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Bioplástico feito de resíduos agropecuários surge como alternativa sustentável ao plástico convencional (6 notícias)

Publicado em 27 de maio de 2025

Um dos materiais mais consumidos globalmente também está entre os que mais tempo levam para se decompor: o plástico convencional, que pode demorar até 450 anos para se degradar no meio ambiente. Diante desse problema, a startup brasileira Bioreset criou uma solução ecológica: um bioplástico 100% biodegradável, fabricado a partir de sobras da agropecuária. Com características técnicas equivalentes às do polipropileno (PP) – um dos plásticos de origem fóssil mais empregados no mundo –, o material desenvolvido pela Bioreset apresenta uma vantagem determinante: sua decomposição ocorre por completo na natureza, sem deixar resíduos nocivos.

“Ele desaparece completamente em apenas seis meses”, diz Carlos Sassano, engenheiro de alimentos e pesquisador responsável pelo projeto. Enquanto isso, produtos plásticos convencionais, como os feitos de polipropileno, permanecem intactos por séculos. “Quando falamos que dura 450 anos é porque não deixaram mais tempo para testar. Pode ser que dure ainda mais.”

Ele explica que o material, denominado polihidroxialcanoato (PHA), é produzido a partir de um processo fermentativo que utiliza microrganismos. “Damos todas as condições para esse microrganismo crescer e acumular o PHA dentro da célula. Depois, rompemos a célula, secamos o material e eles fica em pellets para ser utilizado em diversas aplicações”, descreve.

Outra inovação da startup é o uso de resíduos como matéria-prima para a fermentação, principalmente de cerveja e de óleo de cozinha usado. “Essa abordagem reduz o custo de produção, o que torna o produto mais competitivo, e ainda resolve dois problemas ambientais: o descarte inadequado desses rejeitos e do plástico convencional”, revela.

Sassano destaca que esses resíduos são submetidos a protocolos que os tornam próprios para uso humano sem provocar riscos à saúde. E boa parte dessa matéria-prima chega à startup sem custos. “Muitas empresas pagavam para a gente pegar o resíduo: mais da metade do PHA que produzimos foi com esse material. Isso barateou muito o custo final.”

Principais características

Apesar de manter todas as características desejáveis do plástico convencional durante sua vida útil, a alternativa feita de PHA tem capacidade de biodegradação completa. “Ele é 100% biodegradável porque é orgânico. Por isso, ele pode ser descartado com resíduos orgânicos e se transforma em biocomposto, que pode ser utilizado como adubo”, afirma Sassano.

O foco inicial da Bioreset são os plásticos de uso único, como canudos e mexedores de café, que têm vida útil curta e permanecem no ambiente por séculos. “Existem itens que vão ter de continuar a ser feitos de plástico, mas o plástico de uso único é um grande problema”, aponta. “Para esse tipo de aplicação, essa alternativa ajuda a evitar a contaminação do meio ambiente.”

Para comparação, enquanto um mexedor de café convencional feito de polipropileno é utilizado por poucos minutos e depois permanece no ambiente por até 450 anos, o mesmo produto feito de PHA desaparece completamente em quatro a seis meses após o descarte. “O material só biodegrada quando exposto às condições de biodegradabilidade, como umidade e microrganismos presentes no solo.”

Um dos maiores problemas ambientais atuais relacionados aos plásticos convencionais é a formação de microplásticos – fragmentos de menos de 5 milímetros (mm) derivados da degradação de pedaços maiores. “Eles contaminam a água, o ar e o solo e podem ser ingeridos por animais e humanos”, lembra o pesquisador.

Diferentemente de alternativas como os oxibiodegradáveis (plásticos com aditivos que aceleram o processo de degradação, mas não se decompõem completamente em compostos orgânicos) ou os fotodegradáveis (que se decompõem mais rapidamente sob a luz solar, o que torna a degradação mais rápida do que no plástico comum), que se fragmentam em microplásticos, o PHA se decompõe completamente.

Segundo Sassano, pesquisas indicam que uma pessoa pode acumular cerca de 5 gramas de microplásticos no organismo por ano. “Em dez anos, você tem o equivalente a um cartão de crédito no corpo”, alerta. O plástico da Bioreset elimina esse risco ao se decompor completamente sem deixar resíduos no ambiente.

Pioneirismo brasileiro

Embora a tecnologia para a produção de PHA não seja nova – há cerca de 60 anos, a PHB Industrial S.A. (PHBisa) já trabalhava com esse material no Brasil –, a Bioreset inovou ao produzi-lo a partir de resíduos. “Há 60 anos, não havia tanto material plástico acumulado no ambiente. Por isso, não havia maturidade de mercado para a proposta da PHBisa.”

O protocolo para utilização de rejeitos como substrato foi desenvolvido pela própria empresa, o que a torna pioneira no Brasil e uma das primeiras no mundo a usar essa abordagem. A empresa já fez testes bem-sucedidos de injeção do material em equipamentos convencionais. “Não precisamos mudar os equipamentos: fazemos exatamente como se faz com o plástico de petróleo. Isso é uma grande vantagem”, comenta. O projeto da Bioreset tem apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

A startup pretende, agora, adquirir um fermentador de 200 litros. “Hoje temos um de 7,5 litros. Com um equipamento maior, poderemos começar a atender o mercado em apenas dois meses e meio”, estima. Segundo ele, a Bioreset é a primeira empresa brasileira a produzir PHA a partir de resíduos em escala comercial.

Futuro e desafios

A opção da startup já conquistou o interesse de grandes empresas, como Ambev e Suzano, que veem no bioplástico uma solução para reduzir seu impacto ambiental. O desafio agora é aumentar a produção para atender à demanda. “Nossos protocolos já estão todos prontos. Agora, precisamos de investimento para aumentar a capacidade produtiva.”

Além dos resíduos de cerveja e óleo de cozinha, a empresa tem protocolos para utilizar outros rejeitos agroindustriais — como as fibras vegetais. Isso vai ampliar as possibilidades de aproveitamento de materiais que seriam descartados. A empresa tem pelo menos cinco protocolos diferentes com resíduos distintos, o que demonstra a versatilidade do processo.

Embora o foco principal do PHA da Bioreset seja sua biodegradabilidade, o material também é reciclável, assim como os plásticos convencionais. “A propriedade mais importante dele é a biodegradabilidade, mas ele também é reciclável. Isso fecha um círculo completo de sustentabilidade”, destaca Sassano.

Com essa tecnologia, a Bioreset espera contribuir significativamente para a redução do impacto ambiental dos plásticos ao oferecer uma alternativa que, como sugere o nome da empresa, permite um “reset” completo do ciclo dos materiais plásticos na natureza — após o uso, o material retorna à natureza sem deixar rastros. “É um produto que representa um avanço importante para a economia circular e a preservação do meio ambiente.”