O perfil que as empresas exigem para novos executivos está tornando cada vez menores as chances de sucesso para quem, desde a adolescência, precisa dividir seu tempo entre escola e trabalho. Um jovem recém-formado pode entrar no mercado de trabalho ganhando R$ 70 mil por ano, como "trainee", uma espécie de estagiário de luxo. Esse é o salário pago pelo Citibank, mas para conseguir a vaga é preciso uma pós-graduação nos Estados Unidos e não ser empregado de outra empresa. Em algumas empresas, até mesmo um simples operador de tele-marketing precisa estar cursando a universidade.
Um MBA (em inglês, Mestrado em Administração de Empresas) no exterior custa pelo menos US$ 30 mil, e mais uns "trocados" para morar fora. No Brasil, o MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV) custa R$ 1,35 mil por mês, durante dois anos.
Estudos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) informam que 68% das pessoas que trabalham no País tiveram o primeiro emprego antes dos 14 anos.
Délcio Klein, diretor de recursos humanos do Citibank, entrou no banco em 1968, numa época em que as oportunidades eram maiores para um estudante que, como ele, tinha de trabalhar para pagar a faculdade. Hoje ele reconhece que as regras do jogo mudaram.
MELHORES VAGAS VÃO PARA QUEM NÃO TRABALHA
As exigências dos departamentos de RH para futuros executivos dificultam a carreira de quem não pode dedicar-se somente aos estudos
O dito popular "quem trabalha não tem tempo para ganhar dinheiro" é falacioso. Mas com uma pequena mudança ganha bastante propriedade: Quem trabalha desde muito jovem não consegue os melhores empregos. O perfil exigido pelas empresas para funcionários de nível executivo, de gerentes a presidentes, está tomando cada vez menores as chances de sucesso para quem, desde a adolescência, precisa dividir seu tempo entre escola e trabalho.
O diploma universitário é um "privilégio" de poucos. Na contagem da população brasileira feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1996, por exemplo, constatou-se que apenas 0,76% dos brasileiros entre 15 e 19 anos de idade têm ao menos um ano de faculdade concluído.
Essa formação superior está se tornando indispensável até para postos sem o menor "glamour", como no teleatendimento da Credicard (curso incompleto). Mas privilegiados mesmo são aqueles integrantes de um grupo ainda mais restrito, o dos que concluíram cursos de "Master Business Administration (MBA)"; candidatos aos postos mais bem-remunerados das empresas. Se o MBA for de escola no exterior, o portador do título tem o raríssimo privilégio de escolher onde quer trabalhar.
O Citibank - que no Brasil, também é sócio e administrador da Credicard - paga salário inicial de R$ 70 mil por ano e um carro para o treinando que tiver um diploma de MBA em uma das 19 universidades aceitas pelo banco (como Harvard ou o MIT, ambos nos EUA) e não estiver empregado. "Esse pessoal é disputado a tapa", define o diretor corporativo de Recursos Humanos (RH) do Citi no Brasil, Délsio Klein.
Para conseguir um MBA no exterior é preciso ter pelo menos uns US$ 30 mil para pagar o curso, e mais uns "trocados" para passar um ano fora só estudando. Para algumas famílias, isso pode significar apenas abrir mão de (mais) um carro importado em nome de um futuro promissor. Para muita gente, porém, é quase impossível.
No Brasil, o MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV) custa R$ 1.350 por mês, durante dois anos, o que dá R$ 32,4 mil, com a vantagem de não precisar ficar esse tempo todo sem trabalhar. As aulas são às quartas e quintas-feiras, das 19h às 22h4O, e às sextas-feiras o dia todo, mais um sábado de período integral a cada duas semanas. Na Business School São Paulo (BSP), obtém-se um MBA em doze meses, ao preço de R$ 18,9 mil, à vista. As aulas são em inglês.
Maria Elisa Gianini Carra, diretora de Recursos Humanos da Ernst & Young, responsável pela avaliação de alguns milhares de currículos por ano (este ano, foram 7 mil, para 120 vagas de "trainees") reconhece que a formação escolar é mais decisiva do que a experiência. Entre um candidato que está fazendo o curso à noite e trabalhando durante o dia, e outro que nunca trabalhou mas acaba de concluir o MBA em Harvard, a escolha é óbvia. "Esta minoria que consegue uma excelente formação pode trabalhar em qualquer lugar do mundo", diz ela.
Minoria mesmo. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), 68% dos trabalhadores empregados no País tinham começado a trabalhar antes dos 14 anos de idade, em 1993. Dos candidatos a "trainees" deste ano, 60%, segundo Carra, tinham experiência profissional.
As empresas de auditoria e consultoria têm fama de formadoras de profissionais. Essas empresas recrutam centenas de universitários, todos os anos, e lhes oferecem planos de carreira que culminam com um convite para integrar a sociedade. Nos primeiros anos, a carga de treinamento é intensa, coisa de oito a dez horas por dia. Depois de cinco ou seis anos de trabalho, os profissionais estão num ponto em que começam a surgir oportunidades em companhias de outros ramos.
Adilson Araújo dos Santos, gerente de remuneração da Deloitte Touche Tohmatsu, informa que os clientes que procuram a divisão de recrutamento ("headhunting") da empresa pedem formação superior para todos os cargos de gerente para cima - ou seja, a partir do quarto nível de poder no organograma de uma empresa.
Segundo Santos, os profissionais que ocupam uma boa posição costumam ter no currículo escolar nomes como os colégios paulistanos Santo Américo, Rio Branco e Dante Alighieri, e formação universitária na Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e FGV.
Nas duas primeiras, o estudo é gratuito. Na FGV, o curso de Administração de Empresas custa R$ 784 por mês, durante quatro anos, com R$ 100 de taxa de inscrição. Não há curso noturno. O diploma, que enriquece qualquer currículo, está ao alcance de quem puder dedicar todas as manhãs e tardes, e mais algumas noites, aos estudos.
As três séries do 2º Grau, no Dante Alighieri, custam R$ 508 por mês, mais uma taxa de matrícula, de R$ 250, paga em janeiro, somando R$ 19 mil até o aluno ter seu diploma - fora o material didático. As aulas vão das 13h10 às 18h20 e incluem curso de informática, inglês e italiano.
Plínio Discalchim, da área de auditoria da KPMG Peat Marwick, informa que entre 52% e 61% dos "trainees" admitidos entre 1992 e 1996 saíram de quatro universidades privadas: a Pontifícia Universidade Católica (PUC), Universidade Paulista (Unip), Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e Mackenzie. Mas a procedência da fatia restante vem se pulverizando. Em 1992, 42% dos recrutados saíram de oito faculdades. Em 1996, 39% saíram de treze.
A Faculdade de Economia da Faap está custando R$ 540 por mês. O curso diurno tem quatro anos e o noturno, cinco. No total, portanto, sai mais caro para quem pretende trabalhar durante o dia. Fazer Ciências Contábeis na PUC custa R$ 520 mensais. O curso é noturno e dura cinco anos. A concorrência não é das maiores: dois candidatos por vaga.
As empresas também exigem inglês fluente e habilidade com computadores - o que, à exceção dos gênios autodidatas, ninguém consegue ter estudando apenas em escolas oficiais. Um cursos de inglês em São Paulo pode custar desde R$ 80,00 por mês, no Centro de Idiomas do Grêmio Politécnico da USP, até R$ 1.320 o bimestre, com quatro aulas de uma hora e 50 minutos por semana, na Alumni. Quem tiver de começar do nível mais básico, precisará de oito bimestres para ter fluência no idioma, de acordo com o programa da escola. Portanto, inserir um "inglês fluente" no currículo acaba custando R$ 10.560, em dois anos.
Para não ter de gastar tudo isso depois de grande, é preciso ter uma boa escola na infância. Só para dar um exemplo, no Colégio Bandeirantes, rival à altura do Dante Alighieri, estuda-se inglês como nas escolas públicas, mas o nível, de maneira geral, é bem melhor. Também há algumas aulas de espanhol, e aprende-se a lidar com a Internet. A mensalidade este ano está em R$ 673, sendo que a de janeiro corresponde à matrícula. O material didático custa R$ 367, mais os livros que o professor indicar.
Cursar o Bandeirantes da 1ª até a 3ª série do 2º grau é uma boa maneira de quase assegurar uma vaga nas melhores faculdades. Mas custa mais de R$ 25 mil e, como as aulas são vespertinas, é inviável para quem pense em trabalhar.
As áreas de recursos humanos (RH) das empresas ainda alimentam a idéia da carreira de sucesso dentro da companhia, como se o sucesso dependesse tão-somente de trabalhar bastante. Mas, na verdade, o operário ou auxiliar de escritório ("peão", como ainda se diz longe das câmeras e gravadores) tem pouca chance de se tornar um executivo "top", com direito a um carro importado pago pela empresa, prêmios em ações da companhia e outros benefícios requintados.
O suplemento "O Domínio da Administração", tradução do jornal britânico Financial Times publicado em português pela Gazeta Mercantil, é claro: "O mito de que um jovem armado de determinação podia entrar numa empresa como contínuo e, através de esforço e coragem, chegar à diretoria executiva se desfez frente à exigência virtualmente universal de que é necessário ter pelo menos um curso superior para colocar um pé no degrau mais baixo da escada profissional e administrativa".
Guilherme Veloso, sócio da "headhunter" (recrutadora de executivos) PMC Amrop, diz que principalmente o início de carreira é mais difícil para quem tem menos tempo de estudar e ainda não conquistou boa reputação no mercado. Mas acha que, a médio prazo, a experiência começa a ganhar importância. "As pessoas que trabalham desde cedo ficam dependendo das oportunidades que surgem para lhes garantir alguma renda, o que é sua prioridade", raciocina.
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Gazeta Mercantil