No final do ano de 2019, surgiu o vírus denominado Covid-19 na China que, posteriormente, se alastrou pelo mundo. Muitos governantes e cidadãos estavam céticos em relação ao seu avanço globalmente e da sua força epidêmica. Rompendo esse ideário, e frente à ausência ou retardamento de medidas de isolamento social para a devida contenção, o vírus avançou e foi denominada em 11 de março de 2020 como uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde.
A escalada de contaminação atingiu progressões geométricas e países como Espanha e Itália acumulam milhares de mortos e um sistema de saúde colapsado pela falta de leitos para atender os enfermos, além da falta de testes para serem aplicados a todos. Dentre os governos céticos em relação ao vírus e sua força, estavam o norte-americano, coordenado por Donald Trump e o brasileiro, desgovernado por Jair Bolsonaro.
O líder da maior economia do mundo sustentava que a vida e a economia continuariam, opondo-se a medidas de isolamento social. Frente ao aumento do número de casos e mortes promovidas pelo vírus, Trump cedeu, implementou a quarentena e estendeu o isolamento social até 30 de abril.
No outro extremo dos trópicos, no Brasil, Bolsonaro fez pronunciamentos afirmando a necessidade de suspensão da quarentena determinada por Estados e Municípios, haja vista a importância de movimentar a economia e evitar o desemprego em massa. Promoveu diversos encontros públicos, em padaria, farmácias e na saída do Palácio do Planalto, sempre cumprimentando seus apoiadores , quando a recomendação da OMS é distanciamento social e uso de máscaras.
Dentre os líderes mundiais, Bolsonaro isola-se no seu mundo paralelo de cloroquina e ‘gripezinha’, mas ainda encontra algum suspiro nos descrentes do mundo científico e limitados ao discurso populista, frágil e completo de achismos do presidente. No último domingo, vários de seus apoiadores chamaram passeatas nas redes sociais para manifestar apoio ao presidente, fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal e a volta do temível Ato Institucional número 5.
O ato aconteceu em diversas localidades: São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Mais uma vez, rompendo as recomendações de distanciamento social e de evitar aglomerações, o presidente compareceu na passeata do Distrito Federal, acenou para os grupos reunidos e ouviu o que desejava : ‘mito’, “AI-5” e ‘fora Maia’.
Estudos legislativos realizados a partir de 1988 , portanto, desde a redemocratização com a promulgação da Carta Constitucional sustentam que os poderes não empreendem um jogo de soma zero (FREITAS,2010)[1]. Apesar de algumas situações de embates, a governabilidade é presente no país, visto que um poder não atua historicamente, para anular a atuação do outro .
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Segundo Limongi e Figueiredo (1999)[2], os incentivos institucionais da carta constitucional bem como pelos poderes conferidos nos regimentos internos nas casas do Congresso, conduzem para que o Presidente da República seja detentor do poder de agenda governamental . Os levantamentos empíricos demonstram que, apesar de o Congresso atuar diretamente na proposição de leis, o Executivo aprova muito mais medidas e muito mais rápido do que o próprio legislativo.
Isso não significa que o Executivo domine a agenda completamente. No caso da proposta de redução da maioridade penal (PEC 171/1993), proposta na Câmara dos Deputados no ano de 2015 e aprovada nesta casa 22 anos depois da sua primeira proposição, verificou-se um deslocamento desse poder (LINO,2015)[3]. Não significa um rompimento da lógica mas uma proeminência do legislativo em aprovar na Câmara uma medida em que o governo federal, à época dirigido por Dilma Rousseff, era totalmente contrário.
Desde a sua campanha presidencial e durante o seu mandato, Bolsonaro tenta romper o histórico de governabilidade e coordenação entre os poderes institucionais. Sempre coloca-se como o novo e cria conflitos para impedir a ação conjunta entre os poderes, o que permitiria o andamento de políticas públicas eficazes.
Bolsonaro sabe que , no papel institucional de presidente, seu discurso, “que é um dos meios pelos quais a política se materializa”, tem muita força e atinge grandes massas (MOREIRA,2016,p.25)[4].No entanto, pretende desconhecer que no Brasil detemos o que se chama ‘presidencialismo de coalizão’. Esse termo cunhado por Sérgio Abranches[5] em 1988 revela que o presidencialismo que aqui se instaurou, ainda que não seja singular e considerado alijado do restante do mundo (LIMONGI,2006)[6], demanda integração entre os poderes para seu devido andamento.
Neste contexto, o líder do Executivo atua promovendo faíscas com o Congresso, rompendo a governabilidade e a promoção e regulamentação de políticas públicas. Alimenta-se da ideia de ‘mito’ e o máximo do populismo com a sua figura de salvador e sustenta manifestações que clamam pelo período mais duro da ditadura, que se deu com o AI-5 em 1968.
Isolando-se dos demais líderes mundiais e apartando-se do conhecimento científico ao negar a força do Coronavírus, Bolsonaro atua em bases eleitoreiras, sem mobilização para melhorias estruturais, aproximando-se do autoritarismo que tanto lhe apetece. Com essa atuação, conduz o país paulatinamente para uma hegemonia fechada e distancia-nos do equilíbrio entre contestação e participação políticas, a poliarquia elucidada por Robert Dahl (1997)[7]
Lillian Lages Lino é Doutoranda em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos. Mestra em Ciências Sociais na Universidade Federal de São Paulo. Servidora Pública na Universidade Federal de São Paulo.
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Notas:
[1] FREITAS, Rafael. Poder de agenda e participação legislativa no presidencialismo de coalizão brasileiro. 2010.126p. Dissertação de mestrado – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
[2] LIMONGI, Fernando; FIGUEIREDO, Argelina. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. São Paulo: Editora FGV/FAPESP, 1° Edição, 1999.
[3] LINO, Lillian Lages.Formação de agenda conservadora no Congresso Nacional: o caso da redução da maioridade penal (PEC 171/1993).- Guarulhos, 2017.
[4] MOREIRA, Davi Cordeiro. Com a palavra os nobres deputados: frequência e ênfase temática dos discursos dos parlamentares brasileiros. Tese de Doutorado, USP. São Paulo, 2016.
[5] LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil-presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Revista Novos estudos,2006.
[6] LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil-presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Revista Novos estudos,2006.
[7] DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição.São Paulo: EDUSP,1997.