Cardiologistas desenvolvem cirurgias e aparelhos revolucionários tornando-se referência para os grandes centros internacionais
O grande número de pacientes com problemas de coração e a criatividade dos médicos especialistas são os principais motivos que deixaram a cardiologia brasileira equiparada, a dos países de primeiro mundo. Inventando cirurgias e desenvolvendo aparelhos que são exportados para diversos países os profissionais brasileiros se destacam e são referência para muitos centros internacionais.
"Os cardiologistas têm um grande incentivo para pesquisar e desenvolver novas técnicas, pois o Brasil é um dos campeões em número de pacientes com doenças cardiovasculares", diz o cardiologista Mário Maranhão, presidente do 13° Congresso Mundial de Cardiologia. Mas mesmo com o avanço das técnicas cirúrgicas a prevenção e as campanhas educativas ainda são responsáveis por salvar muitas vidas. A cirurgia é uma das áreas que mais se desenvolveu dentro da cardiologia brasileira, que hoje está entre as cinco principais do mundo.
Elástico - Randas Batista é um dos nomes que tornou famosa a cardiologia brasileira. Tirar um pedaço do coração para melhorar seu funcionamento pode, em princípio, parecer coisa de maluco. Mas Randas provou, em 1994, que a técnica é extremamente eficaz. "O músculo cardíaco, no seu estado normal, dilata para depois contrair. Acreditava-se que quanto mais o coração crescia, melhor seria seu funcionamento. Descobri que isso é verdade só até, um certo ponto. Da mesma forma que um elástico, o coração não pode estender-se demais sem comprometer seu funcionamento", diz o cardiologista.
Randas resolveu então fazer uma cirurgia na qual um pedaço do ventrículo é extraído, deixando o coração no tamanho natural. A técnica - batizada de cirurgia de ventrilectomia parcial, ou remodelamento ventricular - foi adotada por grandes centros de cardiologia e rendeu dois prêmios a Randas: um no Brasil e outro nos Estados Unidos.
Ainda na área cirúrgica, importante contribuição foi dada pelo ex-ministro da Saúde Adib Jatene. Jatene foi o responsável pela cirurgia para crianças com cardiopatia congênita, que acabou recebendo seu nome. A Cirurgia de Jatene é aplicada em bebês que nascem com as artérias aorta e pulmonar trocadas. Foi uma técnica revolucionária nos anos 80 e, nos casos indicados, tem 100% de aceitação. A inversão das artérias pode ser percebida logo no nascimento, pela coloração arroxeada do bebê. Sem a operação, a criança tinha uma expectativa de vida bastante curta, que ia de dias a meses. Jatene estará no congresso falando sobre a técnica.
Angioplastia - Saindo do campo das cirurgias, o Brasil também foi pioneiro na angioplastia. A primeira angioplastia realizada na América Latina foi feita em agosto de 1979, na Santa Casa de Curitiba, pelo cardiologista Constantino Constantini. "Já conhecia a técnica por ter acompanhado apresentações em congressos internacionais. Também participei de um trabalho experimental nos Estados Unidos que utilizava uma técnica bastante semelhante", diz Constantini.
Ao se deparar com um paciente que tinha todas as indicações para uma angioplastia, Constantini não hesitou. "Era um caso ideal para essa prática, além disso, não havia nenhum risco de complicações", lembra. A angioplastia é usada para desobstruir as artérias coronárias, normalizando o fluxo sangüíneo. É mais simples que uma cirurgia de ponte de safena, e o paciente não precisa de anestesia geral ou transfusão de sangue.
Na técnica de reconstituição das válvulas mitrais, o Brasil prestou contribuição pelo invento do cardiologista Francisco Gregori, que desenvolveu um anel para a válvula mitral. O Anel de Gregori foi feito especialmente para atender jovens de 8 a 15 anos de idade. "Encontrei um quadro diferente dos outros países, pois no Brasil cerca de um terço dos casos que exigiam a reconstituição das válvulas ocorria em crianças e jovens, devido à febre reumática", explica.
Costuma-se colocar um anel protético para remodelar a válvula, impedindo que a continuidade do processo de dilatação. Mas o anel comum não se adaptava às crianças, ainda me fase de crescimento. O Anel de Gregori é semicircular, ou seja, não envolve toda a artéria. É feito de aço e revestido de borracha e silicone. "A outra metade da válvula cresce normalmente, não influenciando seu funcionamento", diz Gregori, que foi o primeiro a trazer a técnica de reconstituição das válvulas para o país, no início da década de 70. Os anéis foram aprovados internacionalmente e são exportados para diversos países, inclusive para os Estados Unidos.
Veneno - O atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Sérgio Henrique Ferreira também deu sua contribuição para manter a cardiologia brasileira equiparada a dos países de primeiro mundo. Substâncias presentes no veneno de jararaca, capazes de reduzir a pressão arterial, mostraram-se eficientes para evitar o infarto do miocárdio e a insuficiência cardíaca. Esse fato foi constatado em 1948, pelo pesquisador Maurício Rocha e Silva, já falecido. Mas foi o farmacologista Sérgio Ferreira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto que conseguiu isolar em 1961 outro grupo de substâncias da jararaca - os inibidores da conversão da angiotensina - capazes de potencializar a ação da bradicinina.
A partir desse estudo, o laboratório americano Squibb sintetizou o remédio Capoten, para hipertensos, que rende atualmente bilhões de dólares anuais. Mais de 20 substâncias semelhantes a essa são hoje comercializadas no mundo. Estudos feitos por Sérgio, que falará sobre o tema no congresso apontam um novo uso para esses inibidores. Há fortes evidências de que essas substâncias têm um efeito cardioprotetor na insuficiência cardíaca e nas lesões provocadas pelo infarto do miocárdio.
Notícia
Jornal do Brasil