O futuro da sociedade brasileira será moldado pelas escolhas que o governo e a sociedade fizerem em relação à inteligência artificial (IA). E o cenário atual traz um alerta: sem investimento adequado na área, o Brasil pode ter um declínio tecnológico com impactos sem precedentes. A conclusão faz parte do relatório “Recomendações para o avanço da inteligência artificial no Brasil”, lançado nesta quinta-feira (9) pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) na sede da entidade, no Rio de Janeiro. A íntegra pode ser vista aqui. Já o relatório pode ser acessado neste link.
Primeiro documento com recomendações sobre inteligência artificial no Brasil, o relatório foi produzido por um grupo de 16 pesquisadores de diferentes áreas e regiões. O texto traz um diagnóstico da situação nacional em relação à IA, potenciais usos e aplicações em diferentes áreas, riscos éticos e sociais e recomendações para que o país avance no uso da tecnologia nos próximos anos.
“É imperativo que o Brasil estabeleça políticas públicas e investimentos para reverter essa tendência sem demora. Se persistir a inércia, o impacto negativo será sentido a curto prazo na educação, nos demais índices sociais e na economia, com a consequente falta de competitividade empresarial em todas as áreas”, destaca o relatório.
Entre os principais apontamentos do documento está a necessidade urgente de formar profissionais qualificados em áreas relacionadas à inteligência artificial, como aprendizado de máquina e ciência de dados. O documento aponta que países com liderança tecnológica já iniciaram essa formação há ao menos uma década, o que deixa o Brasil em desvantagem, situação que também dificulta a retenção desses profissionais – pesquisadores, professores e interessados em inteligência artificial – frequentemente atraídos por empresas do exterior.
Outra recomendação é a criação de políticas de fixação desses talentos, com oferta de bolsas de incentivo à pesquisa, por exemplo. Entram ainda na lista a possível criação de uma agência federal com foco em financiamento de projetos, a adoção de uma campanha nacional de informação para que a população entenda e saiba ligar com a IA, assim como para ensinar o assunto nas escolas e criar centros específicos de pesquisa nas universidades.”
“O Brasil não pode ser apenas um consumidor de inteligência artificial. Ele tem que traçar suas políticas, buscar sua autonomia, manter a soberania em suas decisões”, afirmou durante o lançamento o diretor da ABC, professor emérito da UFMG e coordenador do grupo de trabalho, Virgílio Almeida. Ele lembra que outros países já estão investindo e criando políticas sobre o tema, e que o Brasil não pode ficar atrás. “A janela de oportunidade é estreita. Se o Brasil perde esse desenvolvimento, a distância em relação a uma indústria avançada e economia competitiva vai aumentar, porque os países estão indo rapidamente em direção ao uso dessas tecnologias.”
Segundo ele, a proposta do relatório é dar subsídios para aumentar o debate público sobre os impactos da IA. O assunto tem sido cada vez mais debatido no Brasil e no mundo com a popularização de ferramentas de IAs generativas, como ChatGPT e Bard, e a criação de imagens complexas, como o DALL-E. A discussão também ocorre em um contexto em que outros potenciais usos da IA ganham espaço em diferentes áreas. O relatório traz alguns.
Na saúde, a tecnologia pode ajudar no diagnóstico e identificação de doenças, na personalização de tratamentos e no uso de robôs em procedimentos médicos. No setor energético, as ferramentas ajudam na prevenção de fenômenos climáticos e na tomada de decisões. Na educação, a IA pode ajudar a promover a criatividade e curiosidade e a fornecer conteúdos personalizados aos alunos. O setor empresarial pode usar a tecnologia no atendimento a clientes, na otimização de processos e no avanço de novas formas mais humanas de automação. A área acadêmica pode se beneficiar das IAs na pesquisa científica, reduzindo tempo e recursos, além de integrar conhecimento multidisciplinar e auxiliar em experimentos.
Para Edmundo Albuquerque Souza e Silva, professor da Coppe-UFRJ e que também participou da construção do relatório, a IA deve trazer mudanças também na forma de ensinar. “O papel do professor vai ter que mudar. Há dados que mostram que 80% dos exercícios a IA já resolveu”, diz. Ele frisa, porém, a importância do papel do professor nesse cenário. “Será um desastre para nós se o aluno achar que o professor será irrelevante. Pelo contrário: o professor tem um papel muito mais fundamental de despertar curiosidade e valor crítico.”
Brasil precisa avançar e criar garantias contra riscos da IA
O relatório aborda ainda os riscos do uso da IA. Entre as preocupações, estão a violação de privacidade, já que dados de usuários de internet são usados para treinar IAs generativas. Pesquisadores apontam como “tangível” o risco, em um futuro próximo, de extinção de alguns empregos. Outra preocupação é que algoritmos usados em sistemas de IA, ao serem treinados por humanos, disseminem preconceitos e aumentem desigualdades.
“Sabemos que os algoritmos de reconhecimento facial erram mais para pessoas de pele escura e para mulheres”, diz Soraia Musse, da PUC-RS, ao citar durante o lançamento os riscos trazidos por possíveis vieses nessas tecnologias. Para ela, há necessidade de ampliar pesquisas em alguns sistemas de IA antes de sua incorporação para evitar esses problemas. “É preciso garantir uma inteligência artificial responsável e justa.”
Nesse contexto, o documento aponta que é preciso estabelecer regras e limites sobre o uso da IA, mas ressalta a necessidade de participação da comunidade científica nas discussões. O desafio é duplo: proteger a sociedade e não atrasar o desenvolvimento tecnológico.
“A inteligência artificial pode ser um recurso valioso para proteger valores democráticos e a melhoria da governança, permitindo mais transparência, mas pode também trazer impactos negativos, como a disseminação em larga escala de imagens e textos falsos gerados rapidamente e com aparência de autenticidade. Por isso o avanço deve ser acompanhado de medidas de proteção e minimização desses riscos”, diz Almeida.
Ao todo, participaram da construção do relatório os pesquisadores Adalberto Fazzio (USP), Altigran Soares da Silva (UFAM), Anderson da Silva Soares (UFG), André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho (USP), Edmundo Albuquerque de Souza e Silva (UFRJ), Elisa Reis (UFRJ), Fabio Gagliardi Cozman (USP), Helder Nakaya (Hospital Israelita Albert Einstein), José Roberto Boisson de Marca (PUC-Rio), Luís Lamb (UFRGS), Mário Veiga Ferraz Pereira (PSR), Nivio Ziviani (UFMG), Soraia Raupp Musse (PUC-RS), Virgílio Almeida (UFMG), Teresa Bernarda Ludermir (UFPE) e Wagner Meira Júnior (UFMG).
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