A dificuldade para ter à mão bons equipamentos e insumos a um preço razoável é um fator que tem encarecido - chegando a três vezes o valor original - e atrasado a ciência e o desenvolvimento tecnológico no Brasil.
Microscópios, cromatógrafos, freezers especiais, pipetas, reagentes e até animais vivos: a quase totalidade desses produtos tem de ser importada, pois não há indústrias nacionais que os forneçam.
Carlos Vogt, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa de SP (Fapesp), instituição que no ano passado gastou cerca de US$ 40 milhões em importações, calcula que as compras externas encareçam em cerca de 40% as pesquisas brasileiras.
'É um problema grave', diz. 'Isso ocorre porque o país não tem nenhuma infra-estrutura industrial para a produção de insumos e equipamentos para pesquisa científica.'
Embora não existam estudos específicos que mostrem quanto as importações tornam mais caro fazer pesquisa no Brasil, há algumas estimativas.
'A imensa maioria dos equipamentos e reagentes necessários aos cientistas é importada de empresas americanas ou européias, a um preço três vezes maior do que aquele pago por pesquisadores de países desenvolvidos', diz o biólogo Stevens Kastrup Rehen, do programa de Neurobiologia e Oncobiologia da UFRJ.
'Não sabemos ainda onde está a raiz do problema, se na tributação do governo federal sobre o material científico importado, se em lucros exagerados dos representantes que fazem a importação.'
A geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, da USP, concorda quanto à gravidade da situação. 'Em um laboratório nos EUA ou Europa você tem o material de que precisa de um dia para o outro', diz.
'Aqui, entre ter uma idéia e poder testá-la pode-se gastar meses, o que as vezes inviabiliza a pesquisa. Outro aspecto incompreensível é que muitos dos equipamentos produzidos no exterior custam mais caro quando vendidos para o Brasil do que no país de origem. Isso sem contar as inúmeras taxas que se agregam depois.'
Soluções domésticas - Os pesquisadores se viram como podem para contornar os preços mais altos que têm de pagar pelos produtos importados. O bioquímico Luiz Alberto Colnago, da Embrapa Instrumentação Agropecuária, que fica em São Carlos, é um exemplo.
Em suas pesquisas sobre metabolismo e fisiologia de bactérias, animais e plantas com importância para a agropecuária, Colnago usa equipamentos eletrônicos importados.
Para diminuir os gastos, ele compra os componentes e monta aqui no Brasil os aparelhos. 'Já conseguimos, até mesmo, desenvolver um de ressonância magnética - usado para verificar a quantidade de óleo em sementes - a partir de componentes comprados no exterior', conta.
'Se comprássemos o equipamento pronto, teríamos de pagar algo entre US$ 80 mil e US$ 100 mil. Agora, um similar está sendo produzido por uma empresa de Ribeirão Preto e vendido por R$ 60 mil, cerca de um quarto do valor.'
Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, a pesquisadora Helaine Carrer precisa fazer uma peregrinação mensal de mais de 100 quilômetros para obter um dos equipamentos mais básicos de qualquer laboratório: as placas de Petri, aqueles pratinhos de vidro ou plástico transparentes usados para cultivo de material in vitro.
A princípio, trata-se de um instrumento descartável, mas, ao custo de R$ 3,12 cada um, muitos cientistas não podem se dar a esse luxo. Só no laboratório de Helaine, que trabalha com plantas geneticamente modificadas, são utilizadas cerca de 500 placas de plástico por mês, o que representaria um custo de reposição mensal de R$ 1.500.
Em vez disso, Helaine lava e guarda cada placa para 'reciclagem'. Pelo menos uma vez por mês, ela carrega o material no próprio carro até uma empresa de Jarinu, onde as placas são esterilizadas por radiação.
O custo é de R$ 150 por lote de 500, ou 10% do que o laboratório gastaria com novas placas importadas, já que não há fabricante no Brasil. Com isso, é possível reutilizá-las por até três ou quatro vezes.
'Não é o recomendado, porque o plástico vai amarelando e pode ficar com resíduos que alteram o resultado dos experimentos', afirma Helaine.
'Mas seria impossível comprarmos novas placas todos os meses. Precisamos de empresas nacionais que produzam esses materiais com qualidade e baixo custo.'
Mobilização - Diante desse quadro, a comunidade científica está começando a se mobilizar para achar saídas que possam diminuir os custos dos produtos importados.
'Queremos iniciar um diálogo com os representantes brasileiros das empresas do setor, com o governo e os colegas para entender por que é tão caro fazer ciência no Brasil', diz Rehen, que também trabalha do Instituto de Pesquisas Scripps, da Califórnia, nos EUA.
'Temos várias propostas para discutir.'
Uma delas é negociar, por meio das sociedades representativas da comunidade científica, como a SBPC, o abatimento nos preços de produtos científicos ou a diminuição na margem de lucro dos representantes nacionais, baseando-se em comparações de preços entre países.
'Também vamos incrementar a discussão internacional do tema', informa Rehen. 'O objetivo é obter o apoio de outros países pobres e organizações internacionais, como a Unesco, capazes de pressionar diretamente as empresas multinacionais.'
No âmbito interno, os pesquisadores pretendem procurar o governo brasileiro e sugerir alternativas capazes de reduzir o preço final dos produtos científicos importados. 'Isso poderia incluir redução da taxa de importação', explica Rehen.
'Além de uma investigação sobre as margens de lucro obtidos por filiais de empresas de material científico em nosso país, também buscaremos lidar em bloco com o problema, por intermédio, por exemplo, do Mercosul.' (Colaborou Herton Escobar)
(O Estado de SP, 25/4)
JC e-mail 2510, de 26 de Abril de 2004.
Notícia
Jornal da Ciência online