País não têm mais do que 100 anos e não temos como competir com universidades de grandes centros de pesquisa que existem desde o século XIII", compara ele.
O panorama, a partir da divulgação do ranking, é otimista para Schmidt quando considerado que há 10 anos o Brasil produzia 0,6% da produção intelectual mundial. "Não há duvida nenhuma de que isso sobressai a qualidade da pesquisa no Brasil. Agora o volume cresce significativamente, o que pode resultar em investimentos, pois a qualidade dos recursos humanos é boa", declara ele.