Notícia

Gazeta Mercantil

Brasil desenvolve motor hipersônico

Publicado em 14 janeiro 2005

O Brasil já entrou na corrida pelo domínio da tecnologia de motores do tipo "Supersonic Combustion Ramjet" (scramjet), que dentro de 20 anos devem tornar as viagens aéreas muito mais rápidas que a velocidade do som. A expectativa dos pesquisadores é de que no futuro as aeronaves sejam capazes de dar a volta ao planeta em poucas horas e fazer isso sem queimar combustível fóssil, utilizando o próprio ar atmosférico com oxidante.
A pesquisa dos "scramjets" ou motores de propulsão aspirada não convencional é liderada hoje pelos Estados Unidos. Em novembro do ano passado a Nasa (Agência Espacial Americana) realizou com sucesso o segundo teste em vôo do X-43A ou Hyperx, primeiro motor hipersônico do mundo. Num vôo experimental, de apenas dez segundos, o X-43A atingiu 11 mil quilômetros por hora, mais de dez vezes a velocidade do som.
No Brasil, pesquisadores do Laboratório de Aerotermodinâmica e Hipersônica do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e do Laboratório Associado de Combustão e Propulsão, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desenvolvem um motor de combustão supersônica para voar a seis vezes a velocidade do som (Mach 6).
"Essa é uma oportunidade única para o Brasil entrar nessa nova corrida tecnológica e não perder o bonde, ainda que sua participação seja modesta", ressalta o vice-diretor do IEAv e coordenador do projeto do "scramjet" brasileiro, coronel Marco Antônio Sala Minucci. No futuro, segundo ele, as tecnologias avançadas viram itens de prateleiras e o Brasil acaba tendo de pagar uma fortuna por eles, como é o caso os motores a jato convencionais.
Outro exemplo é o da tecnologia de propulsão líquida, já bastante consagrada em vários países do mundo. O Brasil tem agora um acordo de cooperação com a Rússia para aplicar essa tecnologia nas futuras gerações do foguete VLS, mas terá de pagar alto por isso.
A idéia de fazer no Brasil um motor a combustão hipersônica foi elogiada por Ozires Silva, um dos conselheiros da Finep que avaliou positivamente o pedido de recursos para o projeto do IEAv/Inpe. Silva foi considerado um visionário quando lutava pela construção do primeiro avião brasileiro, numa época em que o Brasil não tinha nem o projeto de um carro nacional.
"E porque não envolver a Embraer nesse projeto? A era hipersônica está chegando, e as fabricantes de aviões já pensam nos futuros jatos movidos a motores scramjet", alerta o pesquisador. A versão brasileira do "scramjet" será testada inicialmente no túnel de vento hipersônico do CTA e na bancada de ensaio de câmaras de combustão supersônica do Inpe, em Cachoeira Paulista, para depois então ser testada em vôo. A principal vantagem desses motores, segundo Minucci, é o fato de o oxigênio necessário ao funcionamento ao scramjet ser retirado do próprio ar atmosférico.
A maior parte do peso de um ônibus espacial, por exemplo, vem do oxigênio líquido que ele carrega e é cerca 16 vezes mais pesado que o combustível do veículo (hidrogênio líquido). "Utilizando o ar atmosférico como oxidante, veículos dessa categoria transportam apenas o combustível, e adquirem a maior parte da energia cinética necessária para atingir a órbita terrestre durante seu vôo atmosférico", explica.
Os pesquisadores do IEAv já vislumbram a possibilidade de o "scramjet" ser utilizado nas futuras gerações do Veículo Lançador de Satélites (VLS) brasileiro. "É possível que no futuro sejamos capazes de testar um veículo satelizador hipersônico experimental, em escala reduzida, tendo como primeiro estágio um veículo VS-30 ou VS-40, desenvolvidos pelo CTA e que já são utilizados no VLS".
A montagem do protótipo do motor hipersônico brasileiro, de acordo com o coordenador do projeto, já foi concluída. "Estamos trabalhando agora no desenvolvimento do sistema de injeção de hidrogênio gasoso do motor, o mesmo utilizado pelo X-43 A", explicou.
O grande segredo do funcionamento desse tipo de motor, segundo Minucci, será conseguir injetar o combustível na câmara de combustão e fazer com que ele se misture e provoque a queima. A expectativa do pesquisador é de que o primeiro teste do motor no túnel de vento hipersônico seja realizado em maio deste ano.
O projeto, de custo estimado em R$ 5 milhões, tem inicialmente o apoio financeiro da Aeronáutica, que já está colocando recursos à disposição para o desenvolvimento do primeiro protótipo e do sistema de aquisição de dados e imagens.
A FAPESP, segundo Minucci, deverá apoiar o desenvolvimento da construção de um novo túnel de vento hipersônico, específico para o projeto dos motores "scramjet". O Fundo Setorial Transversal também apóia o projeto com o financiamento dos ensaios que serão realizados nos laboratórios do IEAv e do Inpe.

Projeto começou em 1992
Os estudos iniciais que levaram ao desenvolvimento da versão brasileira do "scramjet" começaram em 1992, um ano depois de o pesquisador do IEAv Marco Menucci ter concluído doutorado nos EUA sobre a entrada de ar dos motores hipersônicos. Na época a Nasa estava envolvida com o desenvolvimento do primeiro avião hipersônico tripulado, batizado de Nasp (National Aerospace Plane).
O objetivo era que o Nasp atingisse velocidades de Mach 25 e pudesse fazer uma viagem de São Paulo a Los Angeles em apenas 15 minutos. O projeto, no entanto, acabou não tendo continuidade devido à falta de recursos.
O pesquisador do IEAv e seu parceiro no projeto, Demétrio Bastos Netto, chefe do Laboratório de Combustão do Inpe, foram os pioneiros nesse tipo de pesquisa no Brasil. O engenheiro Minucci, por exemplo, construiu o primeiro túnel de choque capaz de testar o escoamento ao redor de um avião hipersônico durante um milésimo de segundo.
O túnel tinha capacidade de atingir velocidades de até Mach 12, podendo simular, por exemplo, o escoamento de ar rarefeito que um satélite artificial encontraria numa órbita de baixa altitude. O projeto do "scramjet" ganhou fôlego em 2000, quando Minucci concluiu o pós-doutorado em controle de escoamento hipersônico com adição de energia a laser.
O primeiro resultado dessa pesquisa feita nos EUA ocorreu em 2003. O grupo de pesquisadores liderados pelo engenheiro conseguiu reduzir o arrasto aerodinâmico de um veículo utilizando laser como fonte de energia. O ensaio, inédito, foi feito no túnel de vento hipersônico do IEAv, com um veículo em escala reduzida, que se deslocou a uma velocidade 7,3 vezes maior que a do som na atmosfera terrestre.
Foi a primeira vez que se conseguiu reduzir o arrasto aerodinâmico (força de atrito com o ar enfrentada por aviões) de um veículo em vôo hipersônico, por meio da focalização de um feixe de laser. A mesma experiência foi feita em 1995 por pesquisadores russos e americanos, mas em vez do laser, eles usaram uma tocha de plasma como fonte de energia. A redução de arrasto é importante porque diminui o aquecimento dos veículos em vôo, tornando as estruturas das aeronaves mais leves e simples.