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Brasil pode perder conquistas se não voltar a investir em ciência, aponta relatório da Unesco (35 notícias)

Publicado em 07 de julho de 2021

Por André Julião | Agência FAPESP

O Brasil conquistou um papel relevante na ciência mundial nas últimas quatro décadas, mas cortes de bolsas e queda em número de patentes e gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) pelas empresas desde 2015 ameaçam o futuro do sistema nacional de ciência e tecnologia como um todo. Essa é uma das conclusões do capítulo sobre o Brasil do Relatório de Ciências da Unesco – A corrida contra o tempo por um desenvolvimento mais inteligente.

O documento, publicado a cada cinco anos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), avalia o estado da ciência, tecnologia e inovação no mundo e teve a mais recente edição lançada em junho.

Entre os destaques brasileiros desde 2015 estão os estudos sobre zika. O país foi o segundo que mais produziu artigos científicos sobre o vírus, atrás apenas dos Estados Unidos. Os cientistas brasileiros responderam por 28% das publicações mais citadas sobre o assunto. De modo geral, o Brasil vem aumentando progressivamente o número de publicações há mais de 30 anos.

“Até 2018, continuávamos produzindo mais a cada ano. Além disso, a quantidade total de dinheiro investido em ciência e tecnologia tinha caído relativamente pouco. A ciência brasileira havia aumentado o número de artigos publicados e alcançado feitos fantásticos. Ao mesmo tempo, o número de patentes era muito pequeno quando comparado ao resto do mundo e os maiores patenteadores eram as universidades, quando em qualquer lugar do mundo desenvolvido são as empresas que têm essa liderança”, conta Hernan Chaimovich , um dos coautores do estudo, professor emérito do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e ex-assessor da Diretoria Científica da FAPESP.

Um ponto positivo que o relatório ressalta é que tem havido contínuo crescimento da participação feminina nas ciências e nas áreas tecnológicas, como engenharias. “As mulheres já representam 54% dos doutorados concedidos no país e 34% daqueles nas engenharias. Esse último dado é muito mais alto do que o encontrado na maioria dos países, mesmo nos industrializados. Por exemplo, a taxa de mulheres formalmente empregadas em engenharias é mais alta no Brasil do que nos Estados Unidos e Reino Unido”, comenta o outro coautor do estudo, Renato Pedrosa , professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp) e coordenador do projeto “ Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo ”, financiado pela FAPESP.

Segundo a publicação, a recessão de 2015 no país impactou drasticamente os gastos em pesquisa e desenvolvimento. Apesar do aumento do número de empresas do setor de transformação que relatava ter uma equipe dedicada ao tema entre 2014 e 2017, os gastos com essas atividades diminuíram de US$ 18 bilhões em 2015 para US$ 15 bilhões em 2017. Além disso, o relatório observa que houve queda no depósito de patentes pelo setor privado, enquanto cresceu entre universidades.

“O Brasil tem uma capacidade científica instalada, associada a um forte sistema de pós-graduação, que causa inveja à maioria dos países emergentes. O que não temos é a absorção dessa ciência pela nossa indústria, que não é muito inovadora. Isso acontece porque ela não é competitiva internacionalmente. O setor agrícola e empresas como a Embraer, que competem nos mercados externos, são muito inovadores e vão muito bem lá fora. Mas a maior parte das empresas sediadas no Brasil é voltada apenas para o mercado interno, importando ou simplesmente deixando de lado a inovação”, diz Pedrosa.

Alerta

Apesar das dificuldades estruturais, no entanto, o período contou com o projeto Sirius, que inaugurou neste ano uma das primeiras fontes de luz síncrotron de quarta geração no mundo, no Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas.

O relatório destaca ainda a implementação do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas, capaz de proporcionar acesso à internet de banda larga em regiões remotas do país. Na área de tecnologia da informação, o país introduziu o sistema de pagamentos on-line PIX, uma das primeiras iniciativas do tipo no mundo.

O relatório lembra que o Brasil aumentou consideravelmente a publicação de artigos científicos desde 2011 e que enfrentou duas epidemias, a de zika e a de COVID-19, tendo se unido a esforços internacionais para o desenvolvimento de vacinas contra esta última. O Brasil foi o segundo país que mais publicou artigos científicos sobre zika em 2016 e 2017, com alto índice de citações (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/publicacoes-cientificas-sobre-zika-e-microcefalia/ )

O estudo destaca ainda os polos de inovação nas universidades, berços de startups que impulsionaram a geração de patentes e a colaboração científica entre indústria e academia. Por outro lado, a proteção ambiental piorou nos últimos dois anos, como ficou evidente nos rompimentos de barragens de rejeitos de mineração e na crescente incidência de incêndios no Pantanal e na Amazônia, indicando que os sistemas de monitoramento e prevenção são insuficientes.

Além da queda nos gastos de P&D pela indústria, os autores alertam que a pós-graduação, até então a maior produtora de ciência no país, está entrando em estagnação, com cortes em nível federal ocorrendo desde 2015.

“O sistema de ciência e tecnologia brasileiro pode ser destruído. Isso é muito mais perigoso do que somente diminuir investimento. A resiliência tem limite. Se as bolsas para a pós-graduação continuarem diminuindo, vamos parar de formar cientistas e, com isso, a pesquisa acaba. Nossos competidores internacionais, por sua vez, continuarão pesquisando. Deixaremos de ser uma nação independente intelectual, científica e comercialmente”, encerra Chaimovich.

O sumário executivo e o capítulo sobre o Brasil (em português) do Relatório de Ciências da Unesco podem ser lidos em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000377250_por .

O relatório completo (em inglês) está disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000377433 .

Fonte: FAPESP