Brasil e Argentina vão assinar um amplo acordo de cooperação espacial durante a visita do presidente Fernando Henrique Cardoso a Buenos Aires, no começo de abril. O anúncio foi feito ontem pelo ministro argentino da Defesa, Oscar Camillión, que declarou ter sido "um erro" os dois países não terem cooperado nessa área há mais tempo. "Era um velho objetivo que foi protelado por uma razão e outra. A possibilidade de integração sempre existiu, e poupar dinheiro no campo espacial é importante."
Os dois países deverão construir satélites conjuntos, realizar pesquisas e, futuramente, fabricar um Veículo Lançador de Satélites (VLS), informaram fontes do governo. Camillión falou à Comissão de Relações Exteriores do Senado sobre "a visão argentina da Defesa". Salientou que, com a diminuição dos recursos do governo argentino alocados à área de Defesa - o orçamento atual corresponde a 1,8% do PIB frente a 3.495- no começo dos anos 80 -. é necessário aumentar a capacidade tecnológica das Forças Armadas e, nesse sentido, a cooperação espacial com o Brasil é importante.
Camillión veio ao Brasil para preparar a agenda da segunda reunião de ministros de Defesa do continente, que se realizará em outubro, em Bariloche, e cujo tema central será os desafios para os próximos anos, entre eles o combate ao narcotráfico e ao terrorismo. A primeira foi no ano passado em Williamsburg, EUA.
O ministro anunciou que o governo Menem gastará US$ 182 milhões na compra de três radares para a vigilância do Norte do país, onde existem muitas pistas de pouso clandestinas, a maior parte usada para o tráfico de drogas. O programa argentino de radares consumirá cerca de US$ 500 milhões em equipamentos e serviços que serão contratados mediante concorrência pública, ao contrário do que ocorreu com o Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia (Sivam), para o qual foi selecionada, sem licitação, a norte-americana Raytheon.
Camillión disse que o principal problema no planejamento das ações de Defesa é "não sabermos qual o risco de amanhã". Mas contou que um tema que não estava na agenda no passado passou a preocupar o governo. Trata-se da pressão das entidades não-governamentais internacionais para manter a territorialidade da ocupação do solo argentino pelos 200 a 300 mil índios remanescentes.
O ministro reconhece que depois do fim das desconfianças entre Brasil e Argentina, as Forças Armadas - que deixaram a fronteira Norte por causa do fim do risco Brasil - passaram a ter uma função importante na ocupação do território, especialmente na Patagônia. Apesar de a Argentina compartilhar um espaço geoestratégico com os outros três países do Mercosul, "o que aumentará as questões de segurança". Camillión não enxerga no cenário a unificação das políticas de segurança dos quatro países.
"Na área de segurança e Defesa haverá uma cooperação", simplesmente, o que é positivo porque significa poupança de recursos e aumento das economias de escala, argumentou o ministro. Ele destacou que a política de Defesa de seu país "é inconcebível sem o dado Brasil", e que "o Mercosul é um dado estratégico fundamental para repensar a Defesa na Argentina. O Mercosul representa uma carta de apresentação no cenário internacional". Segundo Camillión, a Argentina tem na economia brasileira a sua reserva estratégica.
O embaixador Antônio Dayrell de Lima, chefe do Departamento de Temas Especiais do Itamaraty, que cuida de espaço, mar, Antártica e meio ambiente, salienta que o acordo espacial entre o Brasil e a Argentina "tem a dimensão do bom estágio do relacionamento entre os dois países".
A assinatura do acordo terá um outro simbolismo: significará a normalidade das relações bilaterais em um terreno extremamente sensível. Termina, assim, a animosidade provocada pelo ingresso do Brasil no Regime de Controle de Tecnologias de Mísseis (MTCR) sem condições, ao contrário do que ocorreu com a Argentina, que para aderir a esse mecanismo teve de desmantelar o seu programa Condor II, de fabricação de mísseis militares, porque "provocou uma inquietação global", segundo Camillión. Com isso, a Argentina "mudou a sua política missilística em termos dramáticos" e ficou tecnologicamente mais atrasada do que o Brasil na área espacial. Somente em julho do ano passado o primeiro satélite argentino foi testado pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos (SP).
Desde 1989 existe uma declaração bilateral, que criou um grupo de trabalho. No mês passado, em Buenos Aires, houve a quinta reunião de cooperação espacial, que concluiu o acordo de cooperação nos usos pacíficos do espaço exterior.
Notícia
Gazeta Mercantil