O ministro da Ciência e Tecnologia, embaixador Ronaldo Sardenberg, esteve na USP dia 15 para fazer uma visita ao reitor, professor Adolpho José Melfi, com quem almoçou. O objetivo do encontro foi discutir informalmente o cenário mundial e brasileiro da pesquisa científica e tecnológica e as possibilidades do futuro, dada a importância da USP no contexto da ciência. Também estavam presentes Carlos Pacheco, secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Evandro Mirra, presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Esper Abrão Cavalheiro, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Claudio Rodrigues, superintendente do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), Hélio Nogueira, vice-reitor, e Luiz Nunes de Oliveira, pró-reitor de Pesquisa.
Antes do encontro, o ministro concedeu esta entrevista ao Jornal da USP no gabinete do reitor, cercado por alguns membros da cúpula do MCT, além de assessores pessoais. Com objetividade, em pouco mais de meia hora Sardenberg traçou um panorama dos investimentos previstos para este ano em ciência e tecnologia, o papel dos fundos setoriais nesse processo, os efeitos da atual conjuntura internacional na área e de que forma o Brasil tem aumentado continuamente sua participação na pesquisa mundial. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Jornal da USP - O ano de 2001 foi marcado por um enorme aumento dos investimentos em ciência e tecnologia, tanto governamentais como da iniciativa privada. Essa tendência será mantida em 2002?
Ronaldo Sardenberg - Eu acredito que sim. Nós estamos ainda muito no início de 2002, houve essa conjunção entre ano novo, férias e carnaval, de maneira que o ano está demorando para começar. Há, ainda, a questão dos cortes no orçamento federal. Estamos muito no começo do ano fiscal, mas vamos continuar mantendo nosso diálogo com as autoridades fazendárias e de planejamento no sentido de manter uma taxa de crescimento importante.
JU - Qual é a previsão orçamentária para o Ministério este ano?
Sardenberg - A previsão do orçamento é da ordem de R$ 1,5 bilhão para pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e mais R$ 800 milhões para outras despesas, como salários.
JU - O site do MCT informa quais são os ministérios que mais investiram em ciência e tecnologia no País durante o ano passado. Logo após o MCT aparecem o da Educação, seguido pelo da Agricultura e Abastecimento e o da Indústria e Comércio, que contribuiu com cerca de 3,81% do total dos recursos aplicados. Essa participação não deveria ser maior?
Sardenberg - Nós trabalhamos com o Ministério da Indústria e Comércio, na verdade com todos os ministérios, no sentido de construir e aprimorar programas que representam também as visões dos demais ministérios do governo. Hoje em dia, do ponto de vista de gestão, o maior avanço que realizamos nos últimos dois ou três anos foi a criação da gestão compartilhada, que se baseia em uma série de comitês onde os ministérios estão representados, especialmente com relação aos novos recursos que estão se agregando ao setor, notadamente os provenientes dos fundos setoriais e outros. Por exemplo, no Fundo Verde Amarelo, que congrega universidades e empresas, participam do seu Comitê Gestor o Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDS, o MCT, a Finep, o CNPq, dois representantes da comunidade acadêmica e dois do segmento empresarial.
JU - No caso dos fundos setoriais, qual é o impacto previsto nos próximos anos para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia brasileira?
Sardenberg - Esses fundos são achados, pois eles permitem uma grande inovação na área. Na realidade, nossa política no Ministério é buscar soluções novas. Os fundos são mais orientados que os mecanismos tradicionais, pois concentram seu foco em determinadas atividades sistêmicas, promovendo a união de projetos antes dispersos em sistemas integrados, com maior troca de informações e resultados. Inovação é um conceito complicado, complexo, que nem sempre é facilmente absorvido pela opinião pública. Realmente é a busca do que é novo, do que vai muito além do reforço da capacidade competitiva, mas cria um novo tipo de competição. Os projetos tradicionais são voltados para a aquisição, adaptação e absorção de certas tecnologias. A inovação é mais complexa. É uma outra fase muito mais sofisticada da ciência e da tecnologia. Bom, esses fundos todos permitem essa transição. Além disso, nós também criamos no Ministério uma instituição extremamente inovadora, que é o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, o qual nasceu para nos auxiliar na elaboração de estratégias de trabalho. Esse centro é parte do Ministério até certo ponto, o que é uma coisa interessante pois trata-se de uma entidade distinta, uma organização de pesquisadores. Estamos agora constituindo, negociando com eles um contrato de gestão.
JU - Como o Brasil está, atualmente, inserido no contexto internacional da pesquisa científica e tecnológica?
Sardenberg - O contexto internacional atual é muito complexo, complicado. Estamos em uma situação nova, até certo ponto, mas com algumas tendências claras, que já vinham se desenvolvendo. Por exemplo, há uma certa tendência de concentração do conhecimento nas mãos de poucos países. Por um lado, o conhecimento é paradigmático e a vida se estrutura em torno dele. Assim, o fato das pessoas, dos grupos, dos países terem ou não conhecimento acarreta uma série de conseqüências econômicas e sociais. Os Estados Unidos hoje representam 50% dos orçamentos de pesquisa e desenvolvimento. Há, no momento, uma tendência a concentrar mais investimentos na área militar, em função da nova situação internacional. Entretanto, os recursos destinados à ciência e tecnologia, por maiores que sejam, são limitados. Ou seja, na medida em que você muda o tamanho de uma fatia para mais, para as outras o crescimento não será tão grande. Há outros aspectos fundamentais, como a velocidade com que se gera conhecimento e a velocidade em que esse conhecimento é apropriado pelo mercado, o que é feito hoje muito mais rapidamente que no passado. Antes, para uma idéia chegar ao mercado levava cerca de 20 anos. Atualmente, a idéia não está nem tão bem desenvolvida e já está no mercado. Na área de tecnologia da informação isso é muito claro. Muitas empresas distribuem programas gratuitamente na Internet, os quais, após serem testados na prática, acabam sendo transformados em produtos comercializáveis. Nós estamos entrando nessa corrida, estamos ingressando nesse tipo de problema agora. Evidente que, com a criação do CNPq, em 1951, nós demos um passo gigantesco. Nessa época, dizia-se que o Brasil era um país essencialmente agrário. Eu estava no ginásio quando se dizia isso. Era uma tese de que poucas pessoas discordavam. A maioria tinha essa opinião. Apesar desse contexto, foi nessa época que surgiu a inspiração necessária para se criar um sistema de pesquisa e desenvolvimento estável no Brasil, que foi incorporado pelo CNPq. Foi o mesmo que aconteceu nos Estados Unidos e na França, com o Conselho Nacional de Pesquisas.
JU - O que mais chama nossa atenção na pesquisa nacional e mundial é a genética, que se desenvolveu de uma maneira muito rápida nos últimos anos, atendendo a demandas sociais e de mercado. Entretanto, não pode estar havendo um certo excesso de atenção para as pesquisas aplicadas? Isso não pode vir a comprometer o desenvovimento da pesquisa básica de áreas importantes como a física, a química e até alguns setores da própria biologia?
Sardenberg - Essa situação é fruto de uma experiência internacional. Felizmente nós já temos essa percepção e estamos trabalhando no sentido de evitar que isso ocorra. O caso da pesquisa genômica no Brasil é impressionante. Nosso primeiro seqüenciamento foi em 2000, com a Xylella fastidiosa. De lá para cá os esforços, aqui em São Paulo na área do Genoma Câncer e fora daqui, se multiplicaram. Hoje nós temos uma rede nacional de pesquisa genômica. Além disso, foram desenvolvidas oito redes regionais, que se dedicam a problemas de saúde principalmente mas, também, a problemas agrícolas das diferentes regiões do Brasil. A Bahia, por exemplo, tem uma rede que conta com a participação, inclusive, de universidades de fora do Estado, para o seqüenciamento do agente causador da vassoura-de-bruxa, que é a praga do cacau, e deve estar quase concluído. Agora, claro que temos de estar preparados para essa realidade que, em última análise, é uma atividade com dimensão comercial em todo o mundo, não apenas no Brasil. E quando digo que temos de estar preparados, significa que precisamos proteger o conhecimento brasileiro. Porque, levados pelos métodos tradicionais, a tendência é publicarmos uns papers, que são da maior importância, e depois as idéias contidas nesses papers acabam sendo transformadas em patentes por terceiros. Essa atividade representa um grande desafio que está sendo vencido no Brasil e que não será uma simples prestação de serviços a outros. Nós não vamos nos impressionar com o que já fizemos. Não vamos ser tão autoconfiantes. Temos de nos impressionar com o que ainda precisamos fazer. O Brasil tem condições, como tem provado, de participar desse esforço mundial, com vistas a obter melhores resultados econômicos e sociais para toda a humanidade.
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