RIO — O consumo de ultraprocessados — alimentos com adição de substâncias sintetizadas em laboratório, como refrigerantes, salgadinhos e refeições congeladas — faz mal e isso não é uma grande novidade. Um novo estudo brasileiro, no entanto, conseguiu quantificar o estrago: ele eleva em 45% o risco de obesidade em adolescentes de 12 a 19 anos. É o que mostrou o trabalho da Universidade de São Paulo em parceria com a Fapesp, publicado na revista científica Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics. A partir da análise de dados de mais de três mil jovens desta faixa etária, o trabalho também revelou que um aumento de apenas 10% na quantidade de ultraprocessados na dieta já é suficiente para elevar as chances de um diagnóstico.
— Entre os jovens já havíamos constatado que o consumo desses produtos é elevado – representando cerca de dois terços da dieta dos adolescentes norte-americanos –, mas os resultados referentes à associação entre padrões alimentares baseados em ultra processados e desfechos de saúde, entre eles a obesidade, eram escassos e inconsistentes — afirmou a autora principal do estudo, Daniela Neri, membro do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Faculdade de Saúde Pública da USP, em comunicado.
Os responsáveis pela pesquisa utilizaram informações coletadas ao longo de cinco anos pelo inquérito nacional de saúde e nutrição dos Estados Unidos, um monitoramento realizado de forma contínua no país. De acordo com a autora, o banco de dados estrangeiro foi utilizado por não haver um levantamento tão completo sobre o assunto no Brasil. No entanto, ela destaca que os resultados podem ser interpretados para a realidade brasileira, uma vez que os jovens do país também são altamente expostos à categoria de alimentos.
No estudo, 3.587 adolescentes foram divididos em grupos. Quando comparados, aqueles que tinham os ultra processados como a maior parte da dieta (média de 64% do total de alimentos ingeridos) tiveram um risco 45% maior de obesidade em relação aos que a dieta era composta em apenas 18,5% pelos alimentos industrializados.
A pesquisa observou ainda que a obesidade abdominal teve seu risco aumentado em 52%, e a obesidade visceral (acúmulo de gordura entre os órgãos), em 63%. O último tipo foi considerado o mais preocupante pelos pesquisadores, que o ligam a um aumento mais expressivo no risco de desenvolvimento de doenças como hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e até mesmo de morte.
Problema em alta entre os jovens
O risco elevado pelos ultraprocessados é uma das muitas faces de um problema que está em alta no mundo. Segundo um levantamento da Imperial College de Londres, em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade em crianças e adolescentes subiu 1.027% nos últimos cinquenta anos, o dobro que o aumento observado na população adulta.
No Brasil, de acordo com dados da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, a condição afeta 15,8% das crianças entre 5 e 9 anos e 12% dos adolescentes. E a pandemia agravou o cenário. Um estudo realizado nos Estados Unidos, publicado na revista Jama, mostrou que, de 2020 para 2021, o percentual de crianças entre 5 e 11 anos com sobrepeso ou obesidade no país saltou de 36,2% para 45,7%.
A incidência da obesidade nestas faixas etárias é especialmente preocupante pois pode estabelecer fisiologias e comportamentos que serão perpetuados para a vida adulta. O médico Antonio Carlos do Nascimento, doutor em endocrinologia pela USP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), explica que um desses exemplos é em relação às células que compõem o tecido adiposo.
Segundo o especialista, mais ativamente durante a primeira infância, e até o fim da adolescência, a quantidade de células adiposas, que retêm gordura, aumenta, mas depois apenas muda de volume. Com isso, na vida adulta, esse número já está estabelecido e pode influenciar como será o ganho e perda de peso durante a vida.
— Então, se você consumir ultraprocessados nessa fase da vida é pior, porque você entrega um organismo para a vida adulta com muito mais células gordurosas que podem favorecer o ganho de peso — destaca o especialista.
Neste contexto, Nascimento ressalta que os ultraprocessados são mais perigosos pois contam com compostos químicos capazes de impedir os hormônios da saciedade de informar ao cérebro que o organismo não precisa mais de alimento, e alterar, assim, a quantidade de comida que o corpo entende como necessária. Alguns deles estimulam ainda o desejo de comer por se conectarem com receptores de uma área do cérebro que atua como um “centro da fome”.
— Essas substâncias são capazes de modificar nossos centros gestores energéticos para novos patamares de ingestão alimentar e, com isso, a quantidade necessária de alimentos para que se alcance a saciedade é aumentada de forma definitiva para a vida adulta — diz o especialista.
Essa reprogramação de partes do cérebro responsáveis pela fome e pela saciedade pode começar antes mesmo da criança nascer, por meio do consumo de alimentos ultraprocessados pela mãe e a passagem dessas substâncias para o feto. Quanto mais jovem for o organismo, mais suscetível ele está a essas ações, diz Nascimento.
Além disso, é durante a adolescência que uma alta carga de hormônios é liberada no organismo e ocorre a maturação física e emocional do indivíduo. O endocrinologista destaca que isso também pode modular a fome e a saciedade no cérebro, uma vez que os balanços emotivos bruscos levam muitos jovens a recorrerem à alimentação como compensação envolvendo setores no cérebro que produzem dopamina e serotonina, neurotransmissores ligados ao humor, estabelecendo uma relação de conforto a longo prazo com alimentos prejudiciais à saúde.