Em continuidade à última publicação, seguimos hoje dando sequência à série de colunas onde tratamos dos principais cuidados que as etapas do pré-abate e abate requerem, em especial sobre os ganhos financeiros que as empresas podem obter ao garantir o bem-estar das aves nestas etapas.
Continue acompanhando conosco esta série que segue hoje tratando do descarregamento das gaiolas na plataforma de recebimento e da pendura das aves. Boa leitura!
Após o período de espera, quando o caminhão é direcionado para a etapa de descarregamento, alguns pontos de bem-estar devem ser considerados. É nessa etapa onde se inicia uma interação mais próxima com as aves no frigorífico e, portanto, deve-se ter muito cuidado para não agitá-las.
O posicionamento do veículo de forma correta para o descarregamento previne espaços entre o caminhão e a plataforma, o que evita inclinação das caixas e dificuldade para a retirada das mesmas. No caso de descarregamento automático, cuidados com pontos onde possam haver batidas entre as gaiolas também são necessários.
Com o objetivo de evitar injúrias, quedas e/ou esmagamentos, os operadores devem garantir que todas as caixas, aos serem descarregadas, estejam fechadas.
Como no Brasil a insensibilização é realizada majoritariamente em cubas de imersão com água eletrificada, os frangos precisam passar pela etapa de pendura, considerada dolorosa e incômoda. A dor provocada nesta fase do processo decorre do fato de que as aves são suspensas pelas patas em ganchos metálicos que provocam a compressão das pernas. A experiência dolorosa experimentada pelas aves decorre da rica inervação do periósteo (parte externa do osso), bem como pelo fato de que a pele desta região apresenta uma grande quantidade de terminações de neurônios sensoriais (nociceptores), cuja função é reconhecer e transmitir impulsos em resposta a estímulos nocivos e dolorosos. O desconforto nessa etapa também é agravado pela posição de ponta-cabeça em que as aves são colocadas na linha. Sugere-se que, uma vez a ave em posição invertida, a ausência do diafragma permite a compressão do sistema respiratório pelas demais vísceras da cavidade celomática, provocando dificuldade de respiração nestes animais.
Além dos fatores citados acima, a interação muito próxima nesta etapa entre homem e animal pode promover o comportamento de fuga, muitas vezes representado pelo bater de asas. A frequência e intensidade desse comportamento favorece o aparecimento de hematomas e fraturas, o que impacta negativamente no bem-estar da ave, no rendimento de carcaça e na qualidade-percebida do produto.
Para minimizar tais problemas, são adotados alguns procedimentos operacionais e adequações estruturais, tais como:
- Iluminação com baixa intensidade: níveis constantes (uniformes) e de baixa intensidade reduzem a atividade (agitação) da ave, favorecendo a redução do bater de asas. Sugere-se ainda o uso de luzes de cor azul.
- Prática do operador: este é um dos procedimentos que mais se relacionam com o bem-estar e perda de qualidade. Equipes capacitadas em realizar o procedimento de forma gentil e sem força traz benefícios significativos ao animal, aos operadores e à indústria. Logo após pendurar a ave, recomenda-se apoiá-la com a mão em seu dorso favorecendo o contato do peito com o parapeito, minimizando o bater de asas. Além desse procedimento, é essencial que haja harmonia e sincronia entre os operadores para que nenhum esteja sobrecarregado no processo. Esse é um problema muito comum em diversos frigoríficos onde o operador que pendura a primeira ave necessita exercer diversas funções, tais como: controlar a esteira, pendurar a ave com cuidado redobrado, certificar que todas as aves da caixa foram penduradas e monitorar se há pés remanescentes no gancho. Essa quantidade de atividades pode induzir a erros constantes, comprometendo o bem-estar do animal e o fluxo de abate.
- Tempo entre a insensibilização e a pendura: assim que penduradas, algumas aves normalmente batem asas por um período e gradualmente param. Pesquisas revelaram que até 90% das aves podem bater as asas logo após a pendura (Kannan et al., 1997; Parker et al., 1997). Em outro estudo, observou-se que a grande maioria (99,7%) cessa o bater de asas dentro de 12 segundos se não expostas à luz, a procedimentos brutos e ao pré-choque (Gregory and Bell, 1987). Por isso, recomenda-se um tempo de pendura mínimo de 12 segundos e, no máximo, um minuto.
- Parapeito, curvas e obstáculos: por ser uma etapa tão desconfortável, a estrutura da linha de pendura deve ser mais curta e retilínea possível, evitando desníveis e qualquer ponto que possa ser considerado um obstáculo responsável por causar danos físicos às aves. A adoção de estruturas que permitem o apoio do peito da ave (parapeito) reduz a reação de fuga e, consequentemente, o bater de asas. No entanto, apenas essa mudança de estrutura pode não ser tão eficiente caso o manejo não seja realizado de maneira calma, evitando pressão excessiva e movimentos bruscos.
As aves apresentam variados tamanhos e espessuras de pés, sendo que os machos possuem maior largura que as fêmeas. Por isso, é fundamental a comunicação e trabalho conjunto entre o frigorífico e o fomento agropecuário a fim de reduzir ao máximo a heterogeneidade do lote.
Para minimizar os problemas do sistema de pendura, novos métodos de contenção e novos modelos de ganchos e parapeitos estão sendo estudados. Ainda assim, quando realizada de maneira correta e em instalações adequadas, a pendura e a insensibilização elétrica seguem sendo mais humanitárias que os sistemas de gases aversivos. Trataremos sobre esse tema no próximo artigo. Até lá.
ALVES, S; CIOCCA, J.P; DE LA VEGA, L.T. Manejo Pré-Abate e Bem-Estar Animal. In: MACARI, M.; MENDES, A. A.; MENTEN, J.F.M.; NÄÄS, I.A. PRODUÇÃO DE FRANGOS DE CORTE; 2 ed. São Paulo: FACTA; FAPESP, 2014. cap. 11, p. 193-223.
Leonardo de La Vega é formado em medicina veterinária pela Universidade Luterana do Brasil, teve atuação relevante nas áreas de bem-estar animal e segurança de alimentos na Eleva Alimentos, Perdigão, Sadia e BRF. Com mais de 17 anos de experiência no setor frigorífico, atualmente é auditor do sistema McDonald’s PAACO (Professional Animal Auditor Certification Organization) para os países da América Latina; membro do corpo técnico da Facta/WPSA-BR (Fundação Apinco de Ciência e Tecnologia Avícola / World’s Poultry Science Association – Brazil); auditor do programa Suíço Alo Free; e diretor executivo da F&S Consulting. Vega é autor dos livros Bienestar Animal: una Visión Global en Iberoamerica e Produção de Frangos de Corte, entre outras relevantes publicações científicas nacionais e internacionais.
leonardo@fands-consulting.com